Aconteceu entre os dias 13 e 16 de Julho a 17ª edição do Fórum Internacional de Software Livre (FISL) organizado pela Associação de Software Livre (ASL) na PUC em Porto Alegre - RS. O tema dessa edição foi: “INTERNET DAS COISAS OU DAS PESSOAS? O papel do Software Livre para o futuro de todos (os) nós.” Esse ano o evento contou com quase 4 mil participantes e 462 atividades em sua programação, segundo a ASL.
Internet das coisas ou das pessoas?
O grande debate dessa edição sobre a “Internet das Coisas” (IoT, pela sigla em inglês de “Internet of Things”) foi discutido em diversas atividades, além de ter permeado grande parte das atividades sobre outros temas. Simplificando, o conceito “Internet das Coisas” é usado para atual etapa que estamos vivendo na tecnologia, onde o grande desafio é desenvolver cada vez mais aparelhos e objetos que são usados no dia-a-dia das pessoas, das empresas e das indústrias com capacidade de conexão com redes, principalmente internet, com o objetivo torná-los mais “eficientes”, dotando-os de sistemas inteligentes como, por exemplo, a pulseira inteligente da Nike que registra e monitora as atividades físicas do usuário e com isso pode ajudar o mesmo a melhorar seu desempenho ou também a geladeira da Samsung que permite você acessar câmeras internas para conferir o que tem dentro dela quando não estiver em casa ou também permite você usar a geladeira para fazer compras de mercado online. Para algumas pessoas pode parecer uma coisa distante, mas segundo a edição 2016 do Relatório de Mobilidade da Ericsson, 16 bilhões de dispositivos conectados se juntarão à “Internet das Coisas” até o fim de 2021.
Os desafios para a IoT estão ligados, entre outras coisas, a questão do armazenamento e processamento em tempo real da gigantesca quantidade de dados criados a partir desses dispositivos, que inclusive deve crescer muito mais nos próximos anos, e ao mesmo tempo, com a IoT surgem novos problemas relacionados à segurança e privacidade, pois quanto mais esses dispositivos se tornarem essenciais para a vida das pessoas ou até mesmo para a sociedade de conjunto, falhas ou ataques a esses sistemas podem causar grandes problemas, ao mesmo tempo, mais e mais informações pessoais estão sendo coletadas, o que pode gerar riscos à privacidade.
A “Comunidade de Software Livre” é composta por colaboradores do mundo todo que produzem conjuntamente soluções em tecnologia que priorizam a transparência, privacidade e segurança dos usuários. No software livre, os usuários possuem a liberdade de executar, copiar, distribuir, estudar, mudar e melhorar (e até mesmo vender) o software, o que torna mais eficiente e seguro, ao contrário dos softwares proprietários, que apesar de muitas vezes oferecerem serviços gratuitos (como a Google), lucram com as informações dos usuários sem que estes possam ter acesso ao funcionamento do programa e suas implicações.
Por isso a Comunidade Software Livre precisa discutir a IoT, para entender seus benefícios e seu problemas e ajudar a construir soluções que faça com que a Internet das Coisas sirva aos interesses das pessoas, em seu próprio benefício, e não que as pessoas não tenham mais sua privacidade e liberdade respeitadas diante dos interesses das grandes empresas de tecnologia e também dos governos sedentos por dados e controle.
A Comunidade de Software Livre, o FISL e a questão da diversidade
Na área de tecnologia como um todo existe um problema de inserção de mulheres cis, negras e negros, pessoas pobres e pessoas LGBT, isso ocorre por uma série de problemas sociais que estes setores oprimidos enfrentam em geral, e provavelmente também à alta rentabilidade na área, o que a torna mais excludente. Infelizmente na Comunidade Software Livre isso acaba sendo reproduzido. Mesmo sendo um grupo de pessoas que “colabora com a liberdade individual e a democracia”, as iniciativas que a comunidade Software Livre toma ainda se mostram insuficientes frente aos seus próprios propósitos e sua grande capacidade de realizá-los.
O software livre tem a capacidade de “emponderar” os usuários para que estes consigam usufruir e também construir coletivamente ferramentas que sirvam às suas necessidades. O que falta ser discutido e aprofundado são as condições diferentes que as pessoas têm no acesso à tecnologia, e quando se busca democratizar isso, é necessário pensar especificamente os setores que estão mais à margem.
Foi neste sentido que pela primeira vez numa edição do FISL a mesa “Software e Liberdade: Mulheres cis, travestis e transexuais na comunidade de software livre”buscou debater e provocar a reflexão na comunidade, por entender que o software livre pode ajudar a modificar realidades individuais, mas também coletivas, podendo fazer diferença política nos movimentos sociais, nos movimentos dos setores oprimidos e da classe trabalhadora, criando soluções em tecnologia para estes setores e também ferramentas que ajudem esses a se inserir nessa área, mas para isso a comunidade precisa primeiro se propor de fato esse desafio.
Por isso é fundamental que eventos como o FISL incentivem a comunidade de conjunto a defender e incluir a diversidade, que privilegie espaços que questionem a sociedade e suas opressões, que destaque as iniciativas que já estão indo nesse caminho e incentive também a não naturalização de ações racistas, machistas e LGBTfóbicas em seu meio. Isso significa fazer mais do que tem sido feito até aqui, porque infelizmente, mesmo com algumas atividades que vão nesse sentido, mesmo com a “Política Anti-Assédio” aconteceram episódios lamentáveis nesse evento que não podem se repetir. Assim como cabe às organizações de esquerda e movimentos sociais enxergar a potencialidade que o software livre possui, se aprofundando no debate e contribuindo nos espaços e discussões que estão sendo desenvolvidos.
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17º FISL - 14/07/2016 – “Software e Liberdade: Mulheres Cis, travestis e Transexuais na Comunidade de SL” com BiaMichelle, Mônica da Silva, Roseno Neto, Jussara de Oliveira, Daniela Andrade e Bruno Portela – Foto: Camila Cunha