e internacionalmente. É comum que nesse mês os movimentos sociais e o movimento negro construam marchas com teor político, mas também resgatando a historicidade e cultura afro-brasileira. A Marcha do Orgulho Crespo é um desses movimentos, que através do debate sobre a estética da população negra procura resgatar a história e organizar os pretos e pretas para lutar contra o racismo, machismo e LGBTfobia.
A Marcha do Orgulho crespo está percorrendo várias cidades do país durante esse mês. Essa semana os negros ocuparam o Parque da Redenção em Porto Alegre, e até o final da semana que vem a Marcha vai passar por Montes Claros (MG) e no Rio de Janeiro.
Essa Marcha é um movimento nacional de valorização da estética afro-brasileira, organizado pela Hot Pente e pelo Blog das Cabeludas. A 1º Marcha aconteceu em São Paulo, em julho de 2015 e além da estética “tem como objetivo a valorização da identidade e ancestralidade negra; representatividade, a autoestima, a livre expressão do cabelo natural e o empoderamento da mulher negra na sociedade, em todas suas vertentes e espaços.” – Marcha do Orgulho Crespo.
Esse ano uma das frases mais ditas durante a caminhada em Porto Alegre pelos participantes e as próprias organizadoras da marcha era: – “Não é só sobre cabelos!”. Frase que carrega um significado mais importante do que parece. O movimento do Orgulho Crespo reúne uma geração conhecida como geração afrontamento, ou afrotombamento. Uma geração que tem características diferentes daquela que combatia o racismo nos anos 70 e 80 do século passado.
Diferente do que muitas vezes os movimentos negros tradicionais e a esquerda branca julgam como um debate superficial o debate sobre cabelo pra essa galera não tem nada de superficial. O debate sobre a estética pode ser sim considerado subjetivo até certo ponto, mas tem um fim objetivo, pois tem impacto na estrutura, ou seja, na realidade. O processo de encrespamento para geração tombamento leva na maioria das vezes ao reconhecimento do racismo em nossa sociedade, que sofre com o mito da democracia racial e no caso da população negra sempre sofreu com um duro epistemicídio histórico.
Andar com o seu cabelo crespo, trançado, colorido e acessórios que fazem referência a cultura negra por muito tempo foi motivo de vergonha para as pretas, mas hoje essa geração da um novo significado para essa prática. Um significado de resistência, principalmente em tempos de uma ofensiva cada vez maior dos setores conservadores a nível nacional e internacional, a exemplo a vitória de Trump para presidente dos EUA.
Outro fenômeno dessa geração é o Textão pelas redes sociais denunciando as diversas opressões que os negros e negras sofrem diariamente. É uma geração que não reflete mais doutrinada pelas opressões de classe, raça e gênero e isso está presente nas novas formas de fazer política que acenderam nesse último período no Brasil. Como as ocupações de escolas, que em sua maioria tiveram na linha de frente mulheres e lgbt’s, e nas escolas de periferia quem estava no front contra os ataques na educação eram as pretas.
Mas de fato existe uma tentativa de deslegitimar o debate da geração tombamento. Uma das maiores críticas dirigidas a essa geração é a falta de participação nos debates sobre conjuntura nacional, como por exemplo; os ataques do governo ilegítimo de Temer e a PEC 55 que com certeza tem um impacto mais profundo na população negra e periférica. Mas essa crítica seguida de um sectarismo aos novos movimentos e sem um olhar mais sensível as pautas da juventude negra acabam por afastar cada vez mais estes do debate político e principalmente das mobilizações que deveriam estar sendo protagonizadas pelos mais oprimidos, ou seja, as mulheres negras e LGBT’s.
O fenômeno afrontamento inverte a lógica do debate que os movimentos sociais tradicionais costumam fazer. Discutem sobre cabelos crespos ou sobre o abandono da mulher negra e acabam por vezes expressando uma dificuldade de chegar no debate sobre desmilitarização da polícia, mas isso não significa que não reconheçam que o braço armado do estado é quem promove o genocídio da juventude negra. Os movimentos negros mais antigos, que lutaram pelas cotas raciais nas universidades e por políticas públicas de reparação devem ser um impulsionador desse debate. Ao mesmo tempo é preciso reconhecer que esse fenômeno consegue mover as negras de periferia usando uma linguagem que é própria do afrotombamento. A ressignificação do termo “Tombar” é exemplo disso. Durante muito tempo esse termo servia para banalizar a morte de milhares de negros, hoje tombar significa enfrentar aqueles que querem o nosso fim.
Essa geração é fruto de um processo espontâneo de reorganização do movimento negro e em especial de base das mulheres negras. Cabe lembrar que muitas das mulheres que dirigiam os movimentos negros e que inclusive começaram a refletir sobre o que é o feminismo negro na década de 80 se superestruturaram nas esferas governamentais, perdendo a ligação com a luta direta das questões raciais, e a própria esquerda demorou muito tempo para de fato levar a sério as pautas do povo negro. Não é há toa que a juventude negra hoje tem dificuldade para achar suas referências e ao mesmo tempo cumprem o papel de construir suas próprias referências e se inspiram muito nos movimentos mais antigos, mesmo buscando outras formas de organização.
A juventude tem sido linha de frente nas principais lutas contra a retirada de direitos e não ter a população negra que é maioria no país nas ruas combatendo os ataques do governo é sim preocupante. Querer mobilizá-los sem querer entender o que os move retarda o avanço das lutas contra Michel Temer e sua corja. Entender essa geração e disputá-la para enegrecer as ruas é a principal tarefa, não só em Novembro, mas o ano inteiro.
Fontes: Blogueirasnegras.org; Facebook.com/orgulhocrespobrasil , catracalivre.com.b