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Diário Liberdade
Quarta, 15 Novembro 2017 17:22 Última modificação em Sábado, 18 Novembro 2017 17:28

Apontamentos para a Causa Palestina

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País: Palestina / Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Diário Liberdade

* A linha editorial do Diário Liberdade é ateísta, portanto não defendemos as referências religiosas expostas no seguinte artigo. Entretanto, decidimos veiculá-lo devido a seu caráter socialista e anti-imperialista em prol da luta do povo palestino [Nota dos Editores]

Por Yasser Jamil Fayad e Jamil Abdalla Fayad

Introdução

O objetivo desse ensaio é lançar luzes sobre a totalidade concreta na qual a Causa Palestina está inserida. Não se trata de uma tese final e acabada, mas sim de tentativas de aproximações daquela práxis emancipatória. A luta pela libertação Palestina abriu as portas para um processo que pode não se encerrar dentro dos moldes de um “Estado nacional burguês”. O futuro dirá se o povo palestino optará em transcender esses limites rumo ao socialismo – uma certeza temos: no mundo árabe, os palestinos são hoje os que mais podem fazê-lo. Opção que fortalecerá sua herança positiva de solidariedade, fraternidade e justiça com equidade social e econômica. Esta saída será a antítese de beleza que o diferenciará da feiura sionista.

O voo do Pássaro-sol Palestino

  1. A Questão da Palestina não é, senão, mais uma horrenda e sombria invenção do capitalismo – fruto de sua dinâmica central de acumulação que subordina, espezinha e espreme o sumo, sangue e tutano de tudo o que denomina e o faz periférico.

  2. A civilização europeia nunca quis ficar fechada em si, foi desde sempre uma narcisista ativa, em seus encontros com o “outro”. A Marcha, que representa o fluxo principal de sua evolução, foi essencialmente a da exploração e da dominação, sua concepção que vê o outro como bárbaro e sem alma o limitou ou mesmo impediu encontros que a enriquecesse profundamente. Sua ferramenta essencial foi a violência que subordina o outro e o reconstrói para lhe servir e parecer à imagem, mas nunca com status de igual. Essa face hegemônica europeia, com seus pares, somente queria matérias-primas como o ouro, petróleo, ferro, minérios, madeira, café, gado, algodão, açúcar e mãos de obra escrava ou semiescrava para saciar sua imensa gula. Esse ocidente político só foi capaz de ver beleza em si mesmo.

  3. O Orientalismo não é, senão, um capítulo da Marcha europeia, uma das faces do processo de homogenização do homem, que deseja apenas as visões de mundo de fundo único que beneficia Europa, EUA, Canadá, Austrália e Israel, que transforma a todos em meras cópias miméticas do American Way Of Life/ Eurocêntrica. Nesse processo, veem o vasto Oriente humano árabe digno somente de uma curiosidade excêntrica e animalesca.

  4. O seu discurso de democracia, cosmopolitismo, universalismo e desenvolvimento nada mais é que uma roupagem para as visões de mundo de fundo único, que são usadas para que os outros engulam goela abaixo seu conteúdo, seus valores. Em contraposição pejorativa a este discurso a identidade étnica árabe e religiosa islâmica são apresentadas como atrasos e obstáculos ao seu progresso.

  5. O capitalismo central europeu, que já havia concluído sua etapa de acumulação primitiva sobre as entranhas das classes trabalhadoras internas e sobre a superexploração da força de trabalho nas economias coloniais/dependentes, cria um excedente humano como subproduto da industrialização, da formação das grandes cidades modernas e do êxodo rural, expulsa-os numa operação de limpeza com função social de estabilidade política interna. Externamente lhe serviu de pilar humano para a necessidade de expansão de uma nova onda de acumulação de matérias-primas e mercados num movimento neocolonialista. É nesse movimento que inventam Israel sobre as vísceras do povo palestino. Como no passado, as Cruzadas discursavam que Jerusalém era a porta para os céus, mas queriam seus tesouros, mercados e rotas comerciais. Mimetizando-os, o sionismo fala em Jeová, mas quer a posição estratégica militar para servir-lhe de auxílio à rapinagem do petróleo e apoio ao controle geopolítico regional pelo Império, do qual seu papel é de extensão e de lacaio.

  6. O capitalismo transformou-se na grande religião mundial que subordina todas as velhas formas de religião. Os antigos deuses perderam seus postos diante do dinheiro, lucro, mais-valia e desejo de consumo, verdadeiros deuses que controlam o mundo. Israel é um acabamento dessa teologia do capital e suas ações só são inteligíveis dentro dessa óptica. O Judaísmo é uma mera máscara aos ateus-sionistas ou releitura religiosa de extrema direita ao judeu-sionista. O Judaísmo, enquanto fenômeno religioso, nunca precisou de um “estado” para existir enquanto tal, ao contrário do projeto sionista. Para esse é imperativo um “estado” recheado de ogivas nucleares e arsenais militares, agressor, racista, expansionista, fechado em si diante do outro.

  7. A força do sionismo é sua unidade estratégica, seu militarismo, sua imagem falsa sustentada pela megaindústria midiática que (re)produz diariamente toneladas de imagens, livros, filmes, mas também pelas pequenas seitas religiosas que associam o velho testamento e a colonização sionista num imenso delírio de fanatismo doentio e suturado de racismo do Deus que “elege”, “apadrinha”, “dá eterna carta branca” a alguém em detrimento de todos os outros “não eleitos”. Nesse sentido, o sionismo só poderia nascer como nasceu, no seio do neocolonialismo europeu e ser a continuidade sincera dessa herança maldita.

  8. É uma ilusão acreditar que os trabalhadores modernos em Israel, expulsos da Europa, para o mundo num movimento direcionado, como a colonização sionista, possam deixar a primazia da sua posição de colonizador para assumir uma aliança emancipatória com os trabalhadores árabes. Diferentemente dos demais trabalhadores expulsos da Europa, estes nasceram e mantem uma função colonizadora específica como enclave militar e político na região. Em decorrência disto, não há movimentos políticos e sociais de esquerda, mas somente alguns poucos e heterogêneos indivíduos deste campo político sem peso nesta sociedade.

  9. A Marcha europeia produziu seu acabamento final com o capitalismo, nesse “progresso” rendeu o sistemático genocídio indígena das Américas, martírio negro em África e as guerras de pilhagem em Ásia, Oceania e América Latina. A luta Palestina é uma afirmação de uma variante cultural do gênero humano, uma das faces árabes do mundo que carrega consigo, na sua resistência e nos seus apontamentos de alternativa, todas as dignidades dos povos que lutam e lutaram contra a expansão predatória da Europa e suas filiais.

  10. A ampliação das formas discursivas e de ações como sugerida adiante para o “conceito de Palestina” não exclui aquilo que vê beleza na luta de libertação e faz uso da potência vingativa desta. Não existem insurreições, revoltas e mesmo processos mais profundos como revoluções sem essa força, da qual os palestinos carregam toneladas em suas artérias. A vingança sempre foi um sentimento de força dos explorados e oprimidos em suas lutas. Quem clama pela exclusão desse sentimento trai essa potência que é redentora. Só pode vingar a história quem dela foi vítima!

  11. O movimento socialista é uma expressão dessa potência vingadora que nasce no coração da Europa numa contramarcha, sintetizando toda sua herança positiva. A revolução socialista é o ponto de metamorfose da vingança da história na mais elevada práxis humana emancipatória.

Árabes – os filhos do deserto

  1. A península arábica não possui rios cruzando-a, não existem florestas, o deserto entre a parte central e parte mais fértil na costa do Oceano Índico, não possui oásis e rios perenes. Naquela época, Meca não possuía agricultura própria para seu sustento, pois a água permitia somente o assentamento de pessoas. Desse cenário surge a necessidade do comércio, da caravana, da peregrinação, do encontro com o "outro", que nada mais foram que vasos ligando e alimentando esse corpo milenar. Dessa nutrição rica de Ásia e África é que o acúmulo civilizacional se desenvolve no ponto cego dos olhos de Europa.

  2. O deserto é a geografia que define o árabe restrito e povoa o íntimo do moderno, ainda que a maioria dos árabes nunca o tenha vivido. É a imensidão indomável que não se subordina nem se submete, que é simples e sua beleza é sua força terrível de exigir que a vida nele se assemelhe a si. O árabe é o humano desse deserto que compreende a constante mudança das areias, das fontes de água intermitentes, das possibilidades. A solidariedade entre os que nele sobrevivem é essencial à vida, formando a base objetiva da sociabilidade, que tanto unifica como rivaliza, “tribaliza” os comuns, pois essa geografia não é capaz de sustentar grandes contingentes humanos, mas também não permite o individualismo, pois sozinho o deserto lhe engole.

  3. O camelo é a nau do deserto – Que os poetas façam Odes a ele! – sua importância para os árabes restritos sedentários e beduínos é incalculável! A mobilidade comercial e militar, a boa velocidade, a imensa rota que ele é capaz de percorrer entre os desertos sem necessidade de água, a força descomunal, o olhar de quem não teme o deserto: foi através dele que os árabes construíram sua supremacia de terreno. Os desertos se amam, suas areias como tal, se conjugam em toda a região da península arábica ao crescente fértil, do Maxerreque ao Magrebe, da Ásia central ao crescente fértil tudo se conecta com pequenas intersecções de biomas semelhantes a savanas. Essa é a grande rota dos árabes e seus camelos, foi essa a estrada que edificou a Civilização das areias.

  4. O Islã é uma das chaves do Oriente próximo, sua evolução e ascensão são indissociáveis da invenção do mundo árabe moderno. É preciso ter clareza que ele não foi um fenômeno stricto sensu religioso, foi um fenômeno político – social – econômico – cultural novo em seu tempo, transfigurando a sociedade árabe de então, dando unidade linguística, uma escrita com caracteres próprios e fixos – o árabe clássico definido pelo Alcorão, uma unidade política e militar com o Profeta e Seus Aliados próximos. O Islã é fruto da cultura árabe restrita que deu coesão e direção ideológica as tribos peninsulares para o movimento de expansão fulminante que engoliu outros povos e mastigou-os, digeriu-os e remontou-os a sua semelhança. A língua árabe é o Islã.

  5. A historiografia ocidental e árabe islâmica oficial coincide em tratar os árabes do período pré-islâmico com um olhar negativo. Para o Islã, que se afirmava era compreensivo essa negação do passado, chamando-a de “Era da ignorância”, pois ele próprio queria superá-lo. Já no caso Europeu, tratava-se da repetição do olhar negativo sobretudo o que não é espelho ou que não lhe tem serventia de uso. Apesar de pouco documentado, esse período nada teve de pobre, primitivo, pelo contrário, foi rico em poesia, literatura oral, nele se forjaram as condições subjetivas e objetivas para o salto qualitativo do período do surgimento do Islã. A caravana do comércio e da peregrinação alimentou os árabes pela boca e também o espírito. Além das trocas comerciais habituais nesses encontros se trocava conhecimentos, saberes, artes, culturas, pessoas das mais diversas fontes eram recebidas nesse mundo pré-islâmico. É provável que até mesmo o último profeta Muhammad (que a paz e a bênção de Deus estejam sobre ele) tenha antes da Revelação conhecido outras culturas, como mercador que foi.

  6. A primeira vitória do Islã foi sua habilidade de coesão tribal, nesse mundo árabe restrito, o tecido social era demasiadamente fragmentado para uma expansão que necessitava de uma coordenação política e militarmente centralizada. Somente pela cosmovisão religiosa e pela habilidade política de Muhammad e seu grupo (que a paz e a bênção de Deus estejam sobre ele e seus companheiros) que os árabes deram um salto qualitativo de um mundo restrito a península arábica ao gigantesco domínio que ligava três continentes.

  7. Essa sociedade árabe restrita já não tinha como expandir-se geograficamente, já não podia manter-se em si mesma, seu comércio necessitava de novas rotas e controle sobre outras. Sob uma conjuração única, os árabes restritos criavam unidade e visão de mundo comum (“Assabiyah”, conceito de Ibn Khaldun), para saírem de si num momento em que os Persas e Bizantinos estavam fracos. No processo de expansão dos árabes sua dominação não se apresenta como “estranha”, “estrangeira”. Eles não hostilizam o vencido militarmente, não estupram, não violam cemitérios ou templos (em especial, cristãos e judaicos), não forçam pela violência a conversão religiosa,... rapidamente criaram canais de absorção do conquistado... uma extensão da hospitalidade árabe, da curiosidade mercantil pelo outro... a islamização era antessala da arabização – processo de desfazer e refazer os povos conquistados em árabes modernos. É nesse processo complexo que os palestinos de outrora se transfiguram etnicamente em árabes.

  8. Os árabes desenharam um processo civilizacional distinto do fluxo majoritário ocidental em sua forma e conteúdo, de longo fôlego, de longa extensão territorial (Espanha a China). Foram capazes de se deparar com culturas e conhecimentos mais sofisticados do que possuíam, sem negá-los ou destruí-los pela força cega, nem absorvê-lo mecanicamente, ou seja, não foram um furacão que apenas passa e deixa rastro de destruição, nem tampouco cultural e politicamente foram vulneráveis a deixarem de ser si mesmos diante dos Impérios que absorveram. A conversão ao Islã foi encorajada e ligada à alfabetização do idioma da revelação divina. O controle das grandes rotas comerciais, das cidades polos desse comércio exigia uma capacidade maior do que a mera pilhagem – a sedimentação externa ao território da península os moldará num novo árabe (2º Grande salto qualitativo). A cultura árabe forjou-se aberta a influências, a “umrãn” é a comunidade em construção permanente (conceito de Ibn Khaldun), com uma capacidade única de novas sínteses, de sincretismos ricos em todos os campos (incluso religioso), destruindo, construindo e reconstruindo a si mesmo e ao outro como continuidade da cultura árabe – com a ambição de ser a melhor síntese de todas as culturas e conhecimentos. Seus valores, sua religião, sua unidade deram a eles a posição orgulhosa de si o suficiente para não abdicarem da sua própria identidade étnica, souberam enriquecê-la, tricotaram novos pontos seguindo a orientação base da trama da cultura árabe restrita: fizeram um novo tecido sócio-étnico-cultural, nascedouro de um novo árabe!

  9. Se por um lado a flexibilidade, a capacidade de adaptação, de absorção dos árabes em expansão mostrou ser seu grande trunfo em distinção a Marcha europeia, por outro lado deixava claro as fraquezas de uma instabilidade política do Império que se erguia. Esse tecido social que se formava era gelatinoso e heterogêneo, sem um esqueleto capaz de lhe dar estabilidade – papel cumprido pela instituição Igreja na experiência europeia – desde a morte do profeta Muhammad (que a paz e a bênção de Deus estejam sobre ele), as cisões políticas já começavam aparecer e se traduziam em distinções religiosas, seitas e facções. A falta de intuições que dessem continuidade histórica é um dos grandes dramas do mundo árabe – sempre que esse ensaiou uma tentativa... essa falhava.

  10. O nascimento étnico do árabe se faz na península arábica. Ele é o sujeito de uma civilização que dialoga com o outro, curiosa sobre as diferenças, habilidosa ao lidar com elas, mas que até então jamais saíra de si. Essa civilização se unifica com o Islã – seu Profeta encarna a liderança desse movimento que não está voltado para si mesmo, que quer se expandir pelo mundo conhecido e além. Esse é o árabe acordado de um sono de 2 mil anos (1º Grande salto qualitativo) – acordado, pois vê sua coesão, visão comum e unidade como força (“Assabiyah”). Esse árabe, que engole as demais civilizações e as digere transformando-as, (re)significando-as, em uma nova configuração, que dá novo conteúdo étnico a si mesmo e aos outros, que arabiza... vencendo seu sentido “restrito”, do qual o grande califado dos Omíadas foi sua maior expressão política... e realizou o 2º Grande salto qualitativo – o nascimento do árabe moderno, do qual o califado dos Abássidas são o romper.

  11. As Cruzadas são a resposta europeia à ascensão do Islã/árabes. O elevado grau de violência usado pelo invasor branco foi algo não esperado pelos árabes islâmicos, como os relatos dos cronistas deixam claro. Essa atonicidade deu-se em decorrência das relativas boas relações com que os mulçumanos, cristãos e judeus mantinham sob domínio islâmico, em especial na Palestina. Desde a chegada do califa Omar (que a paz e a bênção de Deus estejam sobre ele), a Palestina é declarada uma “waqf” (terra de Deus) e esse decreto é irrevogável até o Juízo Final na lei islâmica (“Sharia”), ou seja, os mulçumanos não se entendem senhores da terra sagrada, mas apenas seus guardiões – a terra é de todos os crentes em Deus. A primeira resposta árabe a essa horrenda agressão foi a negociação sob a pressão e o medo. A segunda resposta é fruto da unificação política e militar no período de Saladino, que era capaz de “destruir” com facilidade os cruzados, mas não o faz, prefere a negociação sob outra relação de força. A terceira resposta é a violência aberta dos mamelucos para expulsar o invasor incapaz de viver com a diferença altiva do outro. A Civilização árabe nunca quis destruir o outro, mesmo os agressores de Europa – ela não se forjou assim, não pertence a seu ímpeto essa modalidade de encontro.

  12. Sunitas versus Xiitas é a versão hollywoodiana pobre e podre para tudo que acontece no Oriente próximo e no Mundo islâmico. Quer esconder a luta encarniçada entre os imperialistas e seus aliados, dos quais Israel é cão fiel e a elite Saudita a odalisca preferida, contra as forças heterogêneas contrárias.

  13. A Causa Palestina pode ser tomada no sentido de “potência acumulada”, essa há muito vem sendo alimentada pela sua própria práxis que desvendou o Império, Israel e seus tentáculos, as elites árabes, a solidariedade das esquerdas e dos povos do mundo inteiro, podendo assim se (re)encontrar com aquele ímpeto que tomou o mundo vertiginosamente e criou momentos civilizacionais ímpares para humanidade (Califado Al-Andaluz, Bagdá dos Abássidas, o encontro com Índia (Taj Mahal), com China, com África no Mali, etc.). Nesse sentido, a Causa Palestina contém em si, potencialmente um novo “momentum” desse árabe que se (re)fará como há 1500 anos num novo projeto de homem e de sociedade – Um Grande salto mais ousado do que o primeiro e segundo descritos – um salto para uma sociedade socialista e árabe.

Palestina – a joia mística

  1. A Nakba é mais que uma data, é um longo processo de vitimização de um povo. É a aparência do fenômeno sionista que não ilude sua essência colonialista, racista e servil ao Império. A Nakba não é uma catástrofe, um incidente terrível, ao contrário, ela foi meticulosamente planejada e executada com todos os requintes de crueldade, uma síntese perfeita do pior desta Marcha europeia. Os carrascos esperavam que as vítimas tombassem ou se diluíssem entre os árabes dos países vizinhos, apostavam no esquecimento da Palestina pelo seu povo... mera ilusão. A Nakba é uma tragédia civilizacional não só palestina, mas de toda a humanidade.

  2. A luta pela libertação da Palestina é obra de seu próprio povo, sendo o único interlocutor legítimo de si mesmo. Aquele sionista arrependido, o ex-assassino de crianças do exército sionista, o judeu humanista, o judeu defensor dos animais abandonados e das crianças palestinas e, mesmo, os indivíduos da esquerda dentro de Israel - não são e não serão os interlocutores da voz Palestina. A digna Causa Palestina não é uma questão interna da colônia-monstro Israel. Cabe a estes promoverem um único gesto verdadeiro que é construir um movimento de massa interno que contribua com fim da colonização.

  3. As esquerdas em seu amplo leque pisam no terreno pantanoso dos pseudoconceitos de judeu, povo, diáspora, reino de Israel, hebreus, holocausto, essa verdadeira indústria que obstaculiza o movimento de entendimento do fenômeno e esquecem que essa é parte fundamental da imensa engenharia que inventou e mantém Israel. Também não cabe as esquerdas a posição pedante de quem quer ensinar o povo palestino, pois essa postura traduz miséria política-pedagógica.

  4. Na sua práxis de libertação, o povo palestino desvendou, não sem traumas e dolorosas desilusões, o papel das forças políticas e sociais que o cercam e o permeiam. Foi assim com o papel do Império britânico e da colonização sionista, que inicialmente eram bem-vindos a “waqf” e mesmo festejados na Palestina, mas logo ficaram claras suas reais intenções de estabelecer ali uma colônia de substituição populacional a serviço do Império. O papel das elites árabes regionais que rifaram os palestinos em benefício próprio, mas não menos doloroso foi a descoberta de que a elite árabe palestina (a exemplo da regional) queria ser o interposto entre seu povo e o Império – não sabia essa que o sionismo era o interlocutor oficial e não queria nenhum palestino na Palestina, incluso a burguesia e aristocracia rural. Os palestinos aprenderam que só podem contar com sua própria força, força dos trabalhadores e daqueles que assumem essa perspectiva de classe.

  5. A resistência palestina precisa fortalecer e ampliar o conceito de Palestina, não mais apenas o da terra que pertence ao povo palestino, comum a todos os crentes e não crentes, mas também:

  1. O conceito de território cerceado - da qual Gaza e os campos de refugiados são a ligação com todos os guetos, favelas, periferias do mundo.

  2. O conceito de limpeza étnica - comuns aos povos indígenas das Américas, África, Oceania e Ásia que sofreram e sofrem os reflexos da expansão europeia.

  3. A luta reivindicatória por moradia – que a liga as reivindicações de milhares de explorados da Terra.

  4. A luta reivindicatória por terra – que a liga a luta de resistência indígena nas Américas, a luta pela reforma agrária, luta da agricultura familiar pela produção de alimentos, do controle das fontes hídricas, de suas riquezas minerais, de suas florestas.

  5. A luta antirracista – elo importante com todas as etnias oprimidas da Terra.

  6. A luta pelos direitos humanos – ligação com todos os povos e grupos sociais que sofrem desumanização e outras violências, em especial, tortura e encarceramento sem direito à defesa.

Portanto dar ênfase ao conceito de Palestina com as lutas de todos os explorados e oprimidos, com a clara pretensão de que não exista nenhuma reivindicação justa que não tenha um paralelo com a Causa Palestina.

  1. Enquanto os palestinos estão fadados a lutar pela sua liberdade e sua terra, carregam consigo todos os valores nobres e belos desse tipo de luta como coragem, solidariedade, justiça e amor. Ao sionista resta o mísero papel do explorador e opressor com todos os valores e feiuras que esse tipo exige como covardia, arrogância, belicismo e assassinato. O que ironicamente é a reafirmação prática das acusações do antijudaísmo secular europeu, ou seja, o sionismo é a verdade do antijudaísmo secular europeu.

  2. Oslo é um reflexo da acomodação de classes onde a burguesia árabe-palestina, a aristocracia rural religiosa e os setores das camadas médias (em especial, as expulsas que perderam suas posses) se veem inicialmente dentro da grande luta de resistência do povo palestino e depois recuam durante a evolução dos enfrentamentos. O recuo vinculou-se também às mudanças de cenários como a destruição do Pan-Arabismo, o enfraquecimento do Movimento dos Não Alinhados e a queda do Bloco Socialista. Essas acomodações levaram até mesmo a negócios comuns, acertos e diálogos com os sionistas. Notoriamente, na burguesia não expulsa (que não perdeu suas posses) da Cisjordânia e Jordânia palestina – forçaram também o deslocamento político conciliatório da sua principal organização o Fatah. Olso é o acabamento desse processo de esvaziamento do teor de luta da burguesia árabe-palestina, da antiga aristocracia e de setores das camadas médias – rifando, abandonando elementos poderosos da Causa Palestina, como por exemplo, a questão do retorno de refugiados e do reconhecimento de Israel.

  3. Por outro lado, Oslo também é a demonstração cabal de que o sionismo não pretende ceder nem sequer a um “Estado palestino" controlado, fraco, debilitado, raquítico. Nesse sentido, revela que todas as formas de diálogo, incluso o submisso e humilhante, foram fechados pelos sionistas – a partilha mostrou-se ilusão.

  4. O que é Israel senão uma cópia sem graça, sem sabor e tempero dessa face do mundo europeu, algo completamente fora do lugar! Nada tem a ver com o mundo que o cerca, permanentemente fechada em sua fantasia de superioridade. Sem o muro, quem é essa gente? O subproduto desse ocidente falido e fútil, que os árabes com sua cultura milenar podem engolir facilmente como já fizeram com povos muito mais interessantes – o muro lhes serve de garantia de não se transformarem em árabes. Israel é simplesmente o muro!

  5. Os palestinos são aqueles que não foram derrotados pelo sionismo. A potência acumulada em quase 70 anos de uma riquíssima resistência política e imensa práxis libertadora (armada, poética, de greves, de passeatas, não violenta, literária, artística, diplomática, etc.) tornou o povo o mais politizado e organizado entre os árabes. Seu processo de luta anticolonial o colocou em contato com a luta de Argélia, de Vietnam, de África do Sul, de Cuba, do Bloco Socialista, dos Não alinhados, transformando radicalmente o conteúdo de negação do estado colonialista de Israel em um conteúdo de superação dialética deste. Os palestinos não querem ser Israel (racista, belicista, colônia, filhote do Império, etc.), mas sua antítese. Nesse sentido, o socialismo aparece no horizonte como resposta adequada a fusão do melhor da tradição árabe com o melhor da tradição europeia... os palestinos estão abertos a essa possibilidade histórica. Esse socialismo não será uma cópia das experiências europeias, como tal, será incorporado num salto qualitativo (o 3º Grande salto). A Palestina socialista será a vanguarda e a pedagogia do exemplo para todos os árabes e além... será o esplendor de um novo “momentum” civilizacional da humanidade.

Florianópolis, Ramadan de 1438.

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