Dezenas de milhares de turcos lotaram neste domingo a simbólica Praça Taksim em um protesto convocado pelo principal partido da oposição, o Partido Republicano do Povo (CHP, socialdemocrata), “contra os golpes e a ditadura, a favor da democracia e das liberdades” na Turquia. Foi a primeira manifestação da oposição autorizada na praça desde a revolta de Gezi, em junho de 2013 e, ao contrário do que aconteceu em manifestações anteriores (Orgulho LGTBI, 1º de maio), nem sequer a tropa de choque foi destacada.
Os manifestantes que agitavam bandeiras na Praça Taksim refletiam a rejeição generalizada da tentativa de golpe de Estado em um país que sofreu vários golpes de Estado sangrentos nas últimas décadas. Aproveitando-se do golpe fracassado como um trampolim para incrementar seu bonapartismo autoritário, Erdogan estabeleceu um "estado de emergência" de três meses que lhe concede poderes práticos para suspender os direitos democráticos elementares na Turquia, com a polícia podendo dissolver organizações e reuniões a qualquer momento. Deteve mais de 13 mil pessoas das forças armadas, do judiciário e de outras instituições, e mais de 60.000 funcionários públicos foram expurgados da Administração pública. Além disso, 2.300 entidades privadas, de escolas a clínicas e associações, foram fechadas.
A manifestação foi organizada pelo Partido Republicano do Povo, de oposição, que estava próximo de generais secularistas que costumavam controlar os militares. O partido perdeu influência desde que Erdogan chegou ao poder, mais de uma década atrás, com votos de setores muçulmanos que sentiam-se marginalizados sob a liderança dos últimos governantes seculares da Turquia.
Reuniram-se na Praça Taksim, além dos eleitores do CHP, várias organizações da multifacetada esquerda turca – da marxista à nacionalista laica –, menos a curda, que havia realizado a sua própria manifestação no sábado nos arredores de Istambul. E cada um participou por diferentes razões. “Não estamos aqui por nenhum partido, estamos aqui pela pátria”, disse Turkan, uma mulher de 30 anos. “Eu vim para restaurar a democracia que o AKP nos roubou”, justificou Yasar, um funcionário público.
"A tentativa de golpe foi feita contra o nosso Estado social, democrático, secular, governado pelo estado de direito", disse o chefe do Partido Republicano do Povo, Kemal Kilicdaroglu, em um discurso. Ele não criticou diretamente Erdogan, embora tenha defendido a imprensa livre e a liberdade de reunião e tenha denunciado os perigos da ditadura e do autoritarismo. As declarações ecoaram, em parte, sua recente crítica de que "o estado de emergência da Turquia põe em risco a democracia" através da concessão de poderes extras para Erdogan.
Com o objetivo de neutralizar o conteúdo de repúdio que também se expressava contra o crescente autoritarismo do governo, Erdogan convocou seus seguidores a participar da "marcha unitária" contra a intervenção militar na política. Mas mesmo os cartazes na passeata diziam "Apoiamos a República e a Democracia" não puderam esconder as contradições sociais no país profundamente dividido, que transpareceram no próprio ato.
“Nos últimos anos, assistimos como Erdogan utilizou o parlamento à vontade e impôs seu fascismo islâmico. E depois do golpe ele deu um contragolpe e não só está despedindo funcionários públicos gülenistas como outros funcionários que se opõem a ele. Mas não vamos permitir que leve a cabo seus planos”, afirmou Mehmet Bilecen, um professor aposentado e militante do movimento de esquerda Haziran, que surgiu na sequência do protesto da Praça Taksim.
A tentativa de golpe terminou com a rendição dos golpistas, mas as contradições internas e da política exterior do regime se mantém, criando uma atmosfera política altamente instável com efeitos expansivos que tocam os interesses dos principais centros europeus.