Cabeça erguida, coração quente, sangue frio. Lutaremos até o fim.
A dramaticidade da campanha desta semana só é comparável com a de 1989. A eleição será decidida no último dia. O país está dividido na metade. Escrevo estas linhas quando o que há de mais ativo e consciente da esquerda brasileira está tentando virar votos. Vamos lembrar este domingo para o resto de nossas vidas. Uma encruzilhada está diante de nós. As cinco pesquisas confirmam a queda de Bolsonaro e o crescimento de Haddad. Não há dúvida alguma da dinâmica. Até hoje Haddad ganha votos em velocidade maior do que Bolsonaro perde, mas ambas as tendências convergem na mesma direção. Bolsonaro foi longe demais no domingo passado. Uma onda se levantou ao longo desta semana. Uma onda grande, poderosa, tendo na sua vanguarda a os mais pobres, a juventude, as mulheres, e os comícios monumentais no nordeste. Mas não sabemos se a força da onda é grande o bastante.
Muitos têm me perguntado, preocupados, o que se pode esperar de um governo Bolsonaro, se não conseguirmos virar as eleições deste domingo. Análises de conjuntura sérias devem concluir com hipóteses de trabalho. Fazer previsões é um exercício legítimo. Antecipação de cenários é indispensável para nos prepararmos. Mas devemos ser prudentes com prognósticos.
Bolsonaro não será mais do mesmo, quando comparado com Temer: será mais que uma mudança de governo, será uma mudança no regime político. Essa mudança será um processo, não um evento, um golpe pós-eleitoral. O regime eleitoral semipresidencial que vingou durante trinta anos será, todavia, desafiado a partir do governo.
Assim como Temer não foi mais do mesmo, quando comparado com o governo Dilma Rousseff. Trata-se de mudanças qualitativas, não quantitativas. Existem dois perigos simétricos diante da esquerda: subestimar ou sobreestimar o impacto de uma vitória de Bolsonaro. Não são erros equivalentes. Diante da possiblidade da vitória de um neofascista, o primeiro erro é mais grave que o segundo. Devemos sempre nos preparar para a pior hipótese, quando as liberdades democráticas estão em perigo.
O que significa reconhecer que se Bolsonaro, infelizmente, vencer, estaremos em uma situação, diretamente, reacionária, ultradefensiva. Mas, não ainda contrarrevolucionária. Ambas são muito ruins, porém, diferentes. Claro que uma vitória de Bolsonaro pode abrir o caminho para uma dinâmica terrível. Haverá resistência, certamente. Mas a dinâmica reacionária se acentuará. A corrente eleitoral fascistizante sairá, imensamente, reforçada. As condições para que o PSL, até seis meses atrás uma legenda de aluguel fantasma, se transforme em um partido neofascista de massas crescerão.
Isto posto, dois parâmetros fundamentais irão condicionar um possível governo Bolsonaro. Parâmetros são os principais fatores que estabelecem as referências. A história nos coloca diante de encruzilhadas. Domingo será uma dessas encruzilhadas. Uma bifurcação de caminhos. Domingo iremos medir forças. A relação de forças que sair de domingo terá muito peso na conjuntura mais imediata.
O primeiro parâmetro é a iniciativa política da presidência. Ou seja, sua relação com as instituições do regime, com a classe dominante e com os imperialismos. O governo Bolsonaro não será somente um governo autoritário preventivo, preservado o regime semipresidencial. Será uma subversão das relações de poder entre as instituições, e uma degradação da relação social de forças entre as classes, impondo condições, qualitativamente, mais adversas para a luta popular.
Bolsonaro é um líder neofascista. Seu projeto político nos primeiros meses não poderá ser a instituição imediata de uma ditadura fascista, mas iniciará uma dinâmica contrarrevolucionária. Seu plano será destravar os bloqueios institucionais, apoiado na relação direta do capitão com as massas, para que o governo se eleve acima do Judiciário e do Congresso, que deverão apenas reconhecer sua legitimidade. Em uma palavra: uma mudança de regime.
O neofascismo contemporâneo não é uma cópia do nazifascismo dos anos trinta. Não responde ao perigo de uma revolução. O neofascismo bolsonarista é uma resposta reacionária ao lulismo. Surge como um movimento da classe média contra os governos do PT, no contexto da crise econômica-social mais séria do último meio século. Era minoritário na burguesia até este segundo turno.
Seu projeto é uma mudança bonapartista do regime para realizar um choque no capitalismo brasileiro. Seu programa econômico-social será uma continuidade agravada do governo Temer, mais radicalizado. Isso significará reposicionar a presidência como instância de poder. Muito mais poder. O atual regime político no Brasil é um semipresidencialismo, em que se estabeleceu um certo equilíbrio de forças, pesos e contrapesos, entre a presidência, o Congresso, o Judiciário, e as Forças Armadas. A presidência, ou seja, o executivo tem limites. São esses limites que serão alterados.
Bolsonaro tem como estratégia subverter essas relações de poder apoiado na vitória eleitoral.
Ele tentará garantir uma maioria avassaladora no Congresso Nacional para mudar o regime que nasceu da Constituição de 1988. As liberdades democráticas e a existência legal das organizações dos trabalhadores e dos movimentos sociais estarão ameaçadas. Devemos nos preparar para a criminalização da esquerda.
Ele poderá contar com o apoio da classe média reacionária, mas não está, por enquanto, nada claro se terá o apoio da maioria da burguesia para este projeto. Ainda que alinhada atrás de Bolsonaro, os movimentos discretos da classe dominante têm sido na direção de enquadrá-lo. Deixaram um monstro liderar uma avalanche social. Verão que controlá-lo será muito complicado. Bolsonaro terá apoio do governo Trump, mas os imperialismos europeus sinalizaram distância. E o Brasil tem na China hoje seu principal parceiro comercial.
O segundo parâmetro é que, embora a situação seja reacionária, não ocorreu uma derrota histórica. As mobilizações populares dos últimos quinze dias, na sequência do gigantesco dia 29 de setembro, confirmam que há ainda muita disposição de luta. Estamos sofrendo as consequências de sucessivas derrotas parciais que se acumularam desde 2015/16.
Uma derrota histórica acontece somente quando uma geração inteira desmoraliza, e perde a confiança em suas forças. Significa que uma relação social de forças contrarrevolucionária se consolida indefinidamente. Quando uma derrota destas proporções se precipíta, como em 1964, é necessário todo um intervalo para que amadureça um processo de acumulação de forças, e uma nova geração se coloque em movimento.
O que estamos vendo nas ruas demonstra que essa não é a situação brasileira.
Mesmo que Bolsonaro ganhe nas urnas terá que medir forças nas ruas.
As lutas decisivas estarão na nossa frente.
Cabeça erguida. Coração quente. Sangue frio.