Publicidade

Diário Liberdade
Segunda, 18 Fevereiro 2019 06:39

Sobre o lombo do indocumentado

Avalie este item
(0 votos)
Ilka Oliva Corado

Clica na imagem para ver o perfil e outros textos do autor ou autora

De tempos em tempos, compro em uma padaria de donos árabes que vendem pão mexicano e têm empregados mexicanos. Ninguém imaginaria que esses árabes comem graças aos latinos indocumentados que vivem nos prédios da cidade. Eles chegam em sua luxuosa Mercedes Benz e estacionam atrás para que os clientes não os vejam entrar. Nenhum deles vai para o balcão, o rosto é dado por funcionários mexicanos.


A maioria dos milionários que moram nos subúrbios do norte da cidade tem seus negócios nos bairros populares onde vivem os latino-americanos sem documentos: escritórios de advocacia, clínicas médicas, lojas. E esses milionários não são exatamente anglo-saxões.

Entre eles há afrodescendentes, arrogantes e exploradores que tenho certeza de que, se tivessem a oportunidade, esses mesmos descendentes afro agiriam da mesma maneira, ou pior, contra os latinos indocumentados que os caucasianos fizeram contra seus ancestrais: eles estourariam as costas com cílios e os escravizariam. Asiáticos que têm restaurantes na cidade, onde têm empregados latinos na cozinha e na manutenção; Latinos não documentados porque recebem menos, quase nada e triplicam o trabalho.

Hindus que sabem muito bem como lidar com a ponta do sapato ao latino-americano indocumentado, porque sabem que é o melhor lombo de carga e o procuram porque é o que mais resiste ao trabalho e o que recebe o que lhe dão de pagamento sem mencionar uma palavra. Os hindus que na Índia e seu sistema de castas eram párias ou dalits, aqui eles se tornam os piores exploradores daqueles que, por não terem documentos e não falar inglês, têm que dizer "sim" dobrando a cabeça.

Os europeus não são exatamente alemães, franceses ou ingleses, mas de países pequenos que poucos sabem que existem na face da terra, que vieram para os Estados Unidos pedindo asilo político, que em seus países nunca tiveram mais que um par de sapatos, que chegaram com uma mão na frente e outra nas costas; eles dariam qualquer coisa para quebrar as costas dos latinos indocumentados que eles têm como trabalhadores.

E o que dói tanto, ao latino-americano indocumentado o exploram tanto até que ele é substituído pelo latino-americano com documentos. Aí, é claro, estão os burgueses, a classe média que emigrou da América Latina praticamente com suas residências na mão e que viveram confortavelmente com dólares ricos por uma razão ou outra.

Mas há também aqueles que foram indocumentados e vieram a ter documentos; Estes são os mais amaldiçoados, os mais exploradores, aqueles que sabem onde bater para que você não perceba o golpe (os golpes baixos que dão ao coração e à alma), aqueles que sabem que podem trabalhar com pão e água. Aqueles que sabem que parte estica mais a pele. O mais abusivo, o mais grosseiro, o mais presunçoso, o mais trapaceiro é o empregador que era indocumentado.

São coisas que, como indocumentados, não podem ser vistas quando recém-chegados ao país, são coisas que você aprende a conhecer ao longo dos anos: abrindo os olhos, observando, analisando, imaginando. Removendo a cabeça daquela invisibilidade e estigma onde os indocumentados vivem e ousam respirar dali, momentaneamente. A realidade do sistema de exploração tem muitos aspectos, infinito de faces.

Não é precisamente o anglo-saxão, o gringo, o caucasiano que trata mal os indocumentados neste país. É sobre o final do dia, sobre quem é desumano, não importa de onde ele veio, qual é sua profissão ou ofício, qual é o seu credo, seu gênero. Há pessoas boas em todos os lugares e também há pessoas malditas em todos os lugares. Não é sobre o país, não é sobre as fronteiras, é sobre a condição humana. Trata-se de quem sem escrúpulos abusa quem está abaixo. A quem não consegue se defender sozinho. A quem o sistema invisibilizou para apodrecer, segurando em seus ombros o mal de uma humanidade que a cada dia está mais determinada a se autodestruir.

E você, leitor, fale-me da vida dos indocumentados no seu país de origem. O que você está fazendo para que isso mude?

Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Doaçom de valor livre:

Microdoaçom de 3 euro:

Adicionar comentário

Diário Liberdade defende a discussom política livre, aberta e fraterna entre as pessoas e as correntes que fam parte da esquerda revolucionária. Porém, nestas páginas nom tenhem cabimento o ataque às entidades ou às pessoas nem o insulto como alegados argumentos. Os comentários serám geridos e, no seu caso, eliminados, consoante esses critérios.
Aviso sobre Dados Pessoais: De conformidade com o estabelecido na Lei Orgánica 15/1999 de Proteçom de Dados de Caráter Pessoal, enviando o teu email estás conforme com a inclusom dos teus dados num arquivo da titularidade da AC Diário Liberdade. O fim desse arquivo é possibilitar a adequada gestom dos comentários. Possues os direitos de acesso, cancelamento, retificaçom e oposiçom desses dados, e podes exercé-los escrevendo para diarioliberdade@gmail.com, indicando no assunto do email "LOPD - Comentários".

Código de segurança
Atualizar

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: diarioliberdade [arroba] gmail.com | Telf: (+34) 717714759

O Diário Liberdade utiliza cookies para o melhor funcionamento do portal.

O uso deste site implica a aceitaçom do uso das ditas cookies. Podes obter mais informaçom aqui

Aceitar