O problema não é, como sucede em países alvo de bloqueio por parte dos EUA como a Venezuela, a Síria ou Cuba, esses medicamentos não serem fornecidos. É estar em curso uma incomportável alta nos seus preços. Acontece assim quando a saúde não passa de um chorudo negócio.
Engrossam, a cada semana, as caravanas automóveis de doentes estado-unidenses que, sem que qualquer muro lhes trave o passo, atravessam a fronteira com o Canadá para comprar medicamentos. Um frasco de insulina de que dependem os diabéticos, revelou o Washington Post esta semana, custa agora 1000 dólares nos EUA e 10 dólares do outro lado da fronteira, mas disparidades análogas estendem-se a cada vez mais medicamentos: alguns dos fármacos essenciais para a sobrevivência de pessoas com SIDA custam cinquenta vezes mais em terras de Trump do que nos domínios americanos de Isabel II, enquanto os medicamentos que frequentemente acompanham a quimioterapia custam o dobro em território ianque. Para milhares de cidadãos dos EUA que se juntam para atravessar a fronteira e para comprar medicamentos, estas diferenças de preços são a diferença entre a vida e a morte.
A tendência é alarmante: nos EUA, entre 2012 e 2016, só a título de exemplo, duplicaram os preços de todos os medicamentos para a diabetes tipo 1. À mercê de um sistema de saúde privado que deixa os doentes por sua própria conta e risco, milhares de diabéticos deslocam-se, vindos de todos os Estados, em longas caravanas para cruzarem juntos a fronteira canadiana e se abastecerem de medicamentos. Mas por que estão os preços de medicamentos tão antigos como a insulina, cujo segredo está desvendado há um século, a disparar?
A culpa não está em quaisquer sanções económicas como as que, impostas estes dias pela UE, impedem hospitais venezuelanos de se abastecerem. Nem se trata tampouco de um bloqueio como aquele que, asfixiando Cuba, impede a ilha socialista de aceder directamente aos principais laboratórios farmacêuticos do mundo. Nem sequer se deve a uma guerra, como a que, infligida à Síria, destabilizou toda a rede de saúde e farmácias. Não, a crise humanitária dos diabéticos estado-unidenses é o resultado previsto do capitalismo a funcionar em condições ideais, dentro da legalidade e da normalidade.
Quando a bolha especulativa dos novos negócios da Internet começou a apresentar fissuras, os abutres da finança lançaram-se na procura de uma nova carcaça. Entre os negócios mais suculentos para estes necrófagos de «capital morto», como um dia escreveu Marx, perfilaram-se, entre outros, os investimentos em dívida, no mercado da alimentação e nos medicamentos. Estes dois últimos permitem criar formidáveis novas bolhas especulativas com duas características económicas curiosas: a procura submete-se rigidamente ao preço da oferta porque se trata de uma mercadoria de primeira necessidade sem a qual o consumidor (leia-se «o proletariado») não sobrevive e, em segundo lugar, se alguma coisa correr mal quem não sobrevive é, lá está, o consumidor.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2377, 19.06.2019