de 2/3. Com isto fica em condições de tomar decisões estratégicas - incluindo alterar a Constituição - sem negociar com a oposição. Esta era a vitória mínima que o partido no poder em Angola necessitava para poder continuar a governar o país como tem feito até aqui - ou seja, num regime político que é multipartidário na forma, mas de partido único na prática.
A julgar pelo tom da imprensa portuguesa, agora só resta desejar ao novo parlamento e, em particular, ao putativo presidente João Lourenço, toda a inspiração e sucesso para a nova legislatura, esperando que dela resulte um país mais próspero, mais justo e mais estável. Acontece que está longe de ser claro que a extensão da vitória do MPLA anunciada pela Comissão Nacional Eleitoral corresponda aos resultados efectivamente obtidos nas urnas. Vários observadores internacionais (incluindo os deputados portugueses lá presentes) deram conta do bom funcionamento das mesas de voto), mas não se pronunciaram acerca do processo de contagem desses votos.Sobre isto, há vários sinais que suscitam inquietação.
No dia posterior às eleições o porta-voz do MPLA apressou-se a declarar que estava à beira da maioria qualificada, antes ainda de a CNE apresentar quaisquer resultados parciais. Pouco tempo depois, a porta-voz da CNE legitimou os dados apresentados pelo MPLA, sem que porém estivesse na posse oficial dos resultados do escrutínio nas várias províncias. Isto levou os Comissários nacionais da CNE a convocar uma conferência de imprensa (que não foi exibida pelas televisões do regime - TPA e TV Zimbo) para se demarcarem dos resultados apresentados pela porta-voz da CNE.
O anúncio de resultados oficiais que concedem ao MPLA a vitória desejada pelo partido (por uma margem muito próxima do limiar mínimo) sem que sejam cumpridos os trâmites processuais previstos, suscitam desconfiança e perplexidade não apenas entre os partidos da oposição, mas também em organizações da sociedade civil angolana que se organizaram para acompanhar o processo eleitoral.
Aproveitando a difusão generalizada de telemóveis, smartphones e redes sociais em Angola, tanto os principais partidos da oposição (UNITA e CASA-CE) como organizações não partidárias (ver, por exemplo, aqui: https://www.facebook.com/lumessu/) apelaram aos eleitores para que aguardassem junto das assembleias de voto até que fossem afixadas no próprio local as respectivas actas-síntese, fotografando-as e enviando-as depois por internet para os centros não-oficiais de contagem. Isto permite confrontar as somas dos votos contadas a partir da base com os resultados anunciados pela CNE.
Havendo mais de 12 mil mesas de voto no território angolano, a contagem de votos por estes meios alternativos não é expedita, mas está a ser feita. Os dados ainda muito parciais que têm sido disponibilizados apontam para resultados muito inferiores para o MPLA. Embora se apresente, em geral como primeira força política, segundo alguns dados disponíveis o partido no poder poderia não chegar a obter metade do deputados da Assembleia Nacional (o que não impediria a eleição de João Lourenço para a Presidência da República, mas obrigaria o MPLA a negociar com a oposição em várias frentes de governação).
Em vez de se apressarem a dar as eleições angolanas como encerradas, os órgãos de comunicação social e as autoridades portuguesas deveriam aguardar pelo esclarecimento das dúvidas que estão a ser levantadas, que desta vez têm por base evidências palpáveis. Não está aqui em causa interferir na soberania democrática angolana. Trata-se apenas de assumir que a democracia angolana existe de facto, mas não se limita às instituições governamentais que controlam o processo com níveis insatisfatórios de escrutínio. Há outra parte da democracia angolana, incluindo várias iniciativas da sociedade civil (muitas da quais que merecem inclusive a simpatia de alguns membros do partido no poder), que se esforçam para dar dignidade à democracia em Angola.
A atitude condescendente com que muitos partidos e órgãos de comunicação sociais portugueses têm tratado ao longo dos tempos as eleições em Angola (seja por considerarem que em África não é possível fazer melhor, seja por que consideram que não há alterativa ao MPLA para manter a estabilidade governativa em Angola) pouco tem contribuído até aqui para aquilo que os angolanos afirmam sempre ambicionar: desenvolvimento económico e social, distribuição equitativa de recursos, e estabilidade.