Originada nas ciências humanas, a teoria pós-colonial subsequentemente se tornou crescentemente influente na história, antropologia e ciências sociais. Sua rejeição do universalismo e meta-narrativas associadas com o pensamento Iluminista se concatenou com uma virada mais ampla da esquerda intelectual durante os anos de 1980 e 1990.
O novo livro de Vivek Chibber, A Teoria Pós-Colonial e o Espectro do Capital, representa um desafio de grande alcance aos princípios centrais da teoria pós-colonial. Focando particularmente na vertente da teoria pós-colonial conhecido como estudos subalternos, Chibber advoga vigorosamente que podemos – devemos – conceituar o mundo não-ocidental através das mesmas lentes analíticas que usamos para entender o desenrolar no ocidente. Ele oferece uma defesa sustentada de abordagens teóricas que enfatizam categorias universais como capitalismo e classe. Seu trabalho constitui uma argumentação da continuidade da relevância do marxismo em face de alguns de seus mais severos críticos.
Chibber foi entrevistado pela Jacobin por Jonah Birch, um estudante de pós-graduação em sociologia pela Universidade de Nova York.
Jonah Birch: Na base da teoria pós-colonial está a noção que as categorias ocidentais não podem ser aplicadas a sociedade pós-coloniais como a Índia. No que se baseia tal alegação?
Vivek Chibber: Esse é provavelmente o argumento isolado mais importante dos estudos pós-coloniais, e é inclusive o que torna tão importante se defrontar com eles. Não houve nenhum conjunto realmente proeminente de ideias associadas à esquerda nos últimos 150 anos que tenha insistido em negar o ethos científico e a aplicabilidade de categorias provenientes do iluminismo liberal e do iluminismo radical – categorias como capital, democracia, liberalismo, racionalidade e objetividade. Houve filósofos que criticaram tais orientações, mas eles raramente conquistaram qualquer atração relevante sobre a esquerda. Os teóricos pós-coloniais são os primeiros a fazê-lo.
Tal discurso vem, na verdade, sobre uma premissa sociológica de fundo: para que as categorias da economia política e do iluminismo tenham qualquer utilidade, o capitalismo deve se espalhar pelo mundo todo. Isso é chamado de “universalização do capital”.
O argumento segue assim: as categorias universalizantes associadas com o pensamento iluminista são apenas tão legítimas quanto as tendências universalizantes do capital. E os teóricos pós-coloniais negam que o capital tenha de fato se universalizado – ou, mais importante, que sequer fosse possível sua universalização ao redor do globo. Uma vez que o capitalismo não se universalizou e nem pode fazê-lo, as categorias que pessoas como Marx desenvolveram para entender o capitalismo também não podem ser universalizadas.
O que isso significa para a teoria pós-colonial é que as partes do globo onde a universalização do capital falhou precisam geral suas próprias categorias locais. E mais importante, significa que teorias como o marxismo, que tenta utilizar as categorias da economia política, não estão apenas erradas, mas são eurocêntricas, e não apenas eurocêntricas, mas são parte do impulso colonial e imperial do ocidente. Estão, portanto, implicadas no imperialismo. Novamente, esse é um argumento bastante inovador para a esquerda.
Jonah Birch: O que te fez decidir focar nos estudos subalternos como um caminho para a crítica da teoria pós-colonial de maneira mais geral?
Vivek Chibber: A teoria pós-colonial é um conjunto de ideias bem difuso. Na verdade, provém dos estudos literários e culturais, e teve neles sua influência inicial. Então se espalhou para outras áreas de estudo, a história e a antropologia. Espalhou-se para tais campos por causa da influência da cultura e da teoria cultural de 1980 em diante. Então, ao fim de 1980 e no começo de 1990, disciplinas tais como a história, a antropologia, os estudos do oriente médio e os estudos do sul asiático foram infundidos com um giro brusco em direção ao que agora conhecemos como teoria pós-colonial.
Para atingir a teoria se enfrentam alguns problemas básicos: porque é tão difusa, é difícil definir quais são suas proposições centrais, então antes de tudo é difícil saber exatamente o que criticar. Inclusive, seus defensores são capazes de facilmente refutar qualquer crítica apontando outros aspectos que você pode ter deixado passar na teoria, dizendo que você focou nos aspectos errados. Por conta disso, eu tive que encontrar alguns componentes centrais da teoria – algum fluxo de teorização no interior dos estudos pós-coloniais – que fossem consistentes, coerentes e altamente influentes.
Eu também queria focar naquelas dimensões da teoria centradas na história, desenvolvimento histórico e estruturas sociais, e não na crítica literária. Os estudos subalternos encaixaram em todos esses três moldes: têm sido extremamente influentes nos estudos da área; é, sendo justo, consistente internamente e se foca sobre a história e a estrutura social. Como uma vertente da teoria, têm sido bastante influente em parte por conta de sua consistência interna, mas também parcialmente por seus maiores proponentes virem de uma base marxista e estarem todos baseados na Índia ou em partes do Terceiro Mundo. Isso os deu uma grande legitimidade e credibilidade, tanto como críticos do marxismo como expoente de um novo modo de entender o Sul Global. É através dos estudos dos subalternistas que essas noções sobre a falha na universalização do capital e a necessidade de categorias nativas tornaram-se respeitáveis.
Jonah Birch: De acordo com os teóricos dos estudos subalternos, porque a tendência universalizante do capitalismo se rompeu no mundo pós-colonial? O que há nessas sociedades que impediu o progresso do capitalismo?
Vivek Chibber: Os estudos subalternos oferecem dois argumentos distintos para como e quando a universalização impulsionada pelo capital foi bloqueada. Um argumento vem de Ranajit Guha. Guha localiza o impulso universalizante do capital na habilidade de um agente particular – nomeadamente, a burguesia, a classe capitalista – de derrubar a ordem feudal e construir uma coalização de classes que inclui não apenas capitalistas e comerciantes, mas inclusive trabalhadores e camponeses. A através da aliança pavimentada, o capital deveria erigir uma nova ordem política, que não é apenas pró-capitalista nos termos da defesa dos direitos de propriedade dos capitalistas, mas é também uma ordem liberal, abrangente e consensual.
Então, para que o impulso universalizante do capital seja real, diz Guha, ele deve se expressar na emergência de uma classe capitalista que construa uma ordem consensual e liberal. Essa ordem substituiu o antigo regime, e em tal universalização ela expressa os interesses dos capitalistas como interesses universais. O capital, como diz Guha, obtém a habilidade de falar por toda a sociedade: não apenas como classe dominante, mas também hegemônica que não precisa da coerção para manter seu poder.
Então Guha localiza esse impulso universalizante na construção de uma cultura política abrangente. O ponto fulcral para Guha é que a burguesia no Ocidente foi capaz de atingir tal ordem enquanto a burguesia no Oriente falhou em fazê-lo. Ao invés de derrubar o feudalismo, realizou algum tipo de acordo com as classes feudais; ao invés de tornar-se a força hegemônica com uma coalização ampla de diversas classes, tentou ao máximo evitar o envolvimento dos camponeses e da classe trabalhadora. Ao invés de erigir uma ordem política consensual e abrangente, pôs em pé ordens políticas altamente instáveis e francamente autoritárias. Manteve o fosso entre a cultura das classes subalternas e a das elites.
Então, para Guha, enquanto no Ocidente a burguesia foi capaz de falar por todas as diversas classes, no Oriente ela falhou em tal objetivo, fazendo-se dominante, mas não hegemônica. Isso faz com que a modernidade nas duas partes do mundo seja fundamentalmente diferente, gerando dinâmicas políticas distintas no Oriente e no Ocidente, e isso significa que o impulso universalizante do capital falhou.
Jonah Birch: Então o argumento consiste em uma alegação sobre o papel da burguesia no Oriente, e a falha de sua contraparte nas sociedades pós-coloniais?
Vivek Chibber: Para Guha, absolutamente, e os grupos de estudos subalternos aceitam esses argumentos, em grande parte sem maiores debates. Eles descrevem a situação – a condição do Oriente – como uma condição na qual a burguesia domina, mas carece de hegemonia, enquanto no Ocidente há tanto domínio como hegemonia.
Agora, o problema com isso é, como você disse, que o cerne do argumento é uma determinada descrição das conquistas da burguesia Ocidental. O argumento, infelizmente, tem pouca base histórica. Houve um tempo, no século XIX, no começo do século XX, mesmo até os anos 50 em que muitos historiadores aceitaram esse quadro da ascensão da burguesia no Ocidente. Nos últimos 30 ou 40 anos, porém, ele foi amplamente rejeitado, mesmo entre marxistas.
O que é estranho é que o livro de Guha e seu artigo foram escritos como se a crítica dessa abordagem nunca tivesse sido feita. E o que é ainda mais estranho é que a profissão da história – na qual os estudos subalternos têm sido tão influentes – nunca questionou esse fundamento do projeto dos estudos subalternos, ainda que todos eles anunciem que esse é o fundamento. A burguesia no Ocidente nunca aspirou aos objetivos que Guha lhe atribui: nunca tentou trazer à tona uma cultura política consensual ou representar os interesses da classe trabalhadora. Em verdade, lutou com unhas e dentes contra ela por séculos após as chamadas revoluções burguesas. Quando essas liberdades foram finalmente atingidas, foi através de uma luta bastante intensa dos despossuídos assalariados contra os heróis da narrativa de Guha, a burguesia. Então a ironia é que Guha realmente trabalha com uma noção incrivelmente ingênua, mesmo ideológica da experiência Ocidental. Ele não vê que os capitalistas foram, em todos os lugares e sempre, hostis à extensão dos direitos políticos ao povo trabalhador.
Jonah Birch: Então esse é um dos argumentos sobre a especificidade radical do mundo colonial e pós-colonial. Mas você disse antes que há um outro?
Vivek Chibber: Sim, o segundo argumento vem principalmente do trabalho de Dipesh Chakrabarty. Suas dúvidas sobre a universalização do capital são distintas das de Guha. Guha localiza a tendência à universaliação do capital em um agente particular: a burguesia. Chakrabarty a localiza na habilidade do capitalismo de transformar todas as relações sociais aonde quer que ele vá. E ele conclui que ele falhou em tal prova, porque lhe parece que há várias práticas culturais, sociais e políticas no Oriente que não se conformam ao seu modelo de como a cultura e sistema político capitalista deveriam parecer.
Então, em sua visão, o teste para uma universalização bem-sucedida do capital é que todas as práticas sociais devem ser imersas na lógica do capital. Ele nunca especifica claramente o que é a lógica do capital, mas há alguns parâmetros amplos que ele tem em mente.
Jonah Birch: Parece uma meta bastante alta.
Vivek Chibber: Sim, esse é o ponto: é uma meta impossível. Então se você descobre que na Índia práticas matrimoniais ainda usam antigos rituais; se você descobre que na África as pessoas ainda tendem a rezar enquanto estão trabalhando – esse tipo de prática representa uma falha da universalização do capital.
O que eu digo em meu livro é que isso é meio bizarro: tudo o que a universalização do capital requer é que a lógica econômica do capitalismo seja implantada em várias partes do mundo e que ele se reproduza com sucesso ao longo do tempo. Isso irá, é claro, gerar certas mudança culturais e política também. De qualquer modo, não se requer que tudo, ou quase tudo, das práticas culturais de uma região sejam transformadas de acordo com algum tipo de linha capitalista identificável.
Jonah Birch: Esse é o argumento teórico que você defende em seu livro quanto à universalização capitalista não requerer que se apague toda divisão social.
Vivek Chibber: Certo.Uma manobra típica dos teóricos pós-coloniais é dizer algo como: o marxismo se baseia em categorias abstratas, universalizantes. Mas para essas categorias terem aplicação, a realidade deveria parecer exatamente com as descrições abstratas do capital, dos trabalhadores, do estado, etc. Mas, dizem os teóricos pós-coloniais, a realidade é muito mais diversa. Trabalhadores vestem roupas tão coloridas: rezam enquanto trabalham, capitalistas consultam astrólogos – isso não parece nada com o que Marx descreve no Capital. Então isso deve significar que as categorias do capital não são realmente aplicáveis aqui. O argumento acaba sendo que qualquer desvio da realidade concreta das descrições abstratas da teoria é um problema da teoria. Mas isso é tolo, indo além das palavras: isso significa que você não pode ter uma teoria. Porque deveria importar se os capitalistas consultam astrólogos contanto que eles são movidos a acumular lucros? Similarmente, não importa se os trabalhadores rezam no chão de fábrica contanto que eles trabalhem. Isso é tudo o que a teoria requer. Isso não é dizer que diferenças culturais desaparecerão; é dizer que essas diferenças não importam para a disseminação do capitalismo, contanto que os agentes obedeçam a compulsão que lhe inscreve sua posição nas estruturas capitalistas. Eu vou a distâncias consideráveis para explicar isso no livro.
Jonah Birch: Muito do apelo da teoria pós-colonial reflete o desejo disseminado de evitar o eurocentrismo e entender a importância das especificidades locais e culturais quanto às categorias, formas, identidades, e que é preciso entender as pessoas como elas eram, ou são, não apenas como abstrações. Mas eu pondero se não há inclusive um perigo nesse raciocínio sobre a especificidade cultural das culturas não-Ocidentais, e se isso não é uma forma de essencialismo cultural.
Vivek Chibber: Absolutamente, esse é o perigo. E não é apenas um perigo; é algo em que os estudos subalternos e a teoria pós-colonial constantemente incorrem. Você vê isso mais frequentemente em seus argumentos sobre ação social e resistência. Está perfeitamente bem que as pessoas carreguem suas culturas e práticas locais quando elas estão resistindo ao capitalismo, ou quando elas resistem a vários agentes do capital. Mas é uma coisa bastante distinta dizer que não há aí nenhuma aspiração universal, ou nenhum interesse universal, que as pessoas devam ter.
Em verdade, uma das coisas que eu mostro em meu livro é que quando os historiadores dos estudos subalternos fazem trabalhos empíricos sobre a resistência camponesa, eles exibem nitidamente que os camponeses [na Índia], quando sem engajam em ações coletivas, estão mais ou menos agindo sob as mesmas aspirações e os mesmos impulsos que moviam os camponeses ocidentais. O que os separava do Ocidente eram formas culturais nas quais essas aspirações eram expressas, mas as aspirações tendem elas próprias a ser bastante consistentes.
E quando pensamos sobre isso, é realmente estranho dizer que camponeses indianos estavam dispostos a defender seu bem-estar; que eles não gostam de ser passados para trás; que eles gostariam de ser capazes de encontrar-se em certas condições nutricionais básicas; que quando eles entregavam rendas para os donos de terras eles tentavam manter o quanto pudessem para si próprios porque não gostavam de dar suas colheitas? Através de todos os séculos XIV e XX, esse foi na verdade o motivo das lutas dos camponeses.
Quando os teóricos subalternos erguem esse gigantesco muro separando o Oriente do Ocidente, e quando insistem que os agentes Orientais não são movidos pelo mesmo tipo de preocupações que os agentes Ocidentais, o que eles estão fazendo é endossar o tipo de essencialismo que as autoridades coloniais usavam para justificar sua depredação no século XIX. É o mesmo tipo de essencialismo que os chauvinistas dos EUA utilizaram quando bombardearam o Vietnã ou quando eles atacam o Oriente Médio. Ninguém na Esquerda pode estar tranquilo com esse tipo de argumentos.
Jonah Birch: Mas não seria possível responder dizendo que você está endossando algum tipo de essencialismo ao atribuir uma racionalidade comum a atores em contextos bastante diferentes?
Vivek Chibber: Bom, isso não é exatamente essencialismo, mas eu endosso essa visão de que há alguns interesses em comum e necessidades que as pessoas têm através das culturas. Há alguns aspectos da nossa natureza humana que não são culturalmente construídos: assumem uma forma culturalmente, mas não são criados por ela. Minha visão é de que mesmo que haja enormes diferenças entre as pessoas no Oriente e no Ocidente, também há um núcleo de preocupações que as pessoas têm em comum, quer tenham nascido no Egito, na Índia, em Manchester ou em Nova York. Não são muitas, mas podemos enumerar ao menos duas ou três delas: dizem respeito ao bem-estar físico; há provavelmente uma preocupação com o grau de autonomia e auto-determinação; há uma preocupação com aquelas práticas que diretamente pertencem ao seu bem-estar. Isso não é muito, mas vocês ficaria surpreso com o quão longe isso o leva na explicação de transformações históricas realmente importantes.
Por dois séculos, qualquer um que se chamasse progressista abraçava esse tipo de universalismo. Era simplesmente entendido que a razão pela qual os trabalhadores ou camponeses poderiam se unir através dos limites nacionais é porque eles compartilham certos interesses materiais. Isso está sendo posto em questão agora pelos estudos subalternos, e é realmente marcante que tantas pessoas na Esquerda tenham aceitado isso. É ainda mais marcante que é que isso seja ainda aceito depois dos últimos 15 ou 20 anos em que vimos movimentos globais através das culturas e fronteiras nacionais contra o neoliberalismo, contra o capitalismo. Ainda assim, na universidade, ousar dizer que as pessoas compartilham, preocupações comuns em todas as culturas é de alguma forma visto como ser eurocêntrico. Isso demonstra o quão longe a cultura política e intelectual caiu nos últimos vinte anos.
Jonah Birch: Se você argumenta que o capitalismo não requer liberalismo burguês, e que a burguesia não desempenhou um papel histórico na liderança dessa luta popular pela democracia no Ocidente, como você explica o fato de que foi atingido o liberalismo e a democracia no Ocidente, e não se atingiram tais desfechos da mesma forma em boa parte do mundo pós-colonial?
Vivek Chibber: Essa é a grande questão. A coisa interessante é que quando Guha escreveu seu ensaio original anunciando a agenda dos estudos subalternos, ele atribuiu a falha do liberalismo no Oriente à falha da sua burguesia. Mas ele também sugere que havia outra possibilidade histórica, nomeadamente que o movimento independentista na Índia e em outros países coloniais pudesse ter sido liderado por classes populares, as quais poderiam ter empurrado as coisas em direção diferente e, talvez, criar uma tipo diferente e ordem política. Ele traz isso à tona e depois ele esquece, e isso nunca mais aparece em qualquer trabalho seu.
Se ele tivesse tomado esse caminho, e se ele tivesse tomado-o com mais seriedade, poderia tê-lo levado a um entendimento mais preciso do que aconteceu no Ocidente não apenas no Oriente. O fato é que no Ocidente, quando uma ordem consensual, democrática e abrangente finalmente emergiu lentamente no século XIX e no começo do XX, não foi presente oferecido pelos capitalistas. Foi de fato um produto de lutas muito longas e concentradas da parte dos trabalhadores, agricultores e camponeses. Em outras palavras, foi trazido à tona por lutas de baixo.
Guha e os subalternistas ignoram isso inteiramente, porque insistem que a ascensão da ordem liberal foi um feito dos capitalistas. Porque descrevem mal isso no Ocidente, diagnosticam equivocadamente a falha de tal ordem no Oriente. No Oriente eles erroneamente atribuem essa falha aos atalho da burguesia.
Agora, se você quer um projeto de pesquisa histórico de precisão, explicando a fragilidade das instituições democráticas no Oriente e sua guinada rumo ao autoritarismo, a resposta não tem a ver com os atalhos da burguesia, mas com a fraqueza do movimento operário das organizações camponesas, e com os partidos representantes dessas classes. A fraqueza dessas forças políticas na tentativa de trazer algum tipo de disciplina à classe capitalista é a resposta à questão colocado pelos estudos subalternos. Essa questão é: “Por que a cultura política do Sul Global é tão diferente daquela do Norte Global?”. É para isso que deviam olhar: para as dinâmicas das organizações populares e os partidos das organizações populares; não para alguma falha putativa da classe capitalista, que no Oriente não era nada mais oligárquica e autoritária do que já foi no Ocidente.
Jonah Birch: Você é obviamente muito crítico da teoria pós-colonial. Mas não há algo válido ou valioso nessa acusação da ordem pós-colonial?
Vivek Chibber: É, há algumas coisas valiosas, especialmente se você olhar para o trabalho de Guha. Em todo o seu trabalho, especialmente em “Domínio sem hegemonia“, eu penso que há um criticismo bastante saudável e um desprezo geral voltados aos poderes estabelecidos em um país como a Índia. E essa é uma alternativa tremendamente positiva ao tipo de historiografia nacionalista que tem sido posta de pé por décadas em países como a Índia, nos quais os líderes do movimento independentista eram vistos como algo próximo a salvadores. A insistência de Guha não apenas no fato de tal liderança não ser salvadora, mas que ela é de fato responsável por muitos dos atalhos da ordem pós-colonial deve ser louvada e endossada.
O problema não é sua descrição da ordem pós-colonial: o problema é seu diagnóstico sobre o responsável por tais falhas e como devem ser consertadas. Eu estou totalmente a bordo da atitude geral de Guha quanto à elite indiana e seus capangas. O problema é que sua análise das causas disso vai tanto na direção errada que se põe no caminho de uma resposta e uma crítica apropriada dessa ordem.
Jonah Birch: E Partha Chatterjee? Seu trabalho não oferece uma crítica séria do estado pós-colonial na Índia?
Vivek Chibber: Em alguns aspectos, sim. Em um nível puramente descritivo, o trabalho de Chatterjee sobre o nacionalismo, como o de Guha, demonstra a estreiteza das preocupações da liderança nacionalista, sua fidelidade aos interesses das elites e suas ressalvas quanto à mobilização popular. E isso deve ser elogiado.
O problema, novamente, é o diagnóstico. No caso de Chatterjee, a falha do movimento nacionalista indiano é imputada à sua liderança ter internalizado um ethos particular, e esse é o ethos é a orientação que vem da modernização e do modernismo. Então, para Chatterjee, o problema com Nehru é que ele adotou rapidamente um posicionamento modernizante quanto à economia política. Em outras palavras, ele deu grande valor a uma abordagem científica quanto à industrialização, o planejamento racional e organização – e esse é o cerne do porque, para Chatterjee, a Índia está presa em uma posição de “sujeição continuada” na ordem global.
É justo dizer que Nehru é sustentado por um estreito rol de interesses, mas localizar as fontes profundas de seu conservadorismo em sua adoção de uma visão de mundo modernizante e científica confunde seriamente qual seja o problema. Se o problema com a elite pós-colonial é que ela adotou uma visão de mundo científica e racional, a questão emerge: como os teóricos pós-coloniais pretendem se livrar da presente crise – não apenas econômica e política, mas inclusive ambiental – se eles estão dizendo que ciência, objetividade, evidência, preocupações com o desenvolvimento, devem ser descartados?
Chatterjee não tem uma saída para isso. Em minha visão, o problema com a liderança de Nehru, e com a liderança do Congresso Nacional Indiano, não é que eles eram científicos e modernizantes, mas que eles ligaram seu programa ao interesse das elites indianas – da classe capitalista indiana, e dos latifundiários indianos – e que abandonaram seu compromisso com a mobilização popular e tentaram manter as classes populares sob um controle bastante rígido.
A abordagem de Chatterjee, ainda que tenha o apelo de uma crítica radical, é na verdade bastante conservadora, porque localiza a ciência e a racionalidade no Ocidente, e ao fazê-lo descreve o Oriente mais ou menos como faziam as ideologias coloniais. É também conservadora porque nos deixa sem qualquer meio pelo qual deveríamos construir uma ordem mais humana e mais racional, porque não importa em que caminho você tente se mover – quer você tente se mover do capitalismo em direção ao socialismo, quer você tente humanizar o capitalismo através de algum tipo de social-democracia, quer você tente mitigar os desastres ambientais mediante um uso racional nos recursos – tudo isso vai requerer uma daquelas coisas que Chaterjee impugna: ciência, racionalidade e planejamento de algum tipo. Localizar essas como as fontes da marginalização do Oriente não é apenas equivocado, mas penso que essa crítica é bastante conservadora.
Jonah Birch: Mas não há qualquer fundamento na crítica que os teóricos pós-coloniais fazem ao marxismo, bem como a outras formas de pensamento Ocidental enraizadas no Iluminismo; que elas sejam eurocêntricas?
Vivek Chibber: Bem, temos que distinguir entre duas formas de eurocentrismo: uma é neutra e benigna, que diz que uma teoria é eurocêntrica na medida em que sua base evidencial tenha vindo majoritariamente do estudo da Europa. Nesse sentido, é claro, todas as teorias Ocidentais que conhecemos desde meados do fim do século XIX amplamente extraíram suas evidências e informações da Europa, porque a escolaridade e a literatura histórica e antropológica no Oriente era bastante subdesenvolvida. Nesse sentido, elas eram eurocêntricas.
Eu penso que esse tipo de eurocentrismo é natural, ainda que carregue toda uma série de problemas, mas isso não pode realmente ser indicado. A forma mais perniciosa de eurocentrismo – a que os teóricos pós-coloniais perseguem – se dá quando o conhecimento baseado em fato particulares sobre o Ocidente é projetado sobre o Oriente e pode induzir ao erro. De fato, os teóricos pós-coloniais têm acusado os teóricos Ocidentais porque eles não apenas ilicitamente projetam sobre o Oriente conceitos e categorias que podem ser inaplicáveis; eles sistematicamente ignoram evidências que estão à disposição e podem gerar teorias melhores.
Se é esse segundo tipo de eurocentrismo do qual estamos falando, então há elementos na história do pensamento marxista que caem como uma luva nesse tipo de eurocentrismo. De todo modo, se você olha para a história atual do desenvolvimento desta teoria, esses casos têm sido bastante raros.
Desde o começo do século XX, eu acredito é que exato dizer que o marxismo é talvez a única teoria da mudança histórica vinda da Europa que sistematicamente se bateu com a especificidade do Oriente. Um dos fatos mais curiosos dos estudos subalternos e da teoria pós-colonial é que eles ignoram isso. A começar pela Revolução Russa de 1905 e a Revolução de 1917, depois a Revolução Chinesa, depois os movimentos africanos pela descolonização, depois os movimentos guerrilheiros na América Latina – toda essas efervescências sociais geraram tentativas de lidar com a especificidade do capitalismo em países fora da Europa.
Você pode encontrar diversas teorias específicas que se desdobraram do marxismo que não apenas se voltaram para as especificidades do Oriente, mas explicitamente negaram a teleologia e o determinismo que os estudos subalternos dizem ser centrais no marxismo: a teoria trotskista do desenvolvimento desigual e combinado, a teoria de Lenin sobre o imperialismo, a articulação de modos de produção, etc. Cada uma dessas teorias foi um reconhecimento de que as sociedades em desenvolvimento não parecem completamente com as sociedades europeias.
Então se você quer marcar pontos, é possível trazer à tona exemplos aqui e ali de algum tipo de reminiscência eurocêntrica no marxismo. Mas se você olhar para o balanço geral, não apenas o resultado do placar é, no fim das contas, bastante positivo, mas se você o compara com o orientalismo que os estudos subalternos reviveram, me parece que o enquadramento mais natural para entender a especificidade do Oriente vêm do marxismo e da tradição iluminista, não da teoria pós-colonial.
A contribuição duradoura da teoria pós-colonial – o que será conhecido dela, a meu ver, se ela ainda for lembrada daqui a 50 anos – será que ela reviveu o essencialismo cultural e agiu como um endosso do orientalismo, mais do que foi um antídoto para ele.
Jonah Birch: Tudo isso impõe a pergunta: por que a teoria pós-colonial ganhou tal proeminência nas últimas décadas? Na verdade, por que ela foi capaz de suplantar ideias como as que você defende em seu livro? Claramente, a teoria pós-colonial veio ocupar um espaço antes preenchido por várias formas de pensamento marxista e derivados, e influenciou especialmente amplas faixas da esquerda intelectual anglófona.
Vivek Chibber: Na minha visão, essa proeminência se deve estritamente a razões sociais e históricas; não expressa o valor ou a utilidade da teoria, e é por isso que decidi escrever o livro. Eu penso que a teoria pós-colonial veio se tornou proeminente por dois motivos. Um é que após o declínio do movimento operário e o esmagamento da Esquerda nos anos 70, não haveria qualquer tipo de teoria proeminente na academia que focasse no capitalismo, na classe trabalhadora, ou na luta de classes. Muitas pessoas apontaram isso: nos quadros universitários, é irreal imaginar que qualquer crítica do capitalismo de uma perspectiva de classe vá ter muito lastro exceto em período de massiva turbulência ou convulsão social.
Então a questão interessante é porque há qualquer tipo de teoria que sequer se autodenomine radical, uma vez que não seja a teoria anticapitalista clássica. Creio que isso tem a ver com duas coisas: primeiro, com as mudanças nas universidades nos últimos 30 anos, após as quais elas não são mais as torres de marfim que já costumaram ser. São instituições de massas, e essas instituições se abriram a grupos que, historicamente, eram mantidos fora: minorias raciais, mulheres, imigrantes de países em desenvolvimento. Todas as pessoas experimentam diversos tipos de opressão, mas não necessariamente exploração de classe. Surge, então, uma base de massas para o que chamamos de estudos das opressões, os quais são um tipo de radicalismo – e isso é importante, e é real. De todo modo, não é uma base muito interessada em questões sobre a luta de classes ou formações de classe, e coisas como as que o marxismo costuma tratar.
Complementarmente, houve a trajetória da intelligentsia. A geração de 68 não se tornou convencional conforme envelheceu. Alguns queriam manter seus compromissos morais e éticos com o radicalismo. Mas, como todos os demais, também se afastaram do radicalismo classista. Então você teve um movimento de baixo, que foi como um tipo de demanda por teorias focando nas opressões, e um movimento de cima, entre professores que se ofereciam para suprir teorias focando nas opressões. O que os fez convergir não foi apenas um foco nas opressões, mas a remoção da opressão e da exploração de classe da história. E a teoria pós-colonial, por conta de sua própria remoção do capitalismo e das classes – porque ela minimiza e subestima a dinâmica da exploração – acaba estando na medida perfeita.
Jonah Birch: Qual sua previsão para a teoria pós-colonial? Você espera que ela seja eclipsada, no interior da academia e da esquerda, em breve?
Não, eu não espero. Eu não acho que a teoria pós-colonial está sob nenhum risco de ser substituída, não tão cedo, ao menos. Tendências acadêmicas vêem e vão, não baseadas na validade de suas teses ou no valor de suas proposições, mas por causa da sua relação com um ambiente político e social mais amplo. A desorganização geral do trabalho e da esquerda, que criou as condições para o florescimento da teoria pós-colonial, ainda está muito colocado. Além disso, a teoria pós-colonial tem agora pelo menos duas gerações de acadêmicos que empenharam todas suas carreiras nisso; eles tem meia dúzia de jornais dedicados a isso; há um exército de estudantes de pós-graduação desenvolvendo agendas de pesquisa que vão ao encontro disso. Seus interesses materiais estão atado diretamente com o sucesso da teoria.
Você pode criticar o quanto quiser, mas até que tenhamos movimentos do tipo que o marxismo pôs em movimento nos anos logo após a I Guerra Mundial, ou no augo dos anos 60 e no começo dos 70, você não verá uma mudança. Na verdade, o que você verá é uma reposta ágil e perniciosa a qualquer crítica que possa emergir. Meu triste, mas – eu acho – realista prognóstico é que isso vai estar por aí por um bom tempo.