Apesar do que di o olhar descolonial, o marxismo é universalmente válido porque, apesar das especificidades sociais, políticas e culturais dos povos a que este deve obrigatoriamente acomodar-se, a emancipaçom compartilha umha série de valores e princípios comuns ao conjunto da humanidade. Assi de claro o tivérom, precisamente, todos os revolucionários africanos, asiáticos e latino-americanos que contribuírom na teória e na prática para o desenvolvimento do marxismo. No entanto, os académicos da descolonialidade, em nome desses povos oprimidos e empobrecidos que afirmam quererem libertar, querem-lhes negar precisamente a arma teórica que emancipa esses povos, o marxismo, com a desculpa de ser “europeu e branco”.
Para vermos o erróneo deste tipo de afirmaçons, começaremos falando dos marxistas negros dos Estados Unidos da América. Para nom me estender demasiado, comentarei que, em primeiro lugar, os marxistas brancos norte-americanos tinham interiorizado as teses racistas, de modo que o Partido Comunista estadouniense (CPUSA, polas suas siglas em inglês) nom oferecia um programa específico de libertaçom racial aos negros (apesar de que o próprio Marx, como indicamos já noutras entregas, convidasse os operários brancos a luitarem pola libertaçom negra em plena era escravista).
É precisamente Lenine, o dirigente bolxevique, quem chama a atençom aos comunistas norte-americanos para que comecem a trabalhar a nível teórico e político a questom negra nos EUA. Assi o fai saber ao recém nascido Partido Comunista norte-americano, numha carta no outono de 1921 (Theodore Draper (1960). American Communism and Soviet Russia. Página 321). Depois da leitura desta carta, o militante afro-estadunidense Otto Eduard Gerardus Majella Huiswoud começaria a trabalhar no plano teórico e político a questom nacional negra. Isso se deve a que Lenine, nas suas reflexons sobre as nacionalidades oprimidas, acrescenta a tal categoria aos negros norte-americanos. Isto o podemos ver no seu texto titulado “Estatísticas e Sociologia” do ano 1917, onde escreve o seguinte:
“Nos Estados Unidos, os negros representam só 11.1 por cento. Deveriam classificar-se como umha naçom oprimida, já que a igualdade ganha na Guerra Civil de 1861-65 e garantida pola Constituiçom da República se reduziu em muitos aspetos cada vez mais nas áreas negras principais (o Sul) em conexom com a transiçom do capitalismo progressista e pré-monopolista de 1860-70 ao capitalismo reacionário e monopolista (imperialismo) da nova era, que na América foi especialmente marcado pola guerra imperialista hispanoamericana de 1898 (isto é, umha guerra entre dous ladrons pola divisom do botim)” (Vladimir Ilich Lenine (1917). Statistics and Sociology. Consultar on-line.
Isto foi em 1917. A área a que fazia referência Lenine seria conhecida como o Cinturom Negro do Sul, que era onde a maioria da populaçom afro-americana residia antes das duas ondas migratórias em massa para o norte urbano. Mesmo nessa altura foi corretamente compreendido por Lenine. A sua perceçom ao começo do século XX rapidamente reconheceu que o capitalismo, o imperialismo e o colonialismo tinham afetado a populaçom afro-americana de umha maneira muito especial, sobretodo no sul dos Estados Unidos.
Lenine referiu-se ao sul dos Estados Unidos como “a zona mais estancada onde as massas estám submetidas à maior degradaçom e opressom, umha espécie de prisom em que estes negros emancipados estám cercados, isolados e privados de ar fresco” (Vladimir Ilich Lenine (1915). New Data on the Laws Governing the Development of Capitalism in Agriculture. Part One: Capitalism and Agriculture in the United States of America. Consultar on-line.
De facto, as principais discussons sobre a questom negra norte-americana acontecêrom em Moscovo. Já no Segundo Congresso da Komintern (Internacional Comunista) em 1920, “Os negros na América” foi um ponto na ordem do dia e realizou-se umha discussom preliminar sobre esta questom. Em dita reuniom, Lenine apresentou o seu documento intitulado: “Tese sobre as questons nacionais e coloniais”, onde tinha escrito -e assi o leu- o seguinte: “Todos os partidos comunistas devem prestar ajuda direta aos movimentos revolucionários entre as naçons dependentes e oprimidas (por exemplo, Irlanda, os negros norte-americanos, etc.) e nas colónias” (V. I. Lenine (1920). Tese sobre as questons nacionais e coloniais. Ver on-line em inglês.
Para as discussons da questom nacional negra nos EUA, Moscovo contou com comunistas afro-estadunidenses que ingressaram no CPUSA depois de terem estado organizados na African Blood Brotherhood, a primeira organizaçom nacionalista negra nos EUA que assumiu o marxismo nos seus estatutos. Entre eles, destacou Harry Haywood, quem viajou à Rússia para estudar e desenvolver as suas teses sobre o Cinturom Negro, aplicando o princípio autodeterminista desenvolvido por Lenine. Foi, de facto, Haywood umha personalidade chave para entender a mudança do Partido Comunista norte-americano na questom negra, pois a sua tese central, “estabelecer que o problema dos negros como naçom oprimida contém todos os requisitos para ser resolvido pola via do movimento nacionalista revolucionário contra o Imperialismo branco americano” (Harry Haywood (1927). The Negro Nation), foi aceite primeiro pola Komintern em Moscovo no ano 1928 e depois polo CPUSA. Além disso, conseguiu-se que também se valorizasse a situaçom específica das mulheres negras, no ano 1928!, tal e como o indica a resoluçom de 19 deste ano da Komintern:
“As mulheres negras na indústria e nas granjas constituem umha poderosa força potencial na luita pola emancipaçom dos negros. Como estám mais desorganizadas que os trabalhadores negros, som a seçom mais explorada. A burocracia branca do sindicato American Federation of Labor exerce naturalmente para elas umha dupla hostilidade: pola sua cor e polo seu sexo. Portanto, converte-se numha tarefa importante do Partido trazer as mulheres negras à luita económica e política.”
Com esta lógica, os militantes Eugene Gordon e Cyril Briggs publicam em 1935 um panfleto encorajando as mulheres negras a se unirem à revoluçom, sob o títutlo “The position of negro women”. No entanto, este panfleto possuía notáveis inclinaçons de género, ao ter sido desenvolvido por varons. Nom obstante, a postura do Partido viveria um desenvolvimento qualitativo, graças à militante Claudia Jones, quem ingressa neste no ano 1936. Jones elaborava as suas teses como nacionalista negra, como mulher feminista e como trabalhadora comunista, o qual lhe permitiu criar a sua teoria da Tripla Opressom. Nas suas propostas, Claudia Jones refletia sobre a relaçom entre a opressom de raça, a exploraçom de classe e a opressom de sexo desde umha perspetiva marxista. O seu objetivo era formar umha coligaçom anti-imperialista dirigida pola classe operária e alimentada pola participaçom das mulheres. Em conseqüência, Jones alentou o Partido Comunista de EUA a procurar o apoio e a participaçom de mulheres brancas e, sobretodo, negras: desenvolvêrom-se programas de capacitaçom laboral, figérom-se campanhas de “mesmo salário polo mesmo trabalho”, exigírom-se controlos governamentais sobre os preços dos alimentos, e financiárom-se programas de cuidado infantil.
Além disso, Jones criou um subcomité para tratar a “questom da mulher” e insistia continuamente na necessidade de que os militantes do Partido evoluíssem e se formassem teoricamente sobre a opressom que viviam as mulheres, sobre como criar e potencializar organizaçons de massas em que participassem mulheres e, finalmente, para que se formassem mulheres líderes e quadros, dando aulas teóricas de história, marxismo, feminismo, etc. às mulheres, enquanto se lhes dava um fundo para babás, já que só assi se podia assegurar o seu ativismo. Como se pode observar, o marxismo do CPUSA era bastante avançado naqueles tempos sobre múltiplas questons centrais para a revoluçom.
Mas voltemos às resoluçons da Komintern de 1928. Nelas, além do mais, procurava-se educar o CPUSA no espírito do internacionalismo, como vemos nas suas resoluçons número 14 e 15 do mesmo ano, nas quais se insta os militantes pertencentes à “naçom opressora” -os brancos- a se solidarizarem com os negros e a quebrarem os seus próprios preconceitos raciais produto do chauvinismo:
“ 14. Umha luita agressiva contra todas as formas de chauvinismo branco deve ir acompanhada de umha campanha educativa ampla e exaustiva no espírito do internacionalismo dentro do partido, utilizando para este fim na maior medida possível as escolas do partido, a imprensa do partido e a plataforma pública, para erradicar todas as formas de antagonismo, ou inclusive a indiferença entre os nossos camaradas brancos para o trabalho dos negros. Este trabalho educativo deve realizar-se simultaneamente com umha campanha para atrair os trabalhadores brancos e os agricultores pobres à luita polo apoio das demandas dos trabalhadores negros.
15. O Partido Comunista dos Estados Unidos, no seu tratamento da questom dos negros, deve ter sempre em conta esta dupla tarefa:
(a) Luitar polos plenos direitos dos negros oprimidos e polo seu direito à autodeterminaçom e contra todas as formas de chauvinismo, especialmente entre os trabalhadores da nacionalidade opressora.
(b) A propaganda e a prática quotidiana da solidariedade internacional de classe devem considerar-se como umha das tarefas básicas do Partido Comunista Americano. A luita deve dirigir-se antes de mais nada contra o chauvinismo dos trabalhadores da nacionalidade opressora e contra as tendências de segregaçom burguesa da nacionalidade oprimida. A propaganda da solidariedade internacional de classe é o requisito prévio necessário para a unidade da classe trabalhadora na luita.”
Acho que estas resoluçons refletem o útil que é o marxismo para as populaçons oprimidas. E cabe lembrar que muitos marxistas de países oprimidos, semicolónias e colónias defendêrom o marxismo como ferramenta para libertar as suas naçons. Quanto a isso, cabe assinalar a defesa do marxismo por parte do africanista Walter Rodney, quem em 1975 participa do debate que se estava a dar havia já várias décadas (desde os anos trinta) sobre a validade do marxismo para África. Na sua intervençom, titulada “O marxismo e a libertaçom africana”, desenvolve as seguintes propostas:
Este debate nom é novo, já os próprios europeus de esquerdas do século XX tivérom que refletir sobre se o marxismo continuava a ser válido para as suas sociedades, dado que este se desenvolveu no século XIX. Naquele debate, alguns teóricos -conhecidos como revisionistas- pensárom que em muitos aspetos o marxismo perdera a sua vigência, sendo necessário umha renovaçom que permitisse adaptá-lo às novas condiçons em que se dava entom a luita política: o reformismo; enquanto outros -conhecidos como revolucionários- pensárom que o marxismo continuava a vigorar e, em caso de ser necessário readaptá-lo às novas realidades (cousa que era certa), nom devia fazer-se esvaziando-o de conteúdo revolucionário: “A pergunta nom é nova para África ou para os negros de modo geral, talvez seja essencial compreendê-los. Muitos de nós propugemos a questom da releváncia do marxismo para isto ou aquilo. A sua releváncia para a Europa; muitos intelectuais europeus debatêrom a sua releváncia para a sua própria sociedade. Os indivíduos debatêrom durante muito tempo a releváncia do marxismo para o seu próprio tempo. Foi relevante para o século XIX? De ser assi, continuava a ser relevante para o século XX?”
1. Em África, a burguesia nacionalista -inimiga do marxismo- aproveita a rejeiçom das massas oprimidas polo colonialismo a ocidente, para que estas odeiem também o marxismo, dizendo que, igual que os colonialistas que lhes negam a sua liberdade e os espoliam de diversas maneiras, o marxismo também é europeu e inimigo da África (acham familiar este argumento? os descoloniais afirmam também que o marxismo é europeu, branco e colonialista!): “As pessoas nom tenhem dificuldades para lidar com a eletricidade, mas dizem: “Marx e Engels, isso é europeu!” É curioso, porque nunca se perguntam “foi Edison um racista?”?, mas fam a pergunta: “Marx era racista?”.
2. Para resolver se a validade do marxismo se estende geograficamente e através do tempo, Walter Rodney considera que se devem apreciar duas dimensons do mesmo: (1) o marxismo como método e (2) o marxismo como ideologia revolucionária.
3. Como qualquer outra metodologia, a do marxismo é (ou deveria ser) “independente do tempo e o lugar”, de modo que usando “a metodologia em qualquer momento e em qualquer lugar, podem-se obter resultados diferentes, com certeza, mas a metodologia em si seria independente do tempo e do lugar”. E em que consiste a metodologia marxista, segundo Rodney? Pois em analisar as relaçons sociais de produçom: “procurando as relaçons que surgem na produçom entre homes. Este é o quid da perceçom científico-socialista, umha metodologia que se dirige à relaçom do home no processo de produçom, no suposto, que acho que é um suposto válido, de que a produçom nom é simplesmente a base da existência do home, mas a base para definir o home como um tipo especial de ser com umha verdadeira consciência”. E este método, como di, é válido, embora através dele podas obter diferentes resultados. Para ilustrar isto, refere dous casos, o da Rússia com Lenine e o da Guiné com Cabral. Sobre o primeiro di: “podemos observar Lenine, a sua aplicaçom da teoria marxista à sociedade russa. Essa é umha das suas principais contribuiçons. A primeira tese principal do jovem Lenine foi o desenvolvimento do capitalismo na Rússia. Tivo que lidar com a sua própria sociedade. Tivo que tirar essas formulaçons do contexto cultural e histórico específico da Europa Ocidental e olhar para a Europa do Leste, a Rússia que estava a evoluir de maneira diferente, e aplicá-las à sua própria sociedade. Foi isso o que fijo”. E sobre Cabral: “Cabral, num dos seus ensaios, o intitulado “A arma da teoria”, um dos seus ensaios mais importantes, começou deixando claro que o melhor que podia fazer era regressar à metodologia básica de Marx e Engels. Depois referiu-se à declaraçom clássica de Marx e Engels de que “a história de todas as sociedades existentes é a história da luita de classes”, à qual Engels tinha anexado umha nota que dizia que com “toda a história” queremos dizer “toda a história registada anteriormente”. Acontece que a história do povo da Guiné-Bissau nom se registou e Cabral di: “quero registar essa história. Usaremos o método marxista. nom estaremos atados polo conceito que surgiu historicamente na Europa Ocidental quando Marx estava a estudar essa sociedade'”. E conclui Rodney neste aspeto que o marxismo é válido para a África porque “como pessoas de raça negra neste país, nas Caraíbas e em diferentes partes da África, temos a nossa própria experiência histórica independente, mas um dos factos centrais é que todos estamos de umha ou doutra forma, localizados dentro da sociedade capitalista”.
4. O marxismo é ideologia revolucionária de classe, di Rodney: “a minha segunda consideraçom após a metodologia, é considerar o marxismo como umha ideologia revolucionária e como umha ideologia de classe. Nas sociedades de classe, todas as ideologias som ideologias de classe. Todas as ideologias derivam de e apoiam alguma classe em concreto”. De modo que a ideologia burguesa apoia o status quo, o capitalismo, e a ideologia socialista a destruiçom do status e a libertaçom dos trabalhadores. Quanto a isso, di que em África alguns teóricos que rejeitavam o marxismo tentárom procurar umha alternativa “africana” ao capitalismo (algo que também defendem os descoloniais com força para os povos nom ocidentais!): “Neste senso, temos vários panafricanistas, vários nacionalistas africanos em África, nas Caraíbas e neste país que enveredárom por aí. George Padmore fijo isso no fim da sua vida e fijo umha distinçom entre o socialismo científico e o panafricanismo. Afirmou que este é o caminho que seguiria: o panafricanismo” Nom queremos ir polo caminho capitalista, nom queremos ir polo caminho socialista, vamos derivar em algo que é panafricano”. Rodney acredita que esse tipo de autores devem ser estudados para descobrir por que fracassárom e, sobre o seu fracasso, assinala: “Fracassárom porque a sua conceçom do que era umha variante diferente do pensamento burguês e diferente do pensamento socialista inevitavelmente acabou por ser simplesmente um outro ramo do pensamento burguês”.
5. Dizer que o marxismo é europeu é desconhecer a realidade (do momento): o marxismo “já é a ideologia de oitocentos milhons de chineses; já é a ideologia que guiou o povo vietnamita a umha luita bem-sucedida e à derrota do imperialismo. Já é a ideologia que permite a Coreia do Norte, um terreno atrasado, quase feudal, quase colonial, tornar-se umha potência industrial independente. Já é a ideologia que se adotou no continente latino-americano e que serve de base para o desenvolvimento na República de Cuba. Já é a ideologia que usou Cabral, que usou Samora Machel, que se usa no continente africano para sublinhar e desenvolver a luita e a construçom de umha nova sociedade. Portanto, nom pode ser chamado um fenómeno europeu; e a responsabilidade será certamente daqueles que argumentam que este fenómeno, que já se universalizou, é de alguma maneira inaplicável para algumas pessoas negras”.
Walter Rodney defende assi a validade do marxismo para África e desenvolve vários argumentos para explicar por que procurar um “caminho nom europeu” ou “um caminho africano” que nom fosse “nem capitalista nem socialista” era na realidade capitalismo. Vejamos como desenvolve esta ideia.
1- “Acho que a maioria dos ideólogos do socialismo africano que afirmam terem encontrado um terceiro caminho som, na verdade, uns vigaristas de meia tijela, que tentam enganar a maioria da populaçom. Nom acho que vaiam desenvolver o socialismo. Nom acredito que vaiam desenvolver nada que se refira ao interesse dos povos africanos”.
2- Mesmo assi, reconhece que tivérom defensores honestos deste caminho, sobre quem acha que se deve refletir: “O que farei é tomar exemplos daqueles que, em minha opiniom, fôrom sérios, honestos. E certamente Kwame Nkrumah foi um destes. Nkrumah passou em vários anos, durante os anos cinqüenta e precisamente quando foi derrocado, período que abrangeu ao menos dez anos, durante os quais procurava umha ideologia. Começou com esta mistura de marxismo e protestantismo, falou do panafricanismo; foi ao consciencismo e depois ao nkrumahismo, e tivo todo o que nom era um entendimento direto do socialismo.
Quais foram as consequências reais desta perceçom? Isso é o que nos interessa [...]. Nkrumah recusava-se redondamente a aceitar que havia classes, que havia contradiçons de classe no Ghana. Durante anos, Nkrumah concordou com essa mistura de filosofia que tomou algumhas premissas socialistas, mas que se negou a chegar à sua conclusom lógica: que havia um sistema capitalista baseado na propriedade privada dos meios de produçom e a alienaçom do trabalho das pessoas, ou havia um sistema alternativo que era completamente diferente e que nom havia como juxtapor e misturar esses dous para criar qualquer cousa que fosse novo e viável”.
3- “Umha prova mais significativa desta posiçom foi quando o próprio Nkrumah foi derrocado! Depois de ser derrocado, viveu na Guiné-Konakry e, antes de morrer, escreveu um pequeno texto, “luita de classes em África”, que nom é o maior tratado filosófico, mas é de importáncia histórica, porque efetivamente Nkrumah mesmo admite as conseqüências, as conseqüências enganosas de umha ideologia que defendeu um caminho africano. Porque Nkrumah negou a existência de classes no Ghana até que a pequena-burguesia como classe o derrocou. E depois, na Guiné, dixo que foi um terrível erro. Si, há classes em África. Si, a pequena-burguesia é umha classe com interesses fundamentalmente opostos aos trabalhadores e camponeses em África. Si, o interesse de classe da pequena-burguesia é o mesmo ou, ao menos, está vinculado com o interesse de classe do capital monopolista internacional; e, portanto, temos em África umha luita de classes dentro do continente africano e umha luita contra o imperialismo”.
Vale a pena deter-se no ensaio de Kwame Nkrumah publicado em 1967 com o titulo “O socialismo africano revisado”, onde ele reafirma a sua rutura com a ideia de socialismo africano (umha espécie de combinaçom de algumas premissas socialistas com premissas panafricanistas) e reconhece a existência de classes sociais em África, inclusive antes da colonizaçom:
Os teóricos do socialismo africano mistifican o passado da África. Caem numha terrível idealizaçom das sociedades africanas prévias à dominaçom colonial, o qual está vinculado com umha espécie de racismo típico daqueles que falam “do bom selvagem”. Assi o assinala o próprio Nkrumah: “Hoje em dia, o conceito de “socialismo africano” parece propugnar a opiniom de que a sociedade africana tradicional era umha sociedade sem classes imbuída do espírito do humanismo e de expressar umha nostalgia por regressar a esse espírito. Tal conceçom do socialismo leva a cabo um fetiche da sociedade comunal africana. Mas umha sociedade idílica, sem classes, africana (na que nom havia ricos nem pobres) desfrutando de umha serenidade é certamente umha simplificaçom irreal; nom há evidência histórica ou inclusive antropológica para nenhuma destas sociedades. Temo-me que as realidades da sociedade africana eram algo mais complexas. Toda a evidência disponível da história da África até a véspera da colonizaçom europeia amostra que a sociedade africana tinha classes sociais e nom carecia de hierarquia social. O feudalismo existia em algumas partes da África antes da colonizaçom; e o feudalismo implica umha estratificación social profunda e exploradora, fundada na propriedade da terra. Também se deve ter em conta que a escravatura existia na África antes da colonizaçom europeia, embora o contacto europeu desse à escravatura na África algumhas das suas características mais viciosas. No entanto, a verdade é que antes da colonizaçom, que se generalizou na África no século XIX, os africanos estavam preparados para vender, com freqüência por nom mais de trinta peças de prata, membros das tribos e inclusive membros da mesma “família estendida” e clam. O colonialismo merece ser culpado por muitos males na África, mas seguramente nom foi precedido por umha Idade de Ouro ou um paraíso africano. Um regresso à sociedade africana precolonial evidentemente nom é digno do talento e dos esforços do nosso povo”. Este primeiro ponto é muito interessante, já que com freqüência nos postulados descoloniais cai-se em idealizaçons semelhantes, como quando se di que em África nom havia machismo e que este foi levado polo colonialismo europeu, do mesmo modo que com freqüência se di justamente que nom existiam as classes sociais ou a homofobia. No entanto, novamente parece que nom há evidências históricas que demonstrem tais afirmaçons. Mais ainda, territórios enormes, como o Império Etíope, eram já cristaos e altamente hierarquizados antes da chegada dos europeus, e no cristianismo vemos abertamente postulados ideológicos misóginos e homofóbicos.
1. Em conseqüência -escreve Nrkumah- a soluçom nunca deve ser aspirar a regressar àquela etapa prévia ao colonialismo (além disso, considera que isto é já impossível): “A civilizaçom islámica e o colonialismo europeu som experiências históricas da sociedade africana tradicional, experiências profundas que mudárom de maneira permanente o aspeto da sociedade africana tradicional. introduzírom novos valores e umha organizaçom social, cultural e económica na vida africana. A saída é, sem dúvida, nom regurgitar todas as influências islámicas ou euro-coloniais numha tentativa inútil de recriar um passado que nom pode ser ressuscitado. A saída é só para a frente, para umha forma de sociedade mais elevada e reconciliada, em que a quintaessência dos propósitos humanos da sociedade africana tradicional se reafirma num contexto moderno: em resumo, o socialismo corretamente aplicado, através de políticas cientificamente desenhadas”.
2. Por isso, Nkrumah rompe, igual que faria já Fanon, com as teses da negritude de Leopold Shengor e com as do socialismo africano de Julius Nyerere: “Leopold Sedor Senghor, favorece algum tipo de volta ao comunalismo africano e afirma que o africano é “um campo de sensaçom pura”; que nom mede ou observa, senom que “vive” umha situaçom; e que esta forma de adquirir “conhecimento” por confrontaçom e intuiçom é tipicamente “negro-africana. Está claro que o socialismo nom pode fundar neste tipo de metafísica do conhecimento”.
3. Ainda mais, considera que conceitos como a negritude som chauvinistas: “Só há umha maneira de conseguir o socialismo: polo desenho de políticas dirigidas aos objetivos socialistas gerais, cada um dos quais toma a sua forma particular nas circunstáncias específicas de um estado particular num período histórico definido. O socialismo depende do materialismo dialéctico e histórico, da opiniom de que há umha só natureza, sujeito em todas as suas manifestaçons às leis naturais e que a sociedade humana é, neste sentido, parte da natureza e sujeita às suas próprias leis de desenvolvimento. É a eliminaçom da fantasia da açom socialista o que fai com que o socialismo seja científico. Supor que existem socialismos tribais, nacionais ou raciais é abandonar a objetividade em favor do chauvinismo”.
Em conclusom, fôrom os próprios luitadores revolucionários das naçons submetidas e oprimidas – aqui apelamos aos afroamericanos e aos africanos– quem defendeu com unhas e dentes a necessidade (alguns, como Nkrumah, inclusive após se recusarem ao fazer e ver que este fator foi um dos que provocou o seu fracasso) de assumir o marxismo (ou o socialismo científico) como arma que guiasse a sua açom libertadora e anticolonialista. A famosa teoria descolonial que tam na moda nos nossos dias, nom é mais que misto de velhas ideias chauvinistas (que inclusive racializa o pensamento ou o conhecimento) que nos empurram a regressar a ideias essencialistas como a negritude (chegando a tergiversar os postulados de Fanon para isso), descaindo constantemente para as teses do bom selvagem e para a férrea defesa de ideias acientíficas, porque som “epistemologia do sul”.
Ler aqui a primeira parte deste trabalho > Crítica ao pensamento descolonial (I)
Lê aqui a segunda parte deste texto > Crítica ao pensamento descolonial (II): Fanon, inimigo do essencialismo que defende a teoria descolonial
Lê aqui a terceira parte deste texto > Crítica ao pensamento descolonial (III): Fanon, inimigo do essencialismo que defende a teoria descolonial
Fonte: El País Canário