“Com a privatização da Seguridade Social, um consórcio de capitais estrangeiros passou a monopolizar a Previdência chilena e hoje os trabalhadores se aposentam com tão somente 1/3 do último salário. Para receber o valor integral da aposentadoria, pela qual contribuíram com 13,5\% do salário ao longo de três décadas, precisariam estar na ativa até os 120 anos. Mais do que desumano, isso é diabólico”.
A denúncia foi feita por Amália Pereira, vice-presidenta da Central Unitária de Trabalhadores (CUT) do Chile, que junto ao Movimento Não Mais AFP (Administração dos Fundos de Pensão) tem realizado massivas manifestações “por um sistema de repartição solidária, tripartite – com a participação do governo, das empresas e dos trabalhadores – e administrado pelo Estado”. Na convocação para a greve nacional preparada para o dia 11 de abril, “por um Chile justo”, tremula em alto a bandeira “AFP é aposentadoria de fome”.
Popularmente conhecidas como “Aqui se Fabricam Pobres” ou “Abuso e Fraude ao Povo” – explicou a sindicalista – as AFPs são resultado de um sistema “totalmente controlado pelo mercado de capitais, em que alguns bancos e financistas ganham especulando com o dinheiro tirado do trabalho alheio”. Inicialmente, lembrou a dirigente, eram cerca de 20 empresas, o tempo foi passando e o tal processo de “capitalização” acabou sendo monopolizado por meia dúzia de conglomerados. O número não é força de expressão.
Multinacionais da Miséria
Atualmente, das seis AFPs que atuam no Chile, cinco são controladas por empresas financeiras multinacionais: que administram fundos dos mais de 11,5 milhões de filiados. No total, são mais de US$ 210 bilhões aplicados no mercado de capitais especulativos para serem repassados sob a forma de empréstimos usurários aos próprios trabalhadores. Desta bolada, somente três fundos de pensões dos Estados Unidos concentram mais de 70\% do total: Habitat, US$ 57,7 bilhões (27,4\%); Provida, US$ 53 bilhões (25,2\%); e Cuprum, US$ 41,4 bilhões (19,6\%). Os demais são divididos entre a colombiana AFP Capital, US$ 40,6 bilhões (19,3\%); a chilena Modelo, US$ 10,6 bilhões (5,1\%); e a italiana Plan Vital, US$ 7,2 bilhões (3,4\%).
Uma tremenda acumulação de ativos financeiros, equivalente a cerca de 80\% do Produto Interno Bruto (PIB), que confere imenso poder econômico e político às arapucas que, entram e saem governo, mantêm seus lucros se multiplicando, num ritmo tão acelerado quanto as enfermidades que têm provocado.
Entre os trabalhadores chilenos que conseguiram se aposentar – afinal há muitos que passaram longo tempo desempregados ou na informalidade, sem, portanto, contribuir – quatro entre cinco está recebendo menos do que o mínimo, correspondente a US$ 442. Pior, quase a metade, 44\%, está abaixo da linha da pobreza, ganhando cerca de US$ 220.
“Esta lógica cruel, neoliberal, implantada pela ditadura de Augusto Pinochet no começo dos anos 80”, condenou Amália, “colocou o superlucro de meia dúzia de empresas estrangeiras acima da atenção e cuidado com o trabalhador, acima dos direitos humanos”. “Este foi o resultado do modelo aplicado pelos Chicago boys, que criaram as AFPs, substituindo as caixas de previsão e pensão, tripartites, pelo modelo de capitalização individual. Assim, depois de três décadas de contribuição, os trabalhadores não têm a recompensa justa e necessária por uma vida de sacrifícios. Pior, o brutal rebaixamento dos ganhos faz com que a fome e a miséria de aposentadorias que não cobrem sequer a cesta básica multipliquem os suicídios e transtornos psiquiátricos”.