O golpe parlamentar que está sendo montado há mais de um ano por grupos oligárquicos que, é importante frisar, não conquistaram democraticamente o direito de comandar o país, está chegando ao seu clímax neste domingo 17 de abril de 2016 com a votação da câmara deputados para que, finalmente, seja enviado ao senado a proposta de impeachment contra Dilma Rousseff.
E o fantasma golpista é ainda mais assombroso porque sobre as costas daqueles que o encenam pesam crimes e suspeitas criminosas gravíssimas. A falta de tranquilidade, melhor dizendo, a depressão pré-golpe pela qual muitos de nós está passando esses dias, portanto, advém desse horizonte distópico no qual o golpe que está para ser votado não é outro que o golpe da corrupção, o golpe da velha, mui corrompida e arraigada elite brasileira contra a igualdade social que finalmente começou a ser construída no Brasil desde que o PT assumiu a presidência do Brasil há 14 anos.
Para dramatizar ainda mais a depressão democrática pela qual o Brasil passa, a vítima espetacular do golpe, em primeiro lugar, é uma cidadã e política brasileira contra quem nenhum crime foi provado, que não enriqueceu ilícita nem suspeitamente, e que não apareceu em nenhuma das muitas e longas listas de propina que elencam os verdadeiros nomes da corrupção tupiniquim. E, em segundo e mais importante lugar, o golpe é justamente contra a presidenta que investiu como nenhum outro líder nacional na investigação e na punição da corrupção que, mais do que ter feito história “no” Brasil, fez “a” história deste país.
Como não estar deprimido diante de tamanho absurdo? Porém, o que realmente deprime os espíritos democráticos no golpe que está nesse horizonte próximo? Em primeiro lugar, a perda da nossa jovem democracia, como muito se fala hoje em dia. Entretanto, algo mais angustiante se evidencia nesse processo golpista. Todos aqueles que se indignam profundamente com o possível golpe forjado pelo PSDB de Aécio e levado adiante pelo PMDB de Cunha –estes sim nomes constantes em muitas das listas de propina- são golpeados na intempestiva crença de que a ação política precisa ser também ética.
Se há algo que o presente momento político brasileiro tem para cruelmente relembrar a todos é que, como bem esclareceu Maquiavel lá na renascença da humanidade, o poder político não é e não deve ser ético se de fato visar o poder efetivo. Tanto lá e antes como aqui e agora, trata-se somente da vil luta pelo poder, na qual quaisquer valores éticos que porventura venham moderar esta luta devem ser, como de fato são, descartados sistematicamente.
Talvez a não eticidade intrínseca do jogo político pelo poder há muito evidenciada pelo autor de O Príncipe e atualmente escancarada pelos golpistas tupiniquins seja o maior golpe contra os jovens e utópicos ideais democráticos contemporâneos, pois sujeita-os verticalmente ao velho e distópico jogo-a-qualquer-custo pelo poder que atravessa incólume os tempos e as aventuras de cunho socialista.
Realmente, para muitos é bastante difícil aceitar que uma presidenta (até aqui) honesta e democraticamente eleita pelo povo seja deposta por indivíduos e grupos políticos e midiáticos corruptos que querem tomar o poder e presidir o brasil ilegitimamente. Entretanto, o que vemos é justamente isso: a luta pelo poder completamente alienada da ética.
Diante dos fatos, devemos nós, que estamos sofrendo de depressão pré-golpe, abandonar a utopia na qual a política deve se pautar eticamente para, finalmente e a contragosto, aceitarmos a insanável alienação da política em relação a ética? Para os democratas angustiados resta somente a distopia da luta a qualquer preço pelo poder?
É preciso, contudo, esclarecer que custo é este. A aventura política-antiética-golpista brasileira começa cobrando o seu alto preço da própria democracia, fazendo-a valer muito menos, quase nada, para findar exigindo não menos da igualdade social que com muito esforço, mas também com muita ventura, começou a ser construída no Brasil nos últimos quatorze anos. O preço do golpe, portanto, é o fim do projeto sócio igualitário e da democracia que, somente ela, pode realizar maximamente.
Estar deprimido pela possibilidade de um golpe no Brasil, por mais alienado que seja em relação ao que esclareceu Maquiavel, não é insanidade nem ignorância. Ao contrário, é o sentimento lúcido de quem não aceita que as coisas devam ser eternamente como já foram. Desacreditar do teórico político medieval que mostrou a cisão irreconciliável entre política e ética, portanto, é acreditar na revolução. Cultivar a depressão pré-golpe é insistir que a política deve sim estar sujeita a princípios éticos.
E que essa depressão pré-golpe de tantos, no pior cenário, isto é, no sucesso do golpe, torne-se a depressão pós-golpe de muitos, quiçá de todos, pois mesmo que o presente projeto sócio igualitário brasileiro seja golpeado inoportuna e injustamente, pelo menos o futuro tupiniquim não estará totalmente escravizado pelo passado. Maquiavel está certo e é absolutamente manualesco para os golpistas, mas não para todos aqueles que querem igualdade social e uma verdadeira democracia para si.