Em um texto de entrevistas, Jorge Luis Borges comenta que a literatura presente deveria ser lida somente no futuro, deixando aos clássicos a matéria do presente. O que de certa maneira colocava a escrita quase num patamar universal, pois a leitura futura teria sua razão de ser, podendo ser nítida e se associar sempre ao mundo atual. A música Vai Passar, de Chico Buarque, feita na década de 80, ainda sob a ditadura militar nos revela essa ideia de Borges, de que a leitura, no caso a letra de uma música ainda nos diria muito no futuro, hoje presente. As “perigosas transações” que o país está submetido, aprofundadas após o Golpe a presidenta Dilma Rousseff, dizem muito sobre a atualidade do que nos espera.
Ao abrir qualquer jornal, a impressão que fica é de um desmoronamento geral, talvez porque certas mudanças nos quais passou o país estavam assentadas sobre uma base frágil, como se tudo por aqui tivesse sido efetivado de modo fraco, restando assim uma não consolidação. O país que caminhava numa ‘’paz social’’ do lulismo, foi o mesmo país que viu uma deposição inconstitucional da presidenta; o país dos BRIC’S também é o lugar onde um crime ambiental e social como o da Samarco em Mariana passa despercebido alguns meses depois; onde uma crise prisional na realidade é a barbárie posta, com seus massacres. As novas formulações que passou o Brasil durante o lulismo, criaram novas contradições e aprofundaram as que nos estruturam, como o preconceito de classe, ao patrão ver a empregada doméstica, cursando uma faculdade, ainda que particular, sem a inclusão total, e o ódio sentido. Criaram também nas novas contradições um reflexo do país que encontra seu futuro, sem ainda ter elaborado as estruturas e carências históricas. Algo do tipo: “agora vai, estamos chegando lá, ao progresso”. Se esse imaginário estiver realmente presente, qual é seu inverso ? Um progresso que culmina em ódio, em ódio de classe, da elite, que não se comede em ser amiga da barbárie. O instante em que um secretário federal se coloca a serviço dos massacres nos presídios é o mesmo instante daqueles que viam numa chacina sexista e misógina uma razão de ser, ou no caso do deputado Major Olímpio que torce como futebol para que o massacre ocorra em Bangu, disputando numericamente com as penitenciárias do Norte e Nordeste. Aquilo que faz coincidir todos esses discursos é o momento que demonstra em que bases nos assentamos: no fascismo ou algo pior ‘’sem nome’’, que canaliza o ódio e a violência para fins práticos de assassinatos.
Começa a se delinear no Brasil não só uma demonstração da força perversa da direita, mas um encontro entre as ideias de ódio e sua legitimação pela sociedade civil, como uma opinião pública que não se confunde (mais) com pautas populares. A geleia geral entre um governo que caminha na contramão dos direitos e a legitimação do terror, é o resultado das contradições históricas brasileiras e mundiais, e eles sabem o que fazem, sabem do ódio que destilam e dos massacres gerais que influenciam. E por quê o fazem ? Porque a barbárie para os fascistas é parte e função de suas vidas.