Em linhas gerais, participantes concluíram que o país já não vive mais apenas ameaças aos direitos de reunião e manifestação, previstos na Constituição, mas "ataques concretos" a esses direitos. Trata-se de um momento de escalada repressiva e de criminalização dos movimentos sociais e defensores dos direitos humanos, e que conta inclusive com a participação, ou omissão, do Poder Judiciário, que deveria atuar como garantidor do regime democrático.
As discussões tiveram como pano de fundo a decisão do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, que condenou 23 ativistas participantes de protestos em 2013 e 2014 a penas de cinco a sete anos pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção de menores.
A professora e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Esther Solano ressaltou que qualquer uma das milhões de pessoas que saíram às ruas, desde os protestos de junho de 2013, poderia ter sofrido esse mesmo tipo de condenação. A especialista ressalvou, ironicamente, que tal impulso punitivo não seria aplicado àqueles manifestantes que, de verde e amarelo e alinhados com interesses de grandes grupos econômicos que "capturam o Estado", participaram das manifestações "ordeiras" pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, a partir do final de 2014.
Para ela, o conceito de "manifestação ordeira" é "um paradoxo, um contrassenso", pois serve apenas para criminalizar aqueles que lutam por direitos contra um Estado que se utiliza do conceito de ordem para garantir a preservação de uma estrutura social desigual, não só do ponto de vista econômico, mas que também excluiu da maioria os direitos básicos de cidadania.
O coordenador do núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, Carlos Weis, lembrou que eventos que mudaram a história da civilização ocidental, como a Independência dos Estados Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1789), se basearam no direito de manifestação, mas também foram considerados pelos seus opositores como movimentos violentos e que atentavam contra a ordem estabelecida.
No Brasil, ele destacou que a reconquista da democracia após 21 anos de ditadura civil-militar (1964-1985) só foi possível graças às "enormes manifestações que tomaram as ruas brasileiras no movimento pelas Diretas Já". "Agora, 30 anos depois da nossa Constituição, a democracia no Brasil ainda não está enraizada. O que me causa temor profundo é pensar que o Poder Judiciário, que deveria ser o poder de garantia dos direitos fundamentais, não se reconhece como tal, e age como um poder de natureza política."
Segundo ele, essa postura omissa do Judiciário na preservação dos direitos humanos e da democracia remonta ainda ao fim da ditadura e ao processo de Anistia, que impediu que agentes estatais que haviam cometido abusos e violações aos direitos humanos fossem devidamente julgados.
Quando se deparam com uma "democracia viva, o autoritarismo se sobressai". "É uma repressão ideológica. O Poder Judiciário tem se tornando também ideológico, no sentido que abraça uma ideologia autoritária. Não estamos diante de fatos pontuais, mas de uma ação orquestrada, e de um Judiciário que se omite", apontou Weis.
Já a presidenta do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Fabiana Severo, entregou notas e documentos ao relator especial da ONU sobre a Liberdade de Reunião Pacífica e Associação, Clément Nyaletsossi, sobre ações dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que atentam contra o direito de manifestação e criminalizam defensores de direitos humanos. Ela também cobrou ação efetiva dos Ministérios Públicos estaduais no controle externo das atividades policiais para punir abusos cometidos contra manifestantes.
Nyaletsossi, que está há cerca de quatro meses no cargo, prometeu dar resposta às denúncias recebidas, e disse que em todo mundo governos se utilizam de diferentes meios para restringir o espaço de atuação democrática, e que cada vez mais os manifestantes são vistos e tratados como inimigos. "Quando há um protesto que não segue as visões estabelecidas pelo governo, há o uso excessivo da força. Alegam questões de segurança pública para dispersar protestos, prendem pessoas. Queremos assegurar que ninguém seja criminalizado simplesmente por lutar por seus direitos."