Logo após esse episódio, a ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Ideli Salvatti, junto ao então recém-criado Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), protocolou na Procuradoria Geral da República (PGR) uma representação contra Bolsonaro. Após o escândalo do emblemático caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro há cerca de um mês e o aumento das notícias e denúncias de estupros coletivos, principalmente contra adolescentes, os ministros do STF foram pressionados a agilizar a decisão, resultando no relatório apresentado pelo ministro Luiz Fux, que obteve 4 votos favoráveis para a abertura do processo e 1 contra.
A cruel cara de pau da extrema direita
Após ser considerado réu, Bolsonaro deu entrevista pedindo “humildemente” aos ministros do STF que não o condenem, apelando para sua imunidade parlamentar e também defendendo que seu comentário foi apenas reflexivo, uma “reação defensiva” pois sentiu-se ofendido e com sua “honra atingida” pela acusação de estuprador. Essa suposta ofensa teria sido feita por Mario do Rosário – que nega – em 2003, e na ocasião o deputado teve a “reação defensiva” de dizer que não a estupraria por ela não merecer. Curioso é que em 2014, assim que viu a possibilidade, Bolsonaro novamente teve a mesma “reação defensiva”, e logo após reafirmou a mesma “reação defensiva” em entrevista ao Zero Hora, ainda acrescentando que não era um estuprador, mas se fosse não a estupraria. Seria essa uma “reação defensiva”, de reflexo, ou uma convicção machista e reacionária de que as mulheres podem ser classificadas como merecedoras ou não de um estupro, e que ser um estuprador é uma apenas uma escola individual, uma opção de vida aceitável?
Ideias como essa difundida por Bolsonaro é o que fortalece a cultura do estupro, que para seguir se perpetuando se apoia na culpabilização da vítima. Dizer que mulheres podem merecer ou não serem violentadas é diretamente permitir que se defina que uma mulher pode ser culpada pela própria agressão porque “mereceu”.
A certeza da impunidade segue violentando mulheres
Outro elemento que mostra como a cultura do estupro está enraizada até mesmo em nossas instituições jurídicas é que, caso seja condenado por incitar o estupro, naturalizando essa violência, Bolsonaro poderá pegar 6 meses de prisão ou pagar uma multa, o que provavelmente não será difícil com o salário milionário de um deputado federal. Ou seja, mesmo se condenado, seguirá normalmente com sua vida, incentivando diversos outros jovens a classificar mulheres como estupráveis ou não.
O reconhecimento da denúncia contra Bolsonaro pelo STF mostra a importância da mobilização das mulheres, que organizaram a indignação e raiva frente ao estupro coletivo no Rio e gritaram que não aceitariam mais a cultura do estupro, reunindo milhares de mulheres em dezenas de enormes atos #PorTodasElas em diversas cidades do país. Porém, a demora de um ano e meio para que Bolsonaro se tornasse réu e a necessidade de que surgissem escandalosas denúncias de estupro coletivo para que o STF colocasse a denúncia na pauta do dia mostram que o judiciário também é culpado pela perpetuação da cultura do estupro.
Por isso é necessário muito mais ainda. É preciso responsabilizar as instituições que buscam mais dominação sobre o corpo da mulher, como é o caso da justiça, que sempre cumpre o papel de proteger o Estado e seus representantes diretos. As mulheres precisam seguir se organizando, de maneira independente, sabendo que o fim da opressão a nós mulheres não virá deste Estado burguês, sem nenhuma confiança no governo, no congresso e na justiça, que incentiva e protege a violência de gênero. É por isso que a luta ao mesmo tempo contra cada forma brutal de opressão e por cada direito mais elementar deve ser também a luta contra esse Estado burguês e contra nossos verdadeiros inimigos: o estado capitalista.