Eles vislumbram redenção com a destruição da legislação trabalhista; com o esmagamento salarial dos trabalhadores; com o arrasamento do sistema de pensões público e privado; com mega-cortes na educação, saúde, segurança, etc. Sonham com neo-escravidão assalariada. Não vislumbram que, no novo mundo reformado e arrasado pelo grande capital, pequenos e médios empresários passarão - e já passam aos milhares - de orgulhosos caçadores à caça miúda.
O governo lumpen-bolsonariano afunda na crise econômica e social. O Mito faz pior que o governo Temer desastrado. O PIB já é negativo - 0,2% (IBGE). Indústria (-0,7%), Agropecuária (-0,5%), Exportações (-1,9%). As Indústrias Extrativas (-6,3%), de Construção (-2,0%) e de Transformação (-0,5%) puxaram a queda. À espera da liberação do crime ambiental, a mineração fecha com números próximos ao quarto trimestre da grande crise de 2008.
O desemprego é multitudinário. Mais de treze milhões de desempregados - com os subempregados, 28 milhões. Uns 55 milhões vivem abaixo da linha de pobreza (Financial Times, 29/5). Aprofundam-se a repressão e o encarceramento, em condições inacreditáveis. Dos 750 mil presos, mais de 1/3 não foram julgados. Quase todos pobres. (G1, 26/04). O custo de vida sobe, com inflação anual de 4,7%. A renda da população cai e o endividamento chega às classes médias altas. O apoio ao governo se dissolve e volta a mobilização, forte, contra a destruição da educação pública e a canibalização do regime de pensões.
No fim do carnaval
O terreno é cada vez mais árido. O fantasma da maré fascistóide que encurralaria o Congresso morreu ao findar o carnaval, sob os gritos desabusados de milhões de foliões: - “Bolsonaro vai te f...”. Acirram-se as fricções com o STF; com parlamentares conservadores do Centrão; com núcleos empresariais, sobretudo paulistas. O que é novo. O governador Dória avança “política industrial” para seu estado, grave heresia no credo liberal triunfante. Guedes fala em abrir a bolsa do FGTS, para relançar o consumo, em constrangedora contra-mão ao que prega.
A ala bolsonariana vinculada aos EUA preocupa-se com o esvaziamento do Mito, que crescerá com a aprovação da destruição do sistema previdenciário, comprometendo a reeleição em 2022. Generais e empresários descontentes com a submissão canina à política externa dos EUA e de Israel, estreitam laços com a China envolvida em dura guerra comercial com os estadunidenses. A soja e o frango e tudo mais “valem bem uma missa”!
Os senhores generais são definidos como o núcleo “racional” do governo, contra o núcleo “irracional”, este sim, fascista ou fascistizante, inimigo da civilização. Mourão apresenta-se como alternativa palatável, conquistando simpatias entre “esquerdistas”. A proposta de substituição do bolso-olavismo por um bloco de direita militarizado encontra apoio tácito em intelectuais de esquerda, comunicadores, parte da direção do PT e da CUT, que se reuniu com o vice.
Todavia, se prosperarem a reforma dura da previdência, o estrangulamento financeiro dos sindicatos, a radicalização da reforma trabalhista e todos os demais males, como defendem Bolsonaro e o general Mourão, no contexto do colaboracionismo da “esquerda”, o bolsonarismo ou movimentos congêneres terminarão tonificados. E conheceremos desmoralização geral da oposição que se negou a aceitar a luta, e da esquerda classista, com dificuldade em se diferenciar dos traidores.
Onde estão Queirós e os Bolsominions?
As manifestações do dia 26/5, domingo, superaram o fiasco. Sem o executivo mostrando claramente a cara, a mobilização e o financiamento milionário -camisas, bandeiras, carros de som- foram assumidos por facções proprietárias, que impediram um fracasso maior. Os “descamisados” do Mito ficaram em casa, descendo às ruas magras coortes de brancos adultos das classes médias e médio-altas, sobretudo. Apenas no RJ e SP as manifestações alcançaram alguma dimensão, ao juntarem-se aos habitués dominicais de Copacabana e da Paulista. Em centenas de cidades pequenas e médias, meia dúzia de bolsonaristas quase envergonhados seguiram atrás de uma faixa, quando o fizeram.
As manifestações do 26/5 foram tentativa de vitaminação do bolsonarismo contra os concorrentes internos. Não centraram seus ataques histéricos na educação pública, na previdência, no petismo, nos esquerdistas, como habitual. Priorizaram os ataques contra o STF, o general Mourão, o Congresso, etc. Assim, obtiveram alguma vitória ao mostrar que o bolsonarismo tem, ainda, base de sustentação própria, mesmo desmilinguida. Provaram, ao menos, ter mais gente que os senhores generais. Continuando a encenação, respondendo às ruas semi-vazias do 26/5, Bolsonaro, Maia, Toffoli propuseram pacto dos Três Poderes, tentando debelar a crise e avançar a liquidação do sistema previdenciário.
O predominante nesse início de mandato era a disputa entre os generais, que controlam o poder, e Bolsonaro e seus fiéis, que seguram a “caneta”, possuem restos de respaldo social e almejam a reeleição. Com a crise, facções do STF, o Congresso e o Senado passaram a exigir e defender suas fatias de poder. Agora, as ruas, sem serem convidadas, entram de sola, na arena política, fazendo estrago inesperado.
Manifestação Nacional
As manifestações do 15/5, quarta-feira, contra os cortes na educação pública, transbordaram as bolsonaristas de 26/5, domingo. Foram multitudinárias no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza e espraiaram-se pelo país, com apenas maior e menor sucesso nas cidades grandes. Nas médias e pequenas, não raro, alcançaram indiscutível magnitude relativa. Foi a primeira forte e maciça resposta popular nacional ao segundo governo golpista, com forte participação da juventude.
As manifestações do 30/5, quinta-feira, chamadas pela UNE, aproximaram-se das do dia 15/5. Arrasaram em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza. Em Porto Alegre, manifestantes aguentaram, durante horas, sob chuva forte e frio, sem esmorecer. Incorporaram segmentos que não participaram da primeira manifestação, com destaque, talvez, para os secundaristas. A população agredida descobre o caminho e o gosto da rua. Retoma e supera a passada luta pelo “Fora Temer”, interrompida.
O sucesso das manifestações dos dias 15 e 30/5 mostram real disposição de combate anti-golpista. Se a luta pela educação foi de tal tamanho, imagine-se o de greve geral de todas as frações exploradas! Esse sucesso coloca problemas para as direções sindicais e petistas e seus puxadinhos. A elas, não interessa greve geral que balance o governo e lance luta dura contra o golpismo e suas maldades sem fim. Porém, a direção da CUT não pode se desacreditar ainda mais com movimento inferior aos dos estudantes e professores.
Tirar o povo da rua
As direções petistas e sindicais buscam, em forma explícita e implícita, acordo com o Centrão e com a facção “militar-racional” do golpismo. Propõem retirar a população da rua em favor das eleições municipais de 2020, em troca de reforma previdenciária mais “palatável” e cortes menos duros, o que já foi em parte obtido [em teoria] pelas manifestações estudantis – devolução de 1,5 bi. Pedem de pires na mão a suspensão da reforma sindical, com a volta ao desconto na folha de pagamento ou coisa parecida.
Estão nesse movimento PT, PSOL, PDT, PSB, REDE etc., abraçados a movimentos de esquerda com vinculações ao Estado – cargos sindicais, parlamentares, etc. Todos reivindicam que siga o jogo político parlamentar, mesmo viciado, com suas sinecuras pessoais e partidárias. Esses setores se opõem ao “Fora Bolsonaro, Fora Mourão, Eleições Diretas e Limpas, já”. Temem, como o diabo a cruz, a radicalização do luta e novos ataques golpistas à burocracia política e sindical. Em verdade, eles têm ainda muito a perder.
O “Fora Bolsonaro-Morão” é consigna popular, impulsionada desrespeitosamente desde o Carnaval. Ele se apresentou em cartazes e consignas no 15 e 30/5 – no RS: “Bolsonaro, vai te f..., não vou trabalhar até morrer”! No 30/5, enorme faixa “Fora Bolsonaro!” encabeçou a histórica manifestação de Barbalha, no Ceará. A radicalização da luta cria problemas, por exemplo, ao PSOL. Seus setores colaboracionistas seguirão abraçados ao “Fica Bolsonaro” enquanto os radicalizados serão arrastados para o “Fora Bolsonaro”. As duas facções conviverão dificilmente na mesma organização.
Minhas queridas eleições
Reunião no dia 21 de maio, de lideranças de PT, PSOL, PCdoB, PDT, REDE, PSDB, etc., apontou para eventual frente eleitoral-parlamentar e definitivo abandono da luta contra o golpe, que algumas dessas organizações apoiaram. Em 26 de outubro de 2017, em Salinas, Minas Gerais, quando fervia a luta nas ruas contra o governo ditatorial cambaleante, Lula da Silva conclamou o “Fica Temer” ao propor que não era mais hora de lutar pela deposição do golpista, mas de preparar as eleições presidenciais de 2018. O resultado desastroso do desbunde colaboracionista, para o país e para ele, é conhecido.
Agora, desde a prisão, Lula da Silva lança o “Fica Bolsonaro”, propondo a necessidade de abandonar a luta que cresce pela deposição do governo golpista fragilizado. Em troca, propõe pauta “propositiva” para agora e para as eleições de 2020. Ou seja, atar cachorros famintos com linguiça! Aposta em uma saída negociada com o Centrão golpista e os generais “racionais” que obtenha, também, sua prisão domiciliar em futuro imediato e libertação, em futuro próximo.
Em sua entrevista a El País, de 27 de abril, Lula da Silva registrou sua total falta de confiança nos trabalhadores como dirigentes da emancipação do país. Em verdade, praticamente não se referiu ao mundo do trabalho. Reafirmou a crença em líderes iluminados, como destaque para ele, e propôs a retomada impossível do programa social-liberal petista, amigo do capital e com pequenas concessões para os trabalhadores, dos tempos de “vacas gordas”, que nos levou ao atual desastre.
Vendendo até a mãe
Lula da Silva, a direção e parlamentares do PT e da CUT se adaptam à vida sob o golpe, propondo conciliação ainda mais rebaixada do que a da Era Petista, quando disputavam com o PSDB, abraçados ao MDB e a outros monstrengos. A direita petista, com Haddad e os governadores à cabeça, sequer reconhece que houve golpe. Governadores petistas - Rui Costa (BA) e Camilo (CE) - realizam frentão com a direita golpista, antecipando-se nos ataques bolsonaristas contra os trabalhadores e os direitos sociais.
Esses governadores promovem, já, corte na educação; suspensão de reajustes salariais e concursos públicos; aumento da contribuição previdenciária; cobrança de mensalidades nas universidades públicas; repressão policial contra a juventude e a população carcerária. No caso de perda de força do assalto geral golpista, um governo nacional petista poderia realizar a mediação entre o último governo neoliberal de Dilma Rousseff e o ultraliberalismo militar-bolsonarista.
A Luta por “Fora Bolsonaro, Fora Mourão, Eleições Gerais Limpas, já”, deve ser associada à reivindicação intransigente da liberdade de Lula da Silva, de José Dirceu e dos presos políticos do golpismo. Tudo no contexto de um amplo movimento de luta nas fábricas, escritórios, universidades, escolas, quartéis, ruas, para reconquistar e ampliar os direitos sociais e democráticos perdidos e as propriedades públicas alienadas, à preço de banana podre. Para avançar e jamais retroceder.