Até julho deste ano, foram registrados 173 assassinatos classificados como crimes de ódio vitimando lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) em todo o Brasil. Somente nas duas primeiras semanas deste mês, foram registrados 15 mortes deste tipo, o equivalente a um crime a cada 29 horas.
Todos os dados são do Grupo Gay da Bahia (GGB), a mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no Brasil. O levantamento é feito desde a década de 1980 e é a única fonte sobre o tema no país.
Facadas são a principal forma dos homicídios, registrados em 27% dos casos, seguido de vítimas de arma de fogo (26%). Dois terços das ocorrências se deram em vias públicas.
O estado que lidera o número absoluto de casos é São Paulo, que registrou 26 assassinatos. Em segundo e terceiro lugar estão, respectivamente, Bahia (23) e Rio de Janeiro (18), onde foram mortas pelos menos duas pessoas neste mês: Diego Vieira Machado e Leonardo Moura.
O antropólogo Luiz Mott, fundador do grupo, acredita que, neste ritmo, o número ultrapassará a média anual de 300 casos registrados nos últimos cinco anos.
Ele explica que a sistematização começou pela carência de dados oficiais. "Nós consideramos fundamental ter essas informações disponíveis para mostrar a gravidade dos crimes de homofobia no Brasil", afirmou.
O levantamento do GGB é realizado através de uma varredura dos jornais, revistas, internet e também de informações enviadas diretamente ao grupo, principalmente do interior do Brasil, onde não há foco da imprensa, explicou o antropólogo. Todos os assassinatos são registrados diariamente no site Quem a Homofobia Matou Hoje.
Ausência de estatísticas oficiais
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo não tem dados sistematizados dos homicídios ou mesmo de outras agressões a esta fração da população. Já o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública e Prisionais e sobre Drogas (Sinesp), base de dados do Ministério da Justiça, afirmou haver um esforço para tentar gerar estas estatísticas criminais.
Embora os casos tenham configurações típicas, como a mutilação de algumas partes do corpo da vítima, o grande empecilho seria o fato de não existir a tipificação penal de "homofobia", mas crimes motivados pelo ódio. O órgão afirmou ter investido, desde 2012, aproximadamente R$ 70 milhões em parceria com os estados para a padronização dos boletins de ocorrência, que são as fonte de informações do sistema.
O advogado Thales Coimbra, que se especializou nos direitos específicos da comunidade homossexual, bissexual e transexual, lembra que, desde dezembro de 2014, está em vigor a resolução nº 11 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT que estabelece a inclusão, nos boletins de ocorrência, da orientação sexual, da identidade de gênero e do nome social das vítimas.
"Já existe essa determinação há um ano e meio para que essas violências sejam computadas, porque não depende da criminalização da homofobia para ter um registro disso. Óbvio que seria ideal. Mas já existe um marco normativo", disse o advogado.
Por dois anos consecutivos, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República produziu o Relatório Sobre Violência Homofóbica que contabilizava, com a base informacional do governo, discriminações e agressões verbais e físicas dos mais variados tipos. Pelo relatório, o número de denúncias havia crescido 166% de 2012 a 2013, saltando de 1.159 para 3.084 registros.
"Como este relatório só foi produzido de um ano para o outro, é difícil saber se isso decorreu da disseminação do Disque 100, como uma forma de informar as violações da população LGBT, ou se houve efetivamente um crescimento das violações", pondera Coimbra.
Reação conservadora
Para ele, o campo de disputa pelos direitos desencadeou uma onda conservadora que está se intensificando. "Quando temos um movimento político organizado, neste caso LGBT, tencionando por avanços, temos uma reação", afirmou o advogado.
Para ele, o avanço conservador é explícito no Congresso Nacional, sendo uma de suas características o avanço da bancada evangélica.
"As notícias do jornal são reflexo disso. Quando as pessoas veem parlamentares em Brasília lutando contra os direitos das minorias, elas se sentem legitimadas para agir como elas agem. Por isso, vemos essa epidemia de homofobia recrudescente", argumentou Coimbra.
Para Mott, os recentes casos revelam que o Brasil é um país extremamente contraditório. "Do lado cor-de-rosa, abriga a maior parada gay do mundo, a maior associação LGBT da América Latina, gays e travestis estão nas novelas, nas ruas, no carnaval… Mas o lado vermelho sangue é o que inferniza a vida cotidiana de mais de 20 milhões de brasileiros. Discriminação em casa, nas escolas, nas repartições públicas, espancamentos e assassinatos".
Para "erradicar a mortandade", o antropólogo aposta prioritariamente em três frentes: educação sexual em todos os níveis escolares, políticas públicas que garantam a segurança da população LGBT nos espaços públicos, e legislação específica que puna o crime da homofobia.
Edição: Camila Rodrigues da Silva