Em um momento no qual o presidente da República não foi eleito pelo povo, mas sim colocado no cargo após um golpe de Estado apoiado pela imprensa, o único elemento de legitimação de tal processo são as pesquisas de opinião pública, segundo Afonso de Albuquerque, professor da Universidade Federal Fluminense e pesquisador das relações entre mídia e política. “Não se trata de medir a opinião, trata-se de produzir a opinião, de produzir legitimidade”, afirmou, em entrevista ao portal da EPSJV.
A pesquisa do Datafolha, que foi publicada na edição online de sábado (16) e na impressa de domingo (17) do maior jornal brasileiro, foi desmascarada na mesma semana, quando portais alternativos revelaram que na verdade 62% dos entrevistados disseram defender novas eleições. Além da distorção dos dados, a publicação escondeu informações como a preferência pelo ex-presidente Lula em uma possível eleição.
Em artigo denunciando a fraude, o jornalista Glenn Greenwald afirma que é impossível que de abril para julho a porcentagem da população que apoia novas eleições tenha caído de 60% para somente 3%, enquanto o desejo de “permanência de Temer na Presidência da República tenha disparado de 8% para 50%”.
De acordo com Albuquerque, esse acontecimento “é uma das inúmeras fraudes jornalísticas que nós acompanhamos nos últimos anos”, assim como, por exemplo, as revelações do áudio da conversa telefônica entre Lula e a presidente afastada, Dilma Rousseff, pelo juiz Sérgio Moro em março deste ano. No caso do estudo do Datafolha, “é uma fraude de pesquisa e jornalística ao mesmo tempo”, já que o instituto pertence à Folha de S. Paulo.
Para o acadêmico, a falta de representatividade dos partidos da direita tradicional faz com que os principais agentes de oposição política a qualquer coisa que possa representar os interesses do povo sejam a mídia e o Judiciário, “que atuam claramente de maneira partidária, desigual em relação aos agentes políticos”.
Esse fenômeno pode ser visto não só na atual crise política e institucional do regime burguês, mas já vem se aperfeiçoando há pelo menos três décadas no Brasil, como se mostraram os casos da Procunsult nos anos 80 e do Mensalão petista, mais recentemente. No entanto, segundo Albuquerque, o papel da mídia “não era tão estruturante como agora”.