A exemplo daqueles que a instituíram, a civilização é ambígua. Por mais que ofereça às pessoas benesses de que nunca desfrutariam caso permanecessem barbarizadas, a começar pela substituição do embate físico pelo diálogo, a mistura civilizada gera afetos negativos. A proximidade com outros também produz medos, pavores, que por suas vezes impõem distanciamentos. Esse afeto isolacionista, em sociologia, é chamado de mixofobia, ou seja, o pavor da mistura. Movido pelo pretexto do terrorismo, o isolacionista Trump é o mixófobo espetacular da contemporaneidade.
Se, portanto, a civilização é a instituição humana na qual vivemos tanto o amor quanto o pavor em relação à alteridade, todavia com a vitória do primeiro, Trump é a prova da derrota diante do segundo. Ao passo que, mixofilicamente, experimentamos os prazeres e as vantagens da convivência com os outros, sendo o carnaval um exemplo mixofílico por excelência; mixofobicamente, ao contrário, priorizamos os riscos oferecidos por tal convivência, sendo o famigerado muro com o qual Trump irá isolar-se dos mexicanos o exemplo mixofóbico mais emblemático da atualidade.
A mixofobia patológica de Trump, contudo, é mais bárbara do que alienígena. Nossos condomínios e semblantes fechados já são espécie de muro trumpeano através dos quais nos isolamos do perigo da alteridade. Entretanto, por mais ambígua que seja a civilização, ela é, a priori, mixofílica, mesmo que, a posteriori, mixofóbica. O desafio primordial do civilizado, portanto, é superar sistematicamente os afetos mixofóbicos em prol dos mixofílicos. Pois é somente através do amor à mistura que transformamos as carências e vulnerabilidades inerentes ao isolamento em abundância e segurança. Afinal de contas, não foi por isso que o ser humano se civilizou?
Todavia, paradoxalmente, é em função do risco de perder essa abundância e segurança que os afetos mixófobos brotam. Trump, realmente acredita que uma “America Great Again” só é possível mediante isolamento; se ela estiver sitiada intramuros intransponíveis. Porém, o pavor da alteridade não desaparece ao se isolar dela. Esse isolamento, aliás, é o medo concretizado, espacializado; de forma alguma superado. Sem dizer que agir em função do medo, do pavor, ou seja, de afetos mixofóbicos não é coisa de quem é ou será “Great”. A América de Trump, isolada, será tão “small” quanto a barbárie diante da civilização.
O grande problema da mixofobia é que ela reinstitui o não-diálogo entre quem se sente atemorizado e quem causa tal temor. Ela é antipolítica por natureza. Mas, não nos esqueçamos, Trump se elegeu vendendo o peixe de que não era político; de que os americanos estavam fartos da política. Só que ser civilizado e ser político, “Mr. President”, são sinônimos! Felizmente, massivas e mixofílicas manifestações “worldwide” contra o mixófobo-mor estão ocupando a ágora mundial com a civilidade da qual não querem ser privadas. Uma luta política par excellence.
Não foi devido à ausência de mixofobia que a civilização se deu, mas, fundamentalmente, pelo conflito dela com os afetos mixofílicos. A civilização, por assim dizer, é o estágio humano no qual a mixofilia vence essa sempiterna pecha. E a mixofobia, sistematicamente derrotada, compõe a régua com que se mede a vitória da civilização. O triunfo mixofílico se sustenta na consciência de que, por mais que o outro possa ser um problema, antes disso, ele já é a solução. Quanto mais não seja, cada um de nós é um outro para os outros.
Trump, contudo, não considera o fato de que é um outro para os outros. Em vez da abertura política à alteridade, o bárbaro fechamento egoísta. “America First!”. E quando se está desse modo isolado, o temor serve de paradigma para toda sorte de apolitismo. Mas, se em uma imagem, civilização é vitória sobre barbárie, a nossa, sobre Trump e todos os que, como ele, não querem ser outros de ninguém, essa vitória consiste em seguirmos amando nos misturarmos: troféu que se ganha ao ser derrotado o medo da mistura.