Por esse motivo, como dissemos antes, o centenário da Revolução Russa oferece a oportunidade para que o grande público se familiarize com os aspectos essenciais da tomada do poder pela classe operária. Mas acreditamos também que a data deve igualmente servir como um chamado para que a vanguarda consciente da classe operária nos dias de hoje estude minuciosamente os acontecimentos e tire deles as conclusões necessárias para armar-se teórica e politicamente para sua própria revolução.
Nesse caso, além de conhecer os acontecimentos é necessário entender as relações entre eles, as relações entre as classes sociais e os partidos políticos na luta pelo poder. Para essa tarefa, o método científico do marxismo, o materialismo histórico, é indispensável.
Na sua História da Revolução Russa, Trótski – que juntamente com Lênin dirigiu o assalto das massas ao poder – revela as leis inerentes aos acontecimentos, permitindo ao leitor compreender a interferência direta das massas no curso de eventos históricos, característica intrínseca de uma revolução. É por esse motivo, pela abrangência e profundidade com que trata o assunto e pelo método de investigação científica, que a obra de Trótski constitui um verdadeiro tratado sobre a arte da revolução, útil em mais de um sentido a todos os que querem fazer uma revolução.
A Revolução Russa, por sua vez, traz consigo um enigma, com que o autor lida no primeiro livro de sua trilogia: por que um país atrasado foi o primeiro lugar em que o proletariado chegou ao poder? A Rússia, que demorou tanto ao completar sua revolução burguesa, foi compelida a transformá-la em uma revolução proletária. Essa questão interessa sobremaneira aos revolucionários brasileiros que enfrentam um problema semelhante em forma e conteúdo.
Os dois livros seguintes são dedicados à ascensão ao poder dos bolcheviques. Trótski explica porque a Revolução de Outubro era inevitável e quais foram as causas da sua vitória. No seu prefácio é apresentada uma importante consideração sobre o método da investigação empregado em toda a obra:
“O leitor já sabe que, em uma revolução, procuramos primeiro por todas a interferência direta das massas no destino da sociedade. Procuramos descobrir detrás dos eventos as mudanças na consciência coletiva. Rejeitamos as referências por atacado à ‘espontaneidade’ do movimento, referências que na maioria dos casos não explicam nada e não ensinam nada a ninguém. Revoluções acontecem de acordo com determinadas leis. Isso não significa que as massas em ação sejam conscientes dessas leis da revolução, mas significa que as mudanças na consciência das massas não são acidentais, mas sujeitas a uma necessidade objetiva que é possível de ser explicada teoricamente, e portanto torna possíveis tanto a profecia quanto a liderança”.
Para ele, “o materialismo não ignora o homem que sente, pensa e age, mas explica-o”. Assim como, portanto, “a mera existência de privações não é suficiente para causar uma insurreição”, é “preciso que a falência de um regime social, uma vez revelada de modo conclusivo, torne essas privações intoleráveis, e as novas condições e novas ideias abram o caminho para uma saída revolucionária”.
A monumental obra de Trótski é imprescindível para conhecer a Revolução Russa e compreendê-la de maneira científica. Coloca-se como uma tarefa urgente justamente porque a compreensão do método rigorosamente científico do materialismo histórico é algo vital para um partido que deseja e trabalha ativamente pela revolução no seu próprio país e em escala mundial. Devemos nos atirar de cabeça aos estudos.
P.S.: Àqueles que ainda não estão suficientemente familiarizados com os fatos mais elementares da Revolução Russa, além das recomendações já feitas anteriormente, acrescento ainda três sugestões que me ocorreram ao longo da última semana em discussões com outros companheiros de partido.
A primeira delas é a curta e interessantíssima obra do militante e jornalista norte-americano, John Reed, Os dez dias que abalaram o mundo. Reed, que morreu na Rússia em 1920, escreveu essa reportagem na qualidade de testemunha ocular dos acontecimentos.
A segunda se desdobra. Trata-se da leitura das biografias dos dois principais dirigentes da Revolução. Trótski nos dá uma oportunidade ímpar de conhecer a revolução vista por seus próprios olhos na sua autobiografia, Minha Vida. Seu mais famoso biógrafo, Isaac Deutscher, situa-o nos acontecimentos que levaram à Revolução no primeiro volume de sua trilogia sobre sua vida e obra (O Profeta Armado – 1879 – 1921).
Sobre Lênin, a biografia escrita por Trótski é de grande interesse (infelizmente, Trótski não concluiu a obra como pretendia e tampouco essa foi publicada em português na íntegra, apenas alguns fragmentos dispersos chegaram ao nosso idioma. Há uma versão em inglês, altamente recomendada para os que puderem fazer bom uso dela). Na falta de coisa melhor, a biografia “oficial” de Lênin foi escrita pelos acadêmicos da União Soviética (já sob o stalinismo) e traduzida para vários idiomas (encontra-se com certa facilidade nos sebos sob o título “Lénine – biografia”, das edições Avante! ou Progresso) e tem, apesar de seus defeitos, o mérito de ser favorável ao biografado, motivo pelo qual não se pode recomendar a maioria das demais obras a seu respeito.
Enfim, refiro os leitores à coletânea de textos que cobre o período de setembro a novembro de 1917, publicada sob o título de “Lênin, no caminho da insurreição“, encontra-se há muito esgotada. Pretendo publicar em breve pelo menos os títulos dos artigos para que possam ser localizados em outras edições de suas obras.