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Diário Liberdade
Quarta, 02 Agosto 2017 10:42 Última modificação em Segunda, 07 Agosto 2017 15:29

Hezbollah: vitória no front sírio

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País: Líbano / Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Independent

[Robert Fisk] Tropas sírias estão agora instaladas em posições do lado libanês da fronteira entre os dois países, em sua batalha para destruir o Estado Islâmico [ing. ISIS] nas altas montanhas do Qalamoun.

Corpos apodrecem nas encostas da montanha por aqui, enquanto o Hezbollah libanês – que combate agora dentro da Síria – prepara-se para um confronto final contra os terroristas, que hoje estão cercados num pico de pedra preta ao norte. Do alto da montanha Karra, 2.100 metros acima da fronteira sírio-libanesa, pude ver soldados sírios acampados nos picos das duas montanhas – dentro do Líbano.

O comandante sírio em Qalamoun, general Median Abad, diz a verdade sem hesitar. "Sim, temos soldados nossos em dois pontos dentro do Líbano – acima da estrada da fronteira pela qual o Daech [ISIS] costumava entrar na cidade libanesa de Ersal. Nossos homens estão nas montanhas libanesas de al-Sharqia e al-Valilal. Veem-se daqui as tendas deles". Verdade. Do outro lado de uma ravina (wadi) estreita que nos separa do Líbano, posso ver várias tendas cinzentas dos militares sírios espalhadas pelos picos das duas montanhas libanesas. O general confirma que está em comunicação com o exército libanês – cujo tanque atira contra o ISIS que ele ouve ao longe pelos vales – através do Hezbollah, cujas forças uniram-se a ele no ataque contra al-Karra.

Andar por aquela montanha depois da batalha que acabou há apenas cinco dias é experiência perturbadora. O fedor dos corpos do ISIS insepultos, o ar da montanha batendo nos sacos de areia nas trincheiras vazias e os montes de terra feitos pelo ISIS antes da última refrega, e a rede de túneis – escavados na rocha viva pelos terroristas, na vã esperança de se proteger contra os ataques aéreos dos sírios – mostram bem a fúria dos combates. Nenhum terrorista do ISIS sobreviveu – o que fala por si. – Mas um vídeo notável filmado pelos vitoriosos durante a luta mostra um guerrilheiro do Hezbollah dizendo a um terrorista do ISIS, que está morrendo, coberto de sangue: "Que Deus te abençoe" – a benção de um combatente xiita a um combatente sunita moribundo.

Sobre a carroceria de uma caminhonete, um oficial sírio abre os sacos caqui que transportam três mortos do ISIS tentando identificar alguém, sem sucesso. Os cadáveres estão inchados ao calor de 46º, escuros por causa da putrefação, um deles só de cuecas. Soldados sírios e combatentes do Hezbollah olham à distância de poucos passos, imperturbáveis, muitos com a mão sobre o nariz.

Estão numa operação conjunta contra os terroristas do ISIS – o centro de comando está numa construção térrea na vila de Fleita – e dizem que só tiveram feridos na batalha. Médicos ali perto têm uma tenda onde se lê, num dos lados "Crescente Vermelho Iraniano" – mas não parece haver iranianos por aqui.

"O exército sírio e o Hezbollah combateram por esse topo de montanha, ao lado de forças da defesa nacional [durante parte do tempo], mas foram as Forças Especiais Sírias e do Hezbollah que conduziram a batalha", diz o general Abad, 48 anos.

"Para nós, o Hezbollah é uma escola de combate. Aprendemos com a experiência deles e nos ensinamos uns aos outros, estávamos literalmente treinando lado a lado, na luta, e, claro, tínhamos nossa artilharia." Há rifles e armamento antiaéreo sírio pelo chão nas montanhas – e um motorista exímio conseguiu dirigir um tanque de combate fabricado na Rússia, montanha acima, pela trilha de rochas soltas, até o topo de al-Karra.

O comandante do Hezbollah libanês, de barba curta, grisalho e de óculos, do sul do Líbano, que diz ter 37 anos – conheço bem a cidade dele, mas desconfio que seja mais velho do que diz – sentou-se à minha direita durante o almoço dos soldados numa barraca, refeição de algum modo temperada pelo cheiro dos cadáveres a poucos metros de distância e pela insistência de um oficial de inteligência do Hezbollah que filmou cada garfada de arroz e galinha que enfiei na boca. O que o Hezbollah em Beirute, que me conhece, fará com esse vídeo absurdo, não tenho ideia.

Mas os soldados sírios e do Hezbollah sentaram juntos em torna da tenda e pareciam conhecer-se bem, e o oficial do Hezbollah e seus soldados partilhavam um denso e intimidante chá "mate" – preparado com folhas argentinas – obrigatório em todas as refeições de militares sírios. Vários combatentes do Hezbollah portavam rifles de precisão novos, mas a maioria estavam armados com a conhecida Kalashnikov usada pelo exército sírio. Os uniformes do Hezbollah, com estampa de camuflagem marrom claro são muito diferentes das roupas de combate verde e marrom dos sírios.

Ao norte, está a última fortaleza do ISIS. Os que a defendem estão em tendas negras e, logo ao sul, um pouco abaixo, os homens do Hezbollah que se preparam para atacar a fortaleza distribuíram suas tendas brancas pela encosta da montanha. Vai haver mais fogo de artilharia e mais ataques aéreos nos próximos dias, segundo o general Abad. O ninho que implantou na montanha será local perfeito para assistir de cima ao ataque; al-Karra está 2.200m acima do nível do mar – os acampamentos dos israelenses no Monte Herman nas Colinas do Golan tem apenas 600m, e Abad concorda que os sírios jamais sairão de al-Karra – em território sírio, é claro, agora que se instalaram nesse pico. Antenas de rádio militares já se agitam como trigo ao vento acima das rochas.

Do lado sudoeste posso ver a cidade libanesa de Ersal – invadida por pouco tempo pelo ISIS e pela Frente Nusrah. Alguns dos militares libaneses que defendiam a cidade foram degolados; outros, pelo menos nove, continuam prisioneiros em algum lugar dessas montanhas, provavelmente do lado libanês da fronteira.

Soldados libaneses percorreram campos sírios de refugiados perto de Ersal. Em sua mais recente operação, dois homens se autodetonaram, mas quatro outros morreram quando estavam sob custódia dos libaneses, por efeito – como informou o exército em Beirute – de "problemas médicos preexistentes". História provável, como se diz, mas nem libaneses nem sírios deram muita importância.

O ISIS sofre agora derrota total em Qalamoun, e o exército sírio e o Hezbollah e o exército libanês aplicadamente trabalham para que assim seja. A eliminação deles porá fim à ameaça que o ISIS representa contra a linha de suprimento do Hezbollah ao longo da estrada Hermel-Baalbek dentro do Líbano e restaura a soberania libanesa segura sobre a cidade de Ersal. Diplomatas ocidentais observaram essa última batalha a partir do lado libanês da fronteira, mas claro que não podem vir à Síria – e aparentemente nem percebem que soldados sírios estão em território libanês, mesmo que só umas poucas centenas de metros além da fronteira.

Única testemunha ocidental do lado sírio da luta na montanha é The Independent, e o general Median Abad oferece uma descrição de especialista em tática, da paisagem. Para o sul, em torno das cidades de Zabadani, Bloudan e Madaya, houve um cessar-fogo entre sírios de um lado, e Frente Nusrah e aliados, do outro, conversas para "reconciliação" que talvez devolvam as cidades outra vez ao controle sírio. Se forem bem-sucedidos – e se o iminente ataque ao ISIS a partir de al-Karra sair vitorioso –, então toda a fronteira sírio-libanesa estará limpa dos terroristas islamistas que frequentemente fugiam para o Líbano, para não serem presos pelos sírios, e usavam o Líbano como rota de suprimento militar – via Ersal – para a Síria.

A área em torno de Ersal ("Jurd") – terra nua perto da cidade – cobre 150 km2 de pedra, cascalho e montanhas açoitadas pelo vento que fica entre Líbano e Síria, sobre os dois lados, separados pela suja linha de fronteira que lá está, 500m abaixo de nós.

Imagem: A estreita estrada de fronteira no vale demarca a fronteira entre Síria (à esquerda) e Líbano (à direita da estrada), no campo de batalha de Qalamoun (foto de Nelofer Pazira)

É trilha traiçoeiramente pacífica, traçada – claro – em alguma sala de desenho francesa, quando as autoridades do mandato francês dividiam o Líbano da Síria, no início dos anos 1920s. Talvez fizesse sentido em algum salão parisiense, mas lá no alto da montanha al-Karra, parece invenção quixotesca, cheia de armadilhas políticas e militares. Talvez fosse esse o plano dos franceses, tantas décadas atrás.

O general Abad tem visão menos sutil dos eventos correntes. O presidente Bashar al-Assad percebeu logo o "plano internacional" para destruir a Síria, e o Hezbollah e a Resistência – motivo pelo qual a coordenação começou entre Síria, Irã e o Hezbollah, explicou ele. Israel sempre foi o "principal apoiador dos terroristas" – e por isso atacou forças sírias e do Hezbollah – e por isso Qatar e Arábia Saudita ajudaram na "conspiração".

"Ouvimos vozes turcas e sauditas e Qatari nas rádios terroristas, também afegãos falando muito mal o árabe" – diz o general. "Depois da vitória do Hezbollah sobre Israel no Líbano em 2006, muita gente passou a querer desarmar o Hezbollah, como parte do projeto para um "novo" Oriente Médio da [então secretária de Estado dos EUA] Condoleezza Rice. Havia gente no Líbano que falava de desarmar o Hezbollah, e outros tentavam tirar a Síria da "trilha da resistência". Mas nós lutamos contra tudo isso – e agora combatemos juntos contra o Daech."

Mas o ISIS ainda lutará. Da sua última fortaleza na montanha negra ao norte, ainda fazem voar seus drones miniaturas para o sul, em direção às linhas sírias e do Hezbollah. Mais para sudeste, os caminhões do Hezbollah e da Síria escalam a estrada da montanha, e passam por agricultores locais e os filhos, que colhem cerejas que pendem das cerejeiras carregadas. E oferecem cerejas aos soldados que passam. "O governo os ajudou a plantar essas árvores. – Por que apoiavam o Daech, quando estava aqui?" – pergunta Abad, desalentado.

As cerejas de al-Karra estão maduras e são doces – e perigosas.

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