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Diário Liberdade
Domingo, 07 Janeiro 2018 09:35 Última modificação em Quinta, 11 Janeiro 2018 20:45

O Zimbábue pós-Mugabe e suas perspectivas

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País: Zimbábue / Institucional / Fonte: WSWS

[Chris Marsden] A renúncia de Robert Mugabe ao cargo de presidente foi celebrada amplamente pelas massas, que só conheceram agruras devido à catastrófica situação econômica encarada pelo Zimbábue e à repressão brutal e a falta de direitos democráticos que acompanha a decadência social.

Mas aqueles que acreditam que a queda de Mugabe trará melhoras em suas vidas sofrerão uma decepção cruel. Os militares e a facção dirigente do ZANU-PF, liderada por Emmerson Mnangagwa, usaram os 37 anos de domínio político de Mugabe para canalizar o descontentamento social contra ele e sua esposa, Grace, além da gangue de “novos ricos” que compõe o grupo Generation 40 que é comandado por ela.

No entanto, as promessas feitas por Mnangagwa, empossado hoje como presidente, de “uma nova e vibrante democracia” e de “empregos, empregos” são nulas. Seu objetivo é impor uma versão “anabolizada” de políticas capitalistas que já criaram muito sofrimento. É preciso não só remover Mugabe do posto, como também lidar com a burguesia do Zimbábue e sua abjeta incapacidade de acabar com a dominação imperialista, a exploração brutal e a pilhagem das riquezas naturais do país.

Mugabe tomou o poder após uma luta armada de 15 anos contra o regime de colonização branca da Rodésia do Sul. Ele liderou a União Nacional Africana do Zimbábue (ZANU), apoiada pela maioria da população Shona, enquanto seu principal rival, o líder da União dos Povos Africanos do Zimbábue (ZAPU), Joshua Nkomo, era majoritariamente apoiado pelos Ndebele.

A insurreição despertou temores de que a União Soviética obteria uma cabeça-de-ponte no sul da África, levando a negociações, incentivadas pelos EUA, com o governo conservador britânico de Margaret Thatcher. Mantendo relações próximas com a China, o partido ZANU utilizou um fraseado socialista para assegurar o apoio popular enquanto explorava o medo inspirado pelas relações do partido ZAPU com a Rússia e garantia o apoio britânico.

O Acordo de Lancaster House pavimentou o caminho para as eleições em 1980, vencidas pelo ZANU. Como precondição para a tomada do poder, Mugabe assentiu a políticas de preservação do domínio capitalista no novo estado independente do Zimbábue e o controle de setores chave da mineração e da agricultura por corporações internacionais. Também concordou em não perturbar os interesses dos fazendeiros brancos do país por dez anos – apropriando-se de terras somente a partir da concordância dos antigos proprietários com base no princípio da indenização total.

Em 1982, Mugabe deslanchou a “Operação Gukurahundi” – literalmente, operação “varre-o-joio” – na região do Matabeleland, de maioria Ndebele, em uma campanha genocida comandada por Mnangagwa. Mugabe decretou uma anistia em 1987 e os dois partidos rivais se fundiram para formar o ZANU- Frente Popular (ZANU-PF).

Os anos 1980 foram um período de aparente sucesso para o Zimbábue, que gozou de uma economia desenvolvida com amplos recursos naturais e recebeu tratamento favorável das potências ocidentais para combater a influência soviética. Medidas de bem estar social e reformas progressistas nas áreas da educação e da saúde foram implantadas.

A dissolução da União Soviética em 1991 levou este período ao fim. Na era do pós-guerra fria, Washington, Londres e a União Européia não estavam mais dispostos a conceder o limitado espaço de manobra a que até então o Zimbábue tinha direito.

O regime de Mugabe, baseado no apadrinhamento e no nepotismo, foi visto como um impedimento aos interesses dos investidores internacionais. Durante os anos 1990, o FMI cortou financiamentos e exigiu a abertura do Zimbábue ao investimento externo, às privatizações e a níveis cada vez maiores de exploração como parte dos Programas de Ajuste Estrutural aceitos por Mugabe.

Isto levou ao descontentamento social, inclusive com greves gerais entre 1997 e 1999. No entanto, a Confederação de Sindicatos do Zimbábue (ZCTU) se opôs a Mugabe pela direita e formou uma aliança com os interesses dos empresários e fazendeiros brancos em torno do Movimento por Mudança Democrática (MDC) em 2000, que propunha “privatizar e re-estabelecer a confiança do empresariado”.

Mugabe nada fez para se contrapor de fato à ofensiva dos interesses do grande empresariado. Ele respondeu com uma combinação de ataques à classe trabalhadora dos centros urbanos com o encorajamento a expropriações controladas de terra para solidificar a imensa base rural do partido ZANU-PF. Mugabe declarou então: “Nossas raízes estão no solo, não nas fábricas”.

Essa política agrária não oferecia uma solução genuína aos problemas econômicos e sociais encarados pelos camponeses pobres ou pelos trabalhadores e desempregados das cidades. A divisão dos latifúndios em pequenas fazendas ligou as camadas rurais da população ao ZANU-PF, mas condenou terras agrícolas anteriormente produtivas à agricultura de subsistência enquanto a propriedade coletiva da terra poderia ter sido uma alternativa mais produtiva.

As potências imperialistas revidaram às expropriações de terra e à repressão do MDC com sanções brutais em 2002 e 2008. Mugabe investiu na “política de aproximação com o leste” em 2003, procurando investimentos e mercados alternativos, especialmente na China e na Rússia. Mas a posição subordinada do Zimbábue em relação às grandes potências imperialistas se reproduziu com seus novos parceiros comerciais, que se apossaram de vastos setores da indústria, da mineração e da produção de bens de consumo. Em vez de facilitar a declarada política de Mugabe de “indigenização”, a economia doméstica sofreu um novo colapso que levou a um déficit comercial astronômico.

A ameaça de Mugabe de ampliar a indigenização às indústrias de extração foi usada por Mnangagwa e pelo Comandante das Forças Armadas, Constantino Chiwenga, para conseguir o apoio de Pequim ao seu golpe palaciano contra Mugabe – com promessas de uma política comercial mais liberal que também se estenderia aos EUA, Grã-Bretanha, etc. Ainda mais importante do que isso, o Zimbábue se colocou no centro de uma disputa travada pelo imperialismo norte-americano contra a China e a Rússia em uma versão contemporânea da partilha da África que ameaça o mundo com uma guerra.

A experiência do Zimbábue é a dos trabalhadores e das massas de camponeses da África do Sul, da Nigéria, da República Democrática do Congo e por todo o continente.

Nenhum destes estados proclamados após a descolonização que se seguiu à 2ª Guerra Mundial obteve genuína independência do imperialismo ou desenvolveu uma economia viável que providenciasse empregos decentes, casas, educação e cuidados com a saúde da população. Em vez disso, promessas de desenvolvimento econômico nacional deram lugar à ação aberta de elites locais em prol de governos imperialistas, corporações transnacionais e bancos.

A classe trabalhadora deve adotar uma estratégia socialista autêntica por oposição à linha política ilusória defendida pelo ZANU-PF. Trotsky, baseado em sua Teoria da Revolução Permanente, opôs-se à perspectiva estalinista dos “dois estágios” em que o caminho para o socialismo se daria através de uma fase retardatária de desenvolvimento democrático burguês, fase esta que teve efeitos desastrosos no caso da África.

Trotsky insistia que, em países com um desenvolvimento capitalista atrasado, a resolução das tarefas democráticas, associadas ao século XIX e às revoluções burguesas (incluindo a unidade nacional e a reforma agrária) está indissoluvelmente ligada à tomada do poder pela classe trabalhadora. Ele deixou claro que o desenvolvimento global do capitalismo, na época do imperialismo, associado ao medo de uma classe trabalhadora já desenvolvida que ameace os seus interesses, inevitavelmente leva a burguesia nacional aos braços das potências imperialistas que já dividiram o mundo entre si.

A efetivação do socialismo deve ser baseada na mesma realidade objetiva da economia global e do caráter internacional da classe trabalhadora. Os trabalhadores do Zimbábue devem lutar para tomar o poder e formar seu próprio estado em aliança com as massas do campo. Mas o sucesso de uma revolução socialista, mesmo se começada em um só país, exige que esta se espalhe pelos países vizinhos da África, só podendo se completar na arena mundial.

A classe trabalhadora deve manter sua independência política de todos os representantes da burguesia nacional e das potências imperialistas – incluindo ambas as facções do ZANU-PF e seu rival MDC, etc. – assim como as federações sindicais que os apóiam. Os trabalhadores avançados e a juventude devem começar a construir uma seção zimbabueana do Comitê Internacional da 4ª Internacional para lutar por um Zimbábue socialista e pelos Estados Unidos Socialistas da África, forjando um movimento unificado pelo socialismo com os trabalhadores dos EUA, da Grã-Bretanha e dos outros estados imperialistas.

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