Ainda que dicas de dietas malucas, comentários sobre os corpos das outras pessoas e vigilância sobre o prato das pessoas gordas, em especial das mulheres, nunca saiam de moda, sendo situações cotidianamente enfrentadas pelas pessoas gordas, essa é a época do ano em que mais violentamente somos atingidas/os por todos os lados - família, amigos, mídia, redes sociais e até um desconhecido que te encontre numa fila ou ponto de ônibus - com instruções sobre como emagrecer.
Acontece que essas dietas restritivas não ajudam a emagrecer, podendo até fazer com que a pessoa perca alguns quilos, mas que logo serão recuperados assim que a dieta acabar; em quase todos os casos - possivelmente em todos - são dietas que prejudicam a saúde, retirando nutrientes necessários para o funcionamento do corpo; e podem gerar compulsões alimentares, debilitando a saúde física e psicológica daquela/e que a faz.
Em qualquer outra sociedade que não fosse a capitalista, seria um absurdo completo que alguém fizesse uma dieta que possa prejudicar sua saúde com o objetivo de ser saúdavel. Isso apenas pode fazer sentido em uma sociedade que se baseia na exploração e opressão para obter cada vez mais lucro, e que portanto, a saúde, o bem-estar, a comida e até mesmo as pessoas viram mercadorias altamente lucrativas.
Da mesma forma a gordofobia tem sido base para o crescimento do bilionário mercado fitness, que assim como a indústria da beleza e do fast food tem no Brasil um dos maiores países nesses mercados no mundo. Com a legitimidade de parte dos profissionais da saúde e com o apoio da mídia, das escolas e de todos os outros meios que a burguesia dispõe para nos educar, é ensinado que saúde é sinônimo de ser magro e que pessoas gordas são necessariamente pessoas doentes, que precisam emagrecer para ter uma vida saúdavel.
Ano Novo, Dieta Nova
As festas de final de ano são espaços privilegiados para a reprodução da gordofobia, estando presente desde os comentários “positivos” de como “fulana emagreceu” e “ficou linda”, e “está bem”, ressaltando o fato de que as pessoas gordas são vistas socialmente como feias e incompletas, pessoas que não estão bem, e comentários “negativos” de como fulana engordou, até os olhares repressivos sobre a quantidade de comida que se coloca no prato.
Entre essas e outras situações opressoras que essas festas podem oferecer sempre aparece as dicas de dietas milagrosas que prometem a perda de vários quilos em pouco tempo. Junto as explicações das dietas surgem relatos do quanto essas dietas são difíceis de seguir, relatos esses que terminam com a conclusão não de que a dieta é violenta ao corpo e sim que faltou força de vontade, foco e dedicação de sua parte, o que será resolvido no próximo ano que está surgindo, já que “emagrecer x quilos” está em quase todas as listas de metas para o próximo ano.
A isso tudo se soma o verão e a necessidade de uma dieta que emagreça rápido porque todas querem ter “um corpo de verão”. Mas no discurso o motivo para querer emagrecer nunca é estético, é sempre “pensando na saúde”, e dessa forma iniciam o ano se punindo com dietas restritivas, odiando seus próprios corpos e enriquecendo os mercados que lucrarão bilhões com essas dietas.
A opressão gordofóbica e o mito da beleza
A opressão gordofóbica se expressa e atinge vários níveis da vida, sendo responsável pela restrição de pessoas gordas em vagas no mercado de trabalho, pela falta de roupas que sirvam em seus corpos, pela falta de assentos em espaços públicos onde possam sentar de maneira confortável, pela rejeição em relacionamentos afetivos, entre outras diversas situações que todas as pessoas gordas no dia a dia.
Um dos aspectos dessa opressão está ligado ao mito da beleza, que estabelece um padrão de beleza inatingível por qual todas devem passar a vida buscando chegar o mais próximo possível. Todas as pessoas que de alguma forma fogem desse padrão - gordas, negras, lgbts - têm seus corpos estereotipados. No caso das pessoas gordas o estereótipo criado em cima de seus corpos é que são preguiçosas, carentes, sujas, sem higiene, lentas e sem saúde.
É esse estereótipo que justifica a recusa de uma pessoa gorda para uma vaga no mercado de trabalho, com o argumento de que “uma pessoa preguiçosa não poderá ser uma boa funcionária”. Da mesma forma esse estereótipo, que educa a forma como olhamos e nos relacionamos com pessoas gordas, é responsável por criar uma noção de que ser gordo é a pior punição que alguém pode receber, sendo necessário fugir a todo custo dessa possibilidade.
Essa noção de saúde e beleza, que tem um sinal de igual com a palavra magra faz com que estejamos sempre numa verdadeira corrida contra a balança, acreditando que sempre é necessário perder alguns quilos para atingir o “corpo ideal”.
Em relação às pessoas gordas, é somado ao sentimento de culpa e incapacidade de atingir o padrão de corpo magro, visto que nos é ensinado que o único motivo para sermos gordas é o fato de sermos preguiçosas e relaxadas. Em outras palavras, uma cultura que ensina que “bom” e “certo” é ser magro e gera um sentimento de culpa em todos que não atingem esse padrão, e portanto, estão “maus” e “errados”.
Dessa forma a gordofobia oprime com atos, palavras e olhares punitivos e permite com que o mercado exerça domínio sobre nossos corpos, reprimindo quem somos e nos levando a uma busca incansável por aquilo que nunca vamos ser.
A manutenção desse domínio interessa tanto ao capitalismo, pois é essa cultura gordofóbica, racista e machista que nos adoece e nos faz querer negar nossos próprios corpos que tem gerado lucros bilionários à indústria da beleza, à indústria farmacêutica e ao mercado fitness.
Além dos lucros bilionários, o que os mercados fitness e do fast food têm em comum?
Como quase tudo em nossa cultura está ligado ao consumo, a comida se torna mercadoria, que é, portanto, vendida como tal, deixando de ter como principal objetivo nutrir o corpo, e passando a ter como principal objetivo atender às necessidades do mercado - gerar lucro. Dessa forma, somos bombardeados diariamente, desde muito pequenos, com propagandas de comidas, nem sempre saudáveis, mas que prometem a sensação de bem-estar e felicidade.
Junto a essas propagandas se soma a falta de uma educação alimentar preocupada com nossa saúde e não com o nosso peso, a falta de um cardápio balanceado nas merendas das escolas, falta de tempo para se alimentar com mais qualidade, a dificuldade de acesso a alimentos sem agrotóxicos e hormônios, a quantidade de carne e açúcar que somos educados a consumir, entre outras coisas que nos empurram para uma alimentação mais rápida e nem sempre saudável.
Ao mesmo tempo somos ensinadas que o corpo bom, bonito, higiênico, passível de amor e de desejo é o corpo magro. E somos igualmente bombardeadas com propagandas de dietas, de produtos de beleza, de academias, de outras formas de consumir para ter um “corpo saudável”- leia-se magro - e dessa forma conquistar o bem estar e a felicidade.
Em nenhum dos dois casos a preocupação é a saúde. Nem o dono do fast food gorduroso e cheio de glicose está preocupado com a saúde dos consumidores, nem o dono daquele restaurante fitness todo verde que vai te vender um sanduíche natural está preocupado com a saúde dos consumidores. Possivelmente nem se importam que esse ciclo gere compulsões e doenças, desde que continuem consumindo.
Não é a tôa que o mercado do fast food está entre os que mais crescem, junto com a indústria da beleza e mercado fitness. Só em 2017 as redes de fast food lucraram R$50 bilhões e a previsão para 2018 é um lucro de R$75 bilhões. Igualmente a indústria da beleza e o mercado fitness vem gerando lucros bilionários para os capitalistas, sendo que a indústria da beleza no Brasil é a terceira maior do mundo, movimentando R$15,4 bilhões por ano. O Brasil tem também o maior mercado em cirurgias plásticas do mundo. Está em segundo lugar no que diz respeito ao mercado de academias, e o mercado fitness teve um faturamento de 2,4 bilhões de dólares, tendo no país até 2017 um número de 6.000 franquias relacionadas a vida saudável, como academias, restaurantes, vestuários e calçados, correspondendo a 8% do total de franquias no Brasil.
Dessa forma, o que pareceria incompatível tornam-se peças de uma mesma máquina que trabalha para a produção de mais dinheiro para o bolso dos burgueses e a cultura gordofóbica passa a ser base por onde se alicerça essa engenhosa máquina.