Reproduzimos aqui um artigo de Hugo R. C Souza, publicado originalmente em 2008, sobre a chamada “trilogia revolucionária” de Eisenstein: A Greve (1924), O Encouraçado Potemkin (1925) e Outubro (1928).
A Greve
A trilogia começa com Eisenstein valendo-se de palavras do próprio Lênin para compor a epígrafe de A Greve:
"A força da classe trabalhadora é a organização. Sem a organização das massas, o proletariado é nada. Organizado, é tudo. Estando organizado significa que está unido para a ação, unido para a atividade prática".
E é disto mesmo que o filme trata, como o nome e a epígrafe já não deixam confundir. Eisenstein realiza aqui uma obra na qual se propõe a expor as minúcias do desenrolar de um ato revolucionário, tendo como pano de fundo uma greve numa fábrica russa desencadeada pela morte de um operário injustamente acusado de roubo.
Exalta-se a organização e a união para a luta, mas o cineasta se concentra também nas advertências sobre a repressão e o oportunismo, que ainda hoje constituem as principais armas da burguesia contra a força das massas.
É durante as filmagens de A Greve que Eisenstein desenvolve o que ficou conhecido como a "teoria da tipagem", que consistia na escolha de atores com rostos e tipos físicos que fossem verdadeiramente representativos do povo, que carregassem a fisionomia e a expressão do trabalhador comum.
O cineasta rejeitou assim a utilização de atores maquiados. A opção tem um claro sentido ideológico: fazer com que o público se sentisse mais próximo dos protagonistas — protagonista do filme, protagonistas da História — que afinal eram mulheres e homens do proletariado.
Por outro lado, neste filme Eisenstein apresentou os rostos dos diversos agentes da polícia e dos espiões da burguesia se sobrepondo a imagens de macacos, cães, raposas e corujas. Os burgueses, aliás, são ridicularizados em seu estereótipo clássico: aparecem sempre fumando charutos, bebendo uísque e muito gordos.
A identificação era tanta que, em algumas exibições de A Greve na Rússia revolucionária, o público se levantava enfurecido nos locais de projeção, indignado com a repressão policial ao povo durante os anos do czarismo, brilhantemente retratada por Eisenstein.
O filme é tido como a primeira criação revolucionária do cinema — nas palavras usadas ainda na época pelo jornal russo Pravda.
O Encouraçado Potemkin
É considerado o maior filme de todos os tempos. Foi realizado por Eisenstein com o apoio dos líderes da Revolução e com o propósito de comemorar os 20 anos dos levantes proletários de 1905 contra o czarismo.
Eisenstein mostra como, naquele ano, os marinheiros do encouraçado "Príncipe Potemkin Tavritcheski" estavam fartos de serem maltratados pela oficialidade do czar.
Era-lhes dada comida estragada, ainda que o médico do navio insistisse para que os homens a comessem. Em certo momento, alguns se recusaram, e os oficiais ordenaram sua execução. Sob muita tensão, os marinheiros são alinhados para o fuzilamento, os guardas engatilham suas armas e é dada a ordem para os disparos.
Neste instante, um dos marinheiros grita: "Irmãos! Vocês sabem contra quem disparam?!", e em seguida pede que decidam de que lado estão. Os guardas hesitam por um momento, mas depois baixam suas armas. É quando um oficial tenta arrancar o rifle das mãos de um deles, provocando um motim no navio. A batalha não tarda a ser ganha por marinheiros e guardas unidos contra a oficialidade czarista.
A sequência de quatro minutos, retratando a chacina levada a cabo pelas forças da ordem nas escadarias da cidade de Odessa, é um dos maiores ícones da história da arte revolucionária e do cinema mundial como um todo. As tomadas do carrinho de bebê desgovernado pelos degraus abaixo influenciou cineastas de todas as estirpes ao longo de todo o século 20.
Outubro
O terceiro filme da trilogia foi produzido dois anos depois de O Encouraçado Potemkin, por ocasião das comemorações pelos dez anos de aniversário da Revolução de Outubro. O trabalho ficou a cargo de um grupo de diretores soviéticos liderados por Eisenstein.
Neste filme, o grande personagem principal, o protagonista indiscutível, é o seu próprio tema: a tomada do poder pelo proletariado russo em 1917. É o conceito do "personagem coletivo".
Muitos consideram Outubro a obra suprema de Eisenstein, principalmente aqueles que atentam para a genialidade das novas técnicas de montagem e enquadramento utilizadas no filme, além da impressionante inventividade de suas metáforas e comparações. É célebre a cena em que Kerenski aparece com uma cauda de pavão. Membro da social-democracia que ajudou a derrubar o czarismo e líder do governo provisório instituído com a Revolução de fevereiro, Kerenski era famoso por sua vaidade.
Mas foram outras duas cenas que marcaram Outubro para sempre. Em uma delas, uns relógios marcavam a hora local de diversas capitais de todo o mundo. Isto até o momento em que acontece a Revolução, quando os ponteiros de todos eles começam a girar rapidamente até alcançarem o horário russo. Trata-se de uma alusão de Eisenstein ao protagonismo da Revolução de Outubro e da urgência das Revoluções Comunistas em escala mundial.
Na outra cena preponderante do filme, Eisenstein retrata magistralmente os dramáticos confrontos entre a burguesia e o proletariado durante os três dias das Jornadas de Julho, quando em 1917 pela primeira vez os operários tentaram tomar o poder com as próprias mãos na então cidade de Petrogrado — mais tarde rebatizada de Leningrado. Na ocasião, os burgueses mandaram levantar as pontes sobre o rio Neva que separavam o centro da cidade dos bairros operários. As imagens de um cavalo morto, pendurado em uma delas, balançando enquanto a ponte se ergue e finalmente caindo na água, são um marco na história do cinema mundial.
Muitos dos que lutaram na Revolução de Outubro aparecem no filme: guardas vermelhos, soldados e marinheiros. Na época das filmagens, Leningrado era a mesma dos anos em que se desenrolaram os acontecimentos retratados na obra, do Palácio de Inverno aos corredores do Smolny — o quartel general dos bolcheviques.
Da pré-estréia em Leningrado às exibições públicas posteriores, o público da Rússia revolucionária saudou Outubro como uma verdadeira obra-prima.