Antigamente os traços no estilo de animação dos animes apresentavam uma certa padronização, uma espécie de metáfora visual onde os personagens possuem olhos grandes, traço simplificado e forte expressividade emocional. Isto pode ser observados em séries clássicas como Evangelion ou Cavaleiros do Zodíaco. Mas não é mais uma regra, pois muitos trabalhos, atualmente, beiram a perfeição em termos de movimentos e qualidade de animação.
Outra marca da animação japonesa é o sucesso dos dubladores ou seiyus, os quais possuem uma legião de fãs e, de fato, algumas interpretações são impressionantes (sugiro, sempre, acompanhar o trabalho de Koky Uchiyama em “Charlotte” e de Tomokazu Sugita, o ótimo Kyon, em “O Desaparecimento de Hurahi Suzumiya”).
Embora o carro-chefe das animações japonesas sejam as séries, muitos filmes hoje são conhecidos no mundo inteiro. Além da animação em si, destaca-se a excelência dos roteiros. Mesmo que o país tenha ganhado apenas 1 Óscar de animação, com Sen To Chihiro No Kamikashi (ou A Viagem de Chihiro), o trabalho dos animadores possui enorme reconhecimento e valorização no próprio país, ao ponto de Kimi No Na Wa (2015) apresentar o maior público da história dos cinemas japoneses. Existe uma grande expectativa com relação à Kimi no Suizou Wo Tabetai, um verdadeiro espetáculo visual que, infelizmente, ainda não chegou no Brasil.
Aqui vamos destacar os trabalhos dos três grandes diretores do cinema de animação japonesa: Hayao Miyazaki, Makoto Shinkai e Satoshi Kon. Todos fundamentais e imperdíveis para quem gosta de cinema de qualidade.
1 – Satoshi Kon
Morte em 2010, com apenas 46 anos, talvez seja o menos badalado pelo mercado do cinema, mas o seu trabalho é impecável e reconhecido por vários gênios do cinema. A sua obra inclui desde dramas intensos, como Millenium Actress (2001), a filmes de mistério e ação, como Perfect Blue.
Uma das marcas do trabalho de Kon é o perfil mais adulto dos roteiros, com estilos como drama, sci-fi, thriler e slice-of.
Perfect Blue (1997) é o maior exemplo deste perfil, narrando a vida da personagem principal que tenta mudar de profissão, deixando o mundo da música para virar atriz, o que acaba promovendo a perseguição por pessoas descontentes. É muito difícil, ao longo da animação, definir o que é verdadeiro ou apenas ilusão na mente da protagonista. Segundo Darren Aronofsky, o filme também influenciou muitas das suas obras, especialmente as oscarizadas Cisne Negro e Réquiem para um Sonho.
Mas Aranofsky não foi o único cineasta americano influenciado por Satoshi Kon. Christopher Nolan também é fã do trabalho de japonês e se inspirou em Paprika (2006) para a produção do roteiro de duas das suas principais obras: Memento e Inception.
Além destas, é inegável a qualidade de Tokyo Godfathers (2003), também considerado um verdadeiro “soco no preconceito”, em roteiro que narra a estória de três sem-teto, um dos quais travesti, quando estes encontram uma criança abandonada nas ruas da capital japonese, na véspera do Natal. Preocupadas com a sobrevivência do menor, partem numa jornada em busca dos verdadeiros pais.
2 – Hayao Miyazaki
Aos 77 anos e se autodefinindo como aposentado, Miyazaki é considerado como o grande mestre da animação japonese, único vencedor do Óscar, de vários outros prêmios e influenciador de toda uma geração de animadores.
Em 1979 ele dirigiu “O Castelo de Cagliostro”, um trabalho impressionante para a época em que foi produzido e, em 1984, Kaze No Tani No Naushika (Nausicãa: o Vale do Vento), tido como um divisor de águas para o seu futuro trabalho nos Studios Ghibli, por ele fundado em conjunto com Isao Takahata. Esta obra também é um marco por levantar a temática ambiental no cinema de animação, muito antes do tema entrar na agenda política internacional de forma efetiva.
O seu filme mais famoso é o oscarizado “A Viagem de Chihiro” (2001). Contudo também merecem destaque Tonari No Totoro (1988), Mononoke Hime (1997), Hauru No Ugoku Shiro ou O Castelo Animado (2004) e Kaze Tachino(Vidas ao Vento, 2013), todos classificados entre as 50 maiores animações de todos os tempos pelo IMDB e os dois últimos também indicados ao Óscar de Animação.
Embora possamos classificar A Viagem de Chihiro como uma metáfora sobre a transição da infância para a maturidade e Vidas ao Vento como um slice-of adulto, uma das marcas do cinema dos Studios Ghibli é a fantasia e um corte mais juvenil nos roteiros, especialmente se fizermos um comparativo com o material produzido por Satoshi Kon.
3 – Makoto Shinkai
É considerado o maior cineasta de animação do Japão em atividade, embora tenha apenas 45 anos. Também é chamado de novo Miyazaki, pois busca a perfeição nas suas obras, mas existem diferenças substanciais no trabalho de ambos.
Makoto Shinkai é o diretor de Kimi No Na Wa (2015), maior público da história do cinema japonês, filme que consegue transformar o clichê da troca de corpos em algo profundo, que balança as emoções de quem assiste.
Aliás, dois traços do trabalho de Shinkai são a profundidade emocional dos roteiros e a beleza artística da animação. Além do filme já citado, outros dois grandes exemplos 5 Centimeters Per Second (2007) e Kotohoha No Niwa (2013). Ambos são dramas-romance com personagens realistas, que sofrem e passam pela transição de fases na vida, outra marca do trabalho de Shinkai, inclusive em Kimi No na Wa que, diferente dos outros filmes, também é uma obra de ficção científica.
Drama e romance, com ficção científica, também é o perfil de Kumo No Muko, Yakusoko No Basho (2004), a primeira obra de destaque do cineasta. Ao contrário de Miyazaki, que privilegiava o trabalho artístico manual, é possível perceber uma presença maior de tecnologia nos filmes de Shinkai, mais como um elemento que amplia a fluidez da animação, o que permite um realismo impressionante em todos os filmes.
4 – Extra: Naoko Yamada
Naoko Yamada é uma diretora tradicionalmente ligada a Kyoto Animations, sendo a responsável pelo sucesso de público e crítica K-ON. Embora tenha apenas um trabalho no cinema, é o impecável Koe No Katashi (2014). O filme narra uma estória de amor e redenção envolvendo uma menina surda e um rapaz que apresentava um comportamento nada adequado, na infância, inclusive perseguindo a protagonista. Com a chegada da maturidade, ambos trabalham para exorcizar os seus fantasmas, o que acaba nos proporcionando uma das melhores obras do gênero, motivo pelo qual referenciá-la é algo obrigatório.