A mais nova cartada dos grandes meios de comunicação, alinhados à política internacional estadunidense, foi apresentar supostos passaportes brasileiros de Kim Jong Un e seu pai Kim Jong Il para acusá-los de um exótico interesse que, na narrativa midiática, fica entre "conhecer a Disney" e "fugir do próprio país". Todo esse circo sensacionalista, assim como dezenas de outras "notícias" que a precederam, tem como objetivos: a) desviar o foco das atenções referentes à península coreana, eclipsando a, ainda em curso, vitória diplomática da Coreia Popular na reaproximação com o governo sul-coreano (comentada a seguir) ; e b) sujar a imagem desse país numa conjuntura em que se mostraram nitidamente os verdadeiros defensores da paz.
Toda essa narrativa da imprensa parte, aliás, de um pressuposto equivocado e com fins de distorção, ignorando que a Coreia é e sempre foi uma só nação. A divisão entre uma Coreia "do Norte" e outra "do Sul" é resultado direto da invasão estadunidense na parte sul da península no término da Segunda Guerra Mundial, quando se sufocou os conselhos populares (surgidos na luta contra o Japão e que, no norte, se tornaram Estado - como os sovietes na Rússia socialista) e instalou-se no poder uma ditadura militar liderada por Syngman Rhee (que vivera até então metade de sua vida nos EUA), responsável por ordenar o assassinato de 100 mil comunistas e partidários da reunificação em um só golpe (incluindo crianças de dez anos de idade). A nação coreana, em nível étnico, cultural e territorial tem cerca de cinco milênios de história; um Estado unificado, entendido como "Coreia", mais de mil anos. A Coreia é uma só nação e quem se comporta como elemento estranho e alienígena, mantendo a divisão desde o final da II Guerra Mundial, é o Estado sul-coreano construído com a intervenção do imperialismo estadunidense.
Dessa forma, ao contrário do que o tom da imprensa hegemônica dá a entender, não deveria haver nenhum ar de surpresa diante do atual processo de reaproximação. E, muito menos, espanto com a Coreia do Norte por sua postura favorável ao processo. Há décadas, desde seu fundador Kim Il Sung, que os coreanos do norte trabalham ardorosamente pela reunificação da nação coreana, propondo, inclusive, um regime de tipo federativo em que possa prevalecer o esquema de "um país, dois sistemas"; aceitando, portanto, até mesmo o direito do Sul manter sua estrutura básica numa futura pátria reunificada (ao mesmo tempo que, no Norte, não abrem, corretamente, mão do socialismo).
Portanto, é fundamental considerar que a Coreia Popular sempre trabalhou, de todas as formas possíveis, pela paz e pela reunificação da nação coreana. O elemento novo na conjuntura não vem, então, de nenhuma mudança "surpreendente" numa suposta "belicosidade" do Norte, mas sim da correlação de forças na Coreia do Sul após a derrubada da presidenta Park Geun Hye e da extrema direita nacional. A imprensa, demais setores da direita e papagaios mal ou bem intencionados repetem insistentemente que a Coreia Popular é uma ameaça à paz por conta de sua firmeza política e seu programa nuclear. Nada, então, melhor do que a prática para mostrar quem tem de fato razão. E a prática mostrou, num período de poucos anos, como o governo norte-coreano está correto ao se cacifar de forma política e militar para negociar de igual para igual com qualquer força no mundo; conquistando, assim, os elementos necessários para caminhar no rumo da paz e da reunificação da nação coreana sem fazer qualquer concessão à ingerência imperialista. Kim Jong Un, em pouco tempo de governo, cumpriu sua promessa de "domar com fogo o maníaco estadunidense" e deu um xeque no imperialismo e seus adversários. Como um mestre de xadrez, fez da Coreia Popular uma fiadora da paz ao colocar no adversário a responsabilidade de responder à altura. A questão que fica agora é: responderão, estes, à altura em prol da paz? Trump aceitará o convite para discutir o fim das hostilidades contra o povo coreano? Se não, até quando os "bem intencionados" perpetuarão a hipocrisia e continuarão a atacar a Coreia Popular e seus apoiadores? No xadrez não existe cinza. É preciso ter um lado.
* Mestre em História (PPGHC-UFRJ)