2500 anos mais tarde, os EUA vêem a sua hegemonia política e económica posta em causa pela emergência de novas Atenas. Com o que Tucídides não poderia ter sonhado é que a inevitabilidade da guerra se converteria na forma permanente da nossa sociedade, o imperialismo enquanto fase final do capitalismo.
A mais recente agressão do imperialismo contra o Irão e o Iraque revela dramaticamente essa inevitabilidade. Nenhum perito consegue explicar qual é a estratégia de Trump. Para além de uma cortina de fumo entre os eleitores e os escândalos domésticos que enfrenta, a provocação ao Irão parece evadir qualquer razoabilidade militar. Um sinal para os povos que não se submetem? Uma manobra de diversão para ofuscar o impeachment e ganhar as eleições? Uma tentativa de saquear recursos naturais? Pura incompetência? Mesmo dentro do aventureirismo que sempre caracteriza o imperialismo, a conduta errática e desnorteada da Casa Branca, que chegou ao ponto de anunciar «por erro» a retirada das tropas de ocupação do Iraque para logo a seguir se retratar, tem algo de extraordinário, cujo significado histórico se tornou visível à luz do dia.
Trump afastou da sala oval praticamente todas as altas patentes com experiência militar e é agora aconselhado por intelectuais neoconservadores como Mike Pompeo, cujas jogadas bélicas se baseiam em espasmos de apostador. A disponibilidade de Teerão para negociar com Washington não foi apenas ignorada, foi interpretada como um sinal de debilidade, obrigando os iranianos a abandonar a política da contenção militar e da prudência diplomática. A inevitabilidade da guerra imperialista ultrapassou irreversivelmente os limites da lógica.
Ao cruzar esse Rubicão, metade do mundo, incluindo o Irão, a China e a Rússia, é forçado a jogar um jogo de xadrez contra um adversário com peças invisíveis, pelo que até o mais prudente movimento de peão pode desembocar num xeque de consequências imprevisíveis. Eis a ameaça de Trump ao mundo: a terceira guerra mundial pode começar a qualquer hora e por qualquer razão se a submissão não for total.
É provável que os austro-húngaros não soubessem a 23 de Julho de 1914 que o seu ultimato à Sérvia desencadearia a Primeira Grande Guerra. É provável que Hitler não soubesse a 1 de Setembro de 1939 que a invasão da Polónia desencadearia uma segunda guerra com as mesmas potências que mesmo antes lhe ofereceram a Checoslováquia. E é certo que Trump, em 2019, nem esteja minimamente preocupado se a terceira guerra começa numa reunião em Lisboa, num aeroporto de Bagdade ou em qualquer outra parte do mundo porque, afinal, é ele o dono da armadilha de Tucídides.