No Forum Social Mundial de Salvador, na Bahia, milhares de pessoas foram às ruas "em nome da democracia": o movimento feminista, Vidas Negras Importam, Ambientalistas, Organizaçao de Povos Originários, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), Organizações da Juventude, LGBT entre outros.
No âmbito do 13º Fórum Social Mundial, eles marcharam sob o lema:
"Resistir é criar, Resistir é transformar"
Minha pergunta:
RESISTIR A QUEM?
Os líderes e organizações do Forum Social Mundial (FSM) de Salvador, na Bahia, encontram-se diante de uma negação persistente. Certamente nesta altura já deveriam reconhecer que o encontro no FSM – incluindo despesas de viagem – é financiado pelos mesmos interesses corporativos que são o objeto de "RESISTÊNCIA" política e social generalizada e de dissenções.
Como isso é conveniente. As corporações estão a financiar dissidentes tendo em vista o controle desses mesmos dissidentes e os organizadores do FSM são cúmplices.
"O movimento anti-globalização opõe-se à Wall Street e às gigantes petrolíferas do Texas controladas por Rockefeller e outros. Contudo, as fundações e instituições filantrópicas de Ford, Rockefeller etc generosamente financiarão redes progressistas anti-capitalistas bem como ambientalistas (opositores da Wall Street e do Big Oil), etc. tendo em vista, em última análise, supervisionar e moldar suas diversas atividades." (M. C, 2016)
Dizem que o FSM transformou movimentos progressistas, levando ao que é descrito como a emergência da "Esquerda Mundial". Absurdo. Movimentos progressistas reais foram estilhaçados, em grande medida em resultado do financiamento da dissidência.
O que é esta Esquerda Mundial, será ela um movimento com raízes de base?
Ela em grande medida é composta por "intelectuais de esquerda" e "organizadores". Eles dizem que estão a combater o neoliberalismo.
Mas o seu FSM é, em grande medida, "financiado pelo neoliberalismo".
As pessoas que participaram do FSM não sabiam que o dito "RESISTIR" AO CAPITALISMO GLOBAL é financiado pelo "CAPITALISMO GLOBAL".
Elas foram enganadas pelos organizadores do FSM.
Por outras palavras, apesar de o logo do FSM – Resistir para Transformar – ser significativo, na prática é também redundante.
Reparações coloniais foram abordadas na reunião do FSM de 2018 em Salvador, no Brasil.
O tema das reparações no FSM de 2018 em Salvador da Bahia foi tratado no workshop Reparações ao Colonialismo, na Assembleia Mundial de Resistência dos Povos, Movimentos e Territórios, e na Ágora dos Futuros. Nestas atividades, participaram algumas centenas de pessoas, muitas das quais representativas de outras organizações. Neles foi abordada a situação quanto às reparações nos últimos anos, tentando identificar acções mais promissoras para o futuro.
A quem deveriam ser dirigidos estes pedidos de reparação colonial?
Às corporações e os governos ocidentais (antigas potências coloniais) que generosamente financiaram tanto o encontro do FSM como as ONG participantes estão habitualmente envolvidos num processo de destruição social neocolonial e de pilhagem de recursos, para não mencionar a guerra.
Quando o FSM foi realizado em Mumbai, em 2004, a comissão hospedeira indiana corajosamente confrontou os organizadores do FSM e recusou o apoio da Fundação Ford (a qual é ligada à CIA). Isto, só por si, não modificou o relacionamento do FSM com as corporações doadoras. Apesar de a Fundação Ford se ter retirado formalmente, outras fundações posicionaram-se ao lado do ministro do Desenvolvimento Estrangeiro de Tony Blair.
Tornar o mundo seguro para o capitalismo
Nesse aspecto, a Fundação Ford reconhece francamente seu papel no "financiamento da resistência e dos dissidentes":
"Tudo que a Fundação [Ford] fez poderia ser considerado "tornar o mundo seguro para o capitalismo", reduzindo tensões sociais através da ajuda para confortar os aflitos, proporcionando válvulas de segurança aos irados e melhorando o funcionamento governamental (McGeorge Bundy, Conselheiro de Segurança Nacional dos Presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson (1961-1966), Presidente da Fundação Ford (1966-1979).
O movimento anti-guerra esteve notoriamente ausente no FSM de Salvador em 2018.
Sob a bandeira "Contra a militarização e as guerras", este FSM de Salvador publicou uma declaração inócua:
Na condição de parlamentares e representantes das forças progressistas internacionalistas, estamos preocupados com o imenso desperdício de recursos na recente onda de militarização global e com os crescentes orçamentos militares de muitos países de todo o mundo. Leia o texto completo, aqui .
SIM, GUERRAS SÃO CARAS. Apesar de "o desperdício de recursos" ser importante, por que não mencionar os nomes "dos países" que ameaçam a paz mundial (i.e. EUA, estados-membros da NATO, Israel, Arábia Saudita), sem deixar de mencionar os milhões de pessoas que têm sido mortas como resultado das guerras lideradas pelos EUA-NATO?
Na narrativa acima NÃO HÁ "RESISTÊNCIA" alguma. O texto evita cuidadosamente mencionar os nomes dos países (EUA, NATO), que são os líderes destas guerras imperiais de conquista económica e destruição social.
Não é preciso dizer que as vítimas dessas guerras (i.e. Iraque, Síria, Iémen etc), assim como os interesses corporativos por trás das mesmas, não são identificados.
RESISTIR não se aplica às guerras lideradas pelos EUA na Síria, Iraque, Ucrânia, Iémen. Na verdade, parece que o tema das guerras lideradas pelos EUA-NATO não é objecto de debate e discussão nos workshops do FSM .
Mosaico de workshops na FSM
Os mecanismos da "dissensão manufacturada" exigem um ambiente manipulador, um processo de pressão e cooptação subtil de um pequeno número de indivíduos chave dentro de "organizações progressistas". Muitos líderes dessas organizações têm, em certo sentido, traído suas bases.
O que prevalece é um mosaico de workshops . Os activistas sociais que participam do FSM têm sido enganados. Estes workshops não ameaçam a ordem imperialista mundial. Eles constituem [apenas] um ritual de discordância e resistência.
O mosaico das diferentes oficinas do FSM, a ausência relativa de sessões plenárias, a criação de divisões dentro e entre os movimentos sociais, sem mencionar no final das contas a ausência de uma plataforma coesa e unificada, servem os interesses das elites corporativas da Wall Street que estão generosamente a financiar o encontro da FSM.
A agenda corporativa não declarada é "fabricar dissidência". "Os limites desta dissidência" são estabelecidos pelas fundações e governos que financiam esse encontro multimilionário do FSM.
O mosaico de workshops é imposto por aqueles que financiam o FSM. O formato dos workshops não constitui uma ameaça ao capitalismo global. Muito pelo contrário.
O financiamento do FSM
Esta seção é baseada sobretudo num artigo anterior publicado em 2016 , referente ao 12º FSM realizado em Montreal naquele ano. No entanto, os acordos do financiamento referentes ao FSM de Salvador, Bahia, são amplamente semelhantes, dependentes das mesmas entidades doadoras.
O FSM é apoiado por um consórcio de fundações corporativas sob a supervisão de um leque de Doadores comprometidos com a igualdade global (Engaged Donors for Global Equity, EDGE). Para mais pormenores, ver Michel Chossudovsky 2016 .
Esta organização, anteriormente conhecida como Rede de financiadores sobre comércio e globalização (The Funders Network on Trade and Globalization, FTNG), tem desempenhado um papel central no financiamento de sucessivos eventos do FSM. Desde o início, em 2001, possuía status de observador no Conselho Internacional do FSM.
Em 2013, o representante dos Irmãos Rockefeller (Rockefeller Brothers Fund). Tom Kruse, co-presidiu o comité de programa da EDGE.
Kruse era responsável no Rockefeller Brothers Fund pela "Governação Global" através do programa "Prática Democrática". As doações dos Rockefeller para ONGs são aprovadas pelo programa "Fortalecendo a democracia na governação global" (Strengthening Democracy in Global Governance), muito semelhante àquele apresentado pelo Departamento de Estado dos EUA.
Um representante da Open Society Initiative for Europe actualmente (2016) faz parte do Conselho de Administração da EDGE. O Wallace Global Fund também consta em seu Conselho de Administração. O Wallace Global Fund é especializado no fornecimento de apoio a ONGs "correntes" e "media alternativos", incluindo a Amnistia Internacional, Democracy Now! (que apoia a candidatura de Hillary Clinton à Presidência dos EUA). Michel Chossudovsky, 2016 .
Num dos seus documentos chave (2012), intitulado Financiadores da aliança em rede para apoio à organização de base e à construção de movimento ( Funders Network Alliance In Support of Grassroots Organizing and Movement Building a EDGE reconhecia seu apoio a movimentos sociais que desafiavam o "fundamentalismo neoliberal de mercado", incluindo o Fórum Social Mundial fundado em 2001:
"Desde a revolta zapatista em Chiapas (1994) à Batalha de Seattle (1999) e à criação do Fórum Social Mundial em Porto Alegre (2001), os anos TINA (There Is No Alternative , "Não há alternativa") de Reagan e Thatcher foram substituídos pela crescente convicção de que "um outro mundo é possível". Contra-conferências, campanhas globais e fóruns sociais têm sido espaços cruciais para articular lutas locais, compartilhar experiências e análises, desenvolver conhecimento especializado e construir formas concretas de solidariedade internacional entre movimentos progressistas por justiça social, económica e ecológica".
Mas, ao mesmo tempo, há uma contradição óbvia nisso tudo: outro mundo não é possível quando a campanha contra o neoliberalismo é financiada por uma aliança de doadores corporativos firmemente comprometidos com o neoliberalismo e com a agenda militar dos EUA-NATO.
Os limites da dissidência social são assim determinados pela "estrutura de governação" do FSM, a qual no início de 2001era tacitamente acordada com as agências de financiamento.
"Não há líderes"
O FSM não tem líderes. Todos os eventos são "auto-organizados". A estrutura do debate e do activismo é parte de um "espaço aberto" (ver Francine Mestrum, The World Social Forum and its governance: a multi-headed monster , CADTM, 27 de abril 2013).
Esta estrutura compartimentada é um obstáculo para o desenvolvimento de um movimento de massa articulado e significativo.
Que forma melhor do que essa parae controlar a dissensão popular contra o capitalismo global?
Garantir que seus líderes possam ser facilmente cooptados e que as bases não desenvolvam "formas de solidariedade internacional entre movimentos progressistas" (para usar as próprias palavras do EDGE), o que pode minar de modo significativo os interesses do capital corporativo.
O mosaico de workshops dispersos do FSM, a relativa ausência de sessões plenárias, a criação de divisões dentro e entre movimentos sociais, sem mencionar a ausência de uma plataforma coesa e unificada contra as elites corporativas da Wall Street, contra a falsa "Guerra ao terrorismo mundial" patrocinada pelos EUA, que tem sido utilizada para justificar as "intervenções humanitárias" dos EUA-NATO (Afeganistão, Síria, Iraque, Iémen, Líbia, Ucrânia, etc).
O que acaba por prevalecer é um ritual de dissensão que não ameaça a Nova Ordem Mundial. Os que comparecem ao FSM vindos das suas bases são muitas vezes enganados pelos seus líderes. Activistas que não compartilhem o consenso do FSM acabarão por ser excluídos:
"Ao providenciar financiamento e estrutura política para muita gente preocupada e dedicada que trabalha no sector sem fins lucrativos, a classe dominante consegue cooptar a liderança das comunidades de base, ... e é capaz efectuar o financiamento, contabilização e avaliação do trabalho tão consumidor de tempo e oneroso que nestas condições o trabalho de justiça social torna-se virtualmente impossível" (Paul Kivel, You Call this Democracy, Who Benefits, Who Pays and Who Really Decides, 2004, p. 122)
No entanto, "outro mundo é possível" é um conceito importante pois caracteriza a luta dos movimentos populares contra o capitalismo global, bem como o compromisso dos milhares de activistas comprometidos que agora participando do FSM de Montreal, 2016.
O activismo está sendo manipulado: "Outro mundo é possível" não pode ser alcançado sob os auspícios do FSM que, desde o início, foi financiado pelo capitalismo global e organizado em estreita ligação com seus doadores corporativos e governamentais.
EDGE Board of Directors , (2018)
O Conselho de Administração da Edge (The Edge Board of Directors) inclui representantes de grandes fundações e instituições de caridade corporativas, incluindo a Fundação Charles Leopold Mayer (Charles Leopold Mayer foundation), a Fundação Ford (Ford Foundation), o Serviço Mundial Judaico-Americano (American Jewish World Service), a Fundação da Sociedade Aberta (Open Society Foundation), entre outros. Ver abaixo: