Este ato de violência desmedida, para sempre inscrito nas páginas cimeiras dos crimes do apartheid, ocorreu na sequência de manifestações contra o aumento das restrições impostas pela lei do passe que, recorde-se limitava a circulação da população negra, e que, no final dos anos 50, se alargava às mulheres.
De Sharpevile até à atualidade o regime do apartheid foi, pelo menos formalmente, abolido e Nelson Mandela, o líder histórico do Congresso Nacional Africano (ANC), foi eleito presidente da África do Sul depois de ter sido libertado de um longo cativeiro. A ONU estabeleceu o 21 de março como dia internacional contra a discriminação racial. Tais progressos foram saudados um pouco por todo o mundo. Contudo, o fim do racismo parece ser uma realidade muito distante, quer na África do Sul, quer no mundo.
Das lições sul-africanas…
O apartheid enquanto sistema de segregação racial surgido em contexto colonial foi instituído no início do século XX tendo-se sedimentado, enquanto sistema de opressão organizada pelo estado, no ano de 1948. O ANC, fundado em 1912, alcandorou-se à posição de força política negra com maior prestígio no combate ao apartheid. Entre 1948 e 1960, o ANC envereda por uma política que privilegia a organização de manifestações de rua. O massacre de Sharpeville representou uma inflexão na tatica do ANC, optando a sua direção pela passagem à clandestinidade e pelo impulsionar de ações armadas.
As mobilizações dos negros sul-africanos, a prisão do líder carismático do ANC em 1962 e o subsequente isolamento internacional ditaram o fim do apartheid no início dos anos 90. As liberdades políticas, a igualdade de direitos entre negros, brancos e asiáticos não foram acompanhadas de alterações económicas que retirassem a propriedade à burguesia branca. Assim sendo, a discriminação racial permanece porque não foram erradicados os fundamentos económicos da sua existência. Como profetizou Steeve Biko, também ele um mártir do antirracismo na África do Sul dos anos 70: «o racismo e o capitalismo são duas faces da mesma moeda».
…à experiência dos Quilombos
O exemplo sul-africano mostra-nos como uma luta contra o racismo que não ponha em causa a forma como a economia e a sociedade, não pode ser consequente, por muito justa e necessária que essa luta seja.
Por outro lado, este processo deve lembrar-nos de outros combates levados a cabo pelos negros ao longo da história e que puseram em causa a classe dominante. Vale a pena, a este propósito, evocar o que representou o surgimento de quilombos no Brasil em plena época colonial sob o signo da escravatura. Os quilombos são áreas muito extensas surgidas no século XVII nas quais se refugiavam escravos fugidos. Nesses locais, estes ex-escravos juntaram-se a brancos pobres e indígenas e organizaram-se sem propriedade privada e longe de qualquer interferência dos antigos senhores ou dos poderes políticos coloniais portugueses. Para além do uso da força, o isolamento dessas comunidades terá ditado o fracasso dessas experiências, para além da ausência das ferramentas teóricas e de um programa que permitisse a construção de um modelo de sociedade alternativo.
Uma luta de raça e classe
É preciso lutar por um modelo de organização de sociedade em que os mais explorados da sociedade, que continuam a ser os brancos trabalhadores e pobres, os negros e os imigrantes, sejam os condutores do seu destino. É necessário resgatar o marxismo enquanto ferramenta de construção dessa sociedade, onde o fim da propriedade privada ditará o fim da exploração.
Só o fim do capitalismo e a construção do socialismo criará os fundamentos da abolição das opressões nas quais se inclui o racismo. Por isso, reafirmamos que a nossa luta só pode ser de raça e classe.