Com o turbilhão de escândalos políticos, o sequestro de crianças e o ruído incessante provocado pelo regime de Trump, poucos perceberam a apresentação de um informe que documenta como o país mais rico da história é também o mais desigual, com o maior índice de pobreza dentro do chamado “mundo avançado”.
No dia 22 de junho, o relator especial da ONU sobre a pobreza extrema, Philip Alston, apresentou seu informe sobre os Estados Unidos no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, onde apontou a existência de 40 milhões de pobres (sendo 18,5 milhões em condições de pobreza extrema) e que desde 1980 a renda média da metade mais pobre da população havia se estagnado, enquanto a do 1% se disparou a níveis inéditos.
O informe detalha outros sintomas dessa desigualdade. Por exemplo, a taxa de mortalidade infantil também é a mais alta do mundo avançado. A taxa de mortalidade entre afro estadunidenses chegou a quase o dobro da taxa de mortalidade da Tailândia. Cerca de 18% das crianças vive na pobreza. Um bebê nascido na China hoje tem expectativa de vida mais longa e saudável que outro nascido hoje nos Estados Unidos.
“Em vez de almejar os compromissos admiráveis dos seus fundadores, os Estados Unidos de hoje têm provado que existe uma relação inversamente proporcional entre a sua riqueza imensa e o seu compromisso com os direitos humanos. Como resultado, abundam os contrastes entre a riqueza privada e a miséria pública”, descreve o informe, que classifica o crescimento da pobreza extrema como uma decisão política tomada por aqueles que estão no poder.
O documento acusa o atual regime estadunidense de provocar a deterioração das condições de vida: as políticas promovidas durante o último ano parecem ser desenhadas deliberadamente para remover proteções básicas dos mais pobres, castigar os desempregados e fazer com que os serviços de saúde mais básicos sejam um privilégio pelo qual se deve pagar, e não um direito dos cidadãos.
Na mesma semana, dias antes, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley, desqualificou o informe, indignada porque a entidade teria se atrevido a avaliar o seu país: “é claramente ridículo que a ONU examine a pobreza nos Estados Unidos”. Ela também acusou o relator de fazer um trabalho enviesado e que seu informe foi um “exercício motivado politicamente”. Curiosamente, o governo de Trump justo havia anunciado sua saída do Conselho de Direitos Humanos da ONU – sendo o primeiro país em fazê-lo, desde que este se estabeleceu, em 2006 –, e por isso não estava presente quando Alston e outros abordaram o tema.
O informe de Alston mostra que, entre os países desenvolvidos, os Estados Unidos estão sozinhos em uma visão dos direitos humanos que não incluem o direito a se proteger contra morrer de fome, ou morrer por falta de acesso à saúde, ou a impedir que as crianças cresçam em um contexto de privação total.
Não é o primeiro informe sobre o tema. Durante os últimos anos, foi amplamente documentada a aceleração da desigualdade econômica nesse país, nos governos de ambos os partidos hegemônicos, chegando a níveis sem precedente há um século, e suas consequências antidemocráticas, como resultado da implementação das políticas neoliberais desde os tempos de Ronald Reagan.
Sem levar nada disso em conta, não se pode entender os fenômenos de Trump, ou mesmo o de Bernie Sanders, em outro extremo. A vitória dos fascistas aliados a este regime, assim como o surgimento de uma massa popular que se identifica como socialista, e também as derrotas da cúpula política tradicional, entre outros casos, são consequências desses problemas que o establishment político estadunidense insiste em desconhecer.
Este é o tema fundamental do problema político, social e econômico atual dos Estados Unidos.
Fonte: La Jornada