Em um mundo econômico sensível a qualquer rumor, notícias recentes abalaram a quase sempre frágil confiança no crescimento e alimentaram receios de uma nova recessão. Na semana que passou, a informação de que a economia da Alemanha recuou (-0,1%) no segundo trimestre fez aumentar os temores. “É um termômetro da Europa”, observa o economista Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, há “evidências de desaceleração” global. Ainda que não haja recessão no horizonte, o comércio mundial pode sofrer os impactos desse movimento.
Outro dado recente que provocou inquietação foi o crescimento abaixo do previsto da produção industrial na China. Mas os sinais ainda são incertos. O Banco Mundial revisou sua projeção de crescimento para este ano, agora de 2,6%, ante 2,9% no início de 2019, e abaixo do ano passado. Há pouco, o Fundo Monetário Internacional (FMI) também cortou sua estimativa, para 3,2% – em abril, a diretora-gerente do Fundo, Christine Lagarde, não falou em recessão, pelo menos no curto prazo, mas viu um crescimento “vulnerável”.
Entre os problemas apontados pelos analistas, está a guerra comercial entre China e Estados Unidos, os pesos-pesados da economia global. No início deste mês, o Nobel Paul Krugman escreveu artigo no The New York Times em que fala de implicações “bastante assustadoras” para a economia norte-americana e de outros países. A Organização Mundial do Comércio (OMC) também deve revisar para baixo sua estimativa inicial para o comércio global em 2019.
Dívida e investimento
“A economia mundial continuou a exibir, no segundo trimestre do ano, sinais de desaceleração da atividade econômica, embora a intensidade do processo ainda não esteja clara”, analisa o técnico Paulo Mansur Levy, da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Além da perspectiva incerta em relação ao Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) e das tensões geopolíticas envolvendo sanções ao Irã, houve no período um agravamento do conflito comercial entre Estados Unidos e China”, acrescenta, em artigo para a Carta de Conjuntura do instituto. Levy observa que o comércio internacional cresceu apenas 0,4% de janeiro a abril, em relação a igual período do ano passado – em meados de 2018, a expansão era de 4,1%.
No caso da Alemanha, por exemplo, Mello lembra que o resultado negativo do segundo trimestre reforça um comportamento que já vinha sendo observado nos indicadores de produção industrial. O fraco desempenho no setor de bens de capital, observa, pode ter relação com a demanda por investimento.
O debate atual remete à crise financeira de 10 anos atrás, que se irradiou dos Estados Unidos para o mundo. “A solução (naquele momento) foi de preservar o valor dos ativos financeiros. Logo em seguida, você voltou a ter o crescimento de bolhas financeiras”, diz o professor. O cenário, agora, é de baixo crescimento em um mundo cada vez mais competitivo. “Os Estados Unidos diminuíram o papel de comprar e passaram também a disputar mercado, num mercado que cresce cada vez menos.”
O endividamento, público e privado, cresceu. A disputa comercial tornou-se mais acirrada. Antes da crise, lembra o economista, os Estados Unidos eram o comprador, a China vendia, a Europa crescia atrelada à economia norte-americana. Agora, com mais endividamento e taxas de juros menores, há menos instrumentos para reagir.
No mundo e na economia real, o desemprego e as más condições de trabalho seguem sendo um problema alarmante. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 172 milhões de pessoas não tinham emprego em 2018. A taxa diminuiu, mas há mais de 700 milhões na pobreza, extrema ou moderada, mesmo trabalhando. E 1,1 bilhão estão no mercado de conta própria, muitas vezes sem qualquer proteção social.
Projeto de desenvolvimento
E o Brasil? Nessa disputa violenta por acesso aos mercados, uma disputa também tecnológica, o país adotou uma postura de alinhamento automático com os interesses norte-americanos. Isso “não garante mais espaço no comércio global”, observa Mello. A situação se agrava ao se constatar que não existe um projeto de desenvolvimento nacional. “Como não sabemos o que queremos, é muito difícil. Não sabemos nem quais são os nossos interesses”, afirma. A crença do atual governo parece ser que o livre comércio, por si só, resolverá os problemas, que “a abertura do mercado é automaticamente positiva”.
De janeiro a julho, as exportações brasileiras caíram 4,7% em relação a igual período do ano passado, enquanto as importações recuaram 0,9%. A corrente de comércio teve 3% de retração. Em 2010, ano de maior crescimento da economia do país no período recente, as exportações aumentaram 27%,1%, as importações cresceram 45,1% e a corrente de comércio, 35,1%.
Com seus 12,8 milhões de desempregados, 24,1 milhões de trabalhadores por conta própria (quase 1,2 milhão a mais em 12 meses), 28,4 milhões de subtilizados e 4,9 milhões de desalentados, o Brasil não mostra políticas que possam melhorar a situação do mercado de trabalho. O governo e seus analistas alinhados oferecem apenas a “reforma” da Previdência e a medida provisória da “liberdade econômica”, fazendo previsões de criação de empregos da mesma forma que ocorreu durante a tramitação da “reforma” trabalhista.