Certas pessoas estão a tentar assustar-nos estupidamente com a Rússia e com a 'ameaça' que este país parece representar. A histeria faz-nos lembrar a montagem da guerra do Iraque, quando éramos alertados todos os dias para a 'ameaça' das mortíferas armas de destruição maciça, que – surpresa, surpresa – afinal não existiam.
Podemos passar horas a falar das grandes teorias bombásticas na área da geopolítica e das relações internacionais numa tentativa de explicar porque é que isto está a acontecer.
Mas o que temos que fazer é seguir o 'rasto do dinheiro'. Pensem em quem beneficia financeiramente com todo este alarmismo e logo compreenderão.
Esta semana, The Intercept revelou como os fornecedores da defesa dos EUA têm andado a dizer aos investidores que a alegada 'ameaça russa' é boa para os negócios.
Richard Cody, general do exército reformado, e vice-presidente da L-3 Communications, o sétimo maior fornecedor de defesa, lamentou o facto de que "quando acabou a velha Guerra-Fria, os orçamentos para a defesa sumiram-se Mas agora, uma 'Rússia ressuscitada' significava que " "vinha aí um aumento".
Stuart Bradie, chefe executivo da CBR, também enviou uma mensagem igualmente otimista que falava das "oportunidades" que a atual situação apresenta.
O processo para maiores gastos com a defesa para conter a 'ameaça russa' foi montado por uma série de grupos de reflexão. E sabem que mais? Os mais aguerridos lobistas – perdão, 'grupos de reflexão' – recebem um considerável financiamento dos fornecedores de defesa dos EUA!
The Intercept cita os exemplos do Instituto Lexington e do Atlantic Council.
Mas ainda há muitos outros. Em fevereiro passado, escrevi sobre um instituto político dos EUA, 'não partidário', chamado Center for European Policy Analysis. O CEPA emitiu um documento em que atacava a agência noticiosa russa Sputnik por dar voz a "políticos anti-establishment" que criticavam a NATO.
E quem financia a CEPA 'não partidária'? Os doadores mais recentes incluem o Departamento da Defesa dos EUA, a Boeing, a Raytheon Company, a Textron Systems, a Sikorsky Aircraft, a Bell Helicopter e a Lockheed Martin Corporation.
O que está a acontecer hoje na Europa é o mesmo que tem acontecido no Médio Oriente há anos.
Os EUA criam o caos, depois acorrem a vender aos países da região os últimos equipamentos militares para os 'proteger' do caos. É uma verdadeira fraude e uma clara imitação dos esquemas de extorsão da Máfia. Os países que não querem pagar, como a Jugoslávia nos anos 90, sujeitam-se a serem bombardeados.
Reparem como começou a crise na Ucrânia. Os EUA gastaram milhares de milhões de dólares numa operação de 'mudança de regime' para derrubar o governo democraticamente eleito de Viktor Yanukovych e substitui-lo por uma administração fantoche pró-EUA. Até ouvimos Victoria Nuland do Departamento do Estado – depois de ter entregue bolachas aos protestantes antigoverno em Maidan – a analisar quem devia figurar ou não no novo governo 'democrático' ucraniano, com o embaixador norte-americano, Geoffrey Pyatt.
Quando o povo da Crimeia votou 'Nyet', como seria de esperar, à operação do Departamento de Estado e votou esmagadoramente num referendo a favor da união com a Rússia, a Rússia foi acusada de ser a 'agressora' que tinha 'invadido' a Ucrânia. Os EUA deviam saber que a sua operação de mudança de regime na Ucrânia provocaria o caos e aumentaria as tensões com a Rússia. E foi isso mesmo o que fizeram!
Para combater a nova 'ameaça' russa não apenas à Ucrânia 'democrática', mas a outros países na Europa de leste, disseram-nos que era preciso um grande aumento nas despesas da NATO com a 'defesa'. Quem beneficia com isso? Claro, os fornecedores da defesa norte-americanos!
No ano passado, conforme relatei aqui , a Polónia mandou melhorar militarmente os Patriot Missiles, feitos nos EUA – fabricados por Raytheon – e os helicópteros militares Airbus, por 5,53 mil milhões de dólares.
Em novembro de 2014, a Estónia 'ameaçada' adquiriu 80 mísseis Javelin aos EUA, por 40 milhões de euros. Em fevereiro, ouvimos dizer que o país ia gastar , em 2020, 818 milhões de euros em novo armamento e equipamento.
Como comentou Charlie Chaplin na sua clássica comédia de humor negro de 1947, "Guerras, conflitos, é tudo negócio!"
Qualquer análise objetiva revela que é a NATO – e não a Rússia – com a sua concentração de armas e soldados nas fronteiras da Rússia, que ameaça a paz da Europa. Mas quem quer que assinale isso e refira a incessante Drang nach Osten da aliança militar, ameaça os lucros das empresas de defesa dos EUA e é atacado como 'pacifista' ou 'marionete do Kremlin' por aqueles que têm manifestos interesses financeiros em manter a tensão elevada.
Reparem nos ataques histéricos ao líder do partido britânico Labour, Jeremy Corbyn, pelos seus recentes comentários muito conscientes sobre a NATO e a Rússia.
Perguntaram a Corbyn num debate televisivo: "Enquanto primeiro-ministro, como reagiria se Putin violasse a soberania de um estado membro da NATO?"
Respondeu: "Obviamente, em primeiro lugar, tentaria impedi-lo. Estabeleceria um bom diálogo com a Rússia para lhes pedir e os manter dentro das respetivas fronteiras. Tentaria fomentar a desmilitarização da Rússia e da Ucrânia e de todos os outros países na fronteira entre a Rússia e a Europa de Leste. Não podemos é permitir uma série de continuadas concentrações de tropas de ambos os lados, que só poderão conduzir a um enorme perigo para o futuro. Começa a ter o aspeto terrível da política da Guerra Fria na presente época. Temos que nos comprometer com a Rússia, comprometer com a desmilitarização naquela área, a fim de tentar evitar que esse perigo aconteça… Não desejo entrar numa guerra, quero é conseguir um mundo em que não haja qualquer necessidade de entrar em guerras, em que elas não sejam necessárias. É possível fazer-se isso".
Como assinala Carlyn Harvey, ao escrever no The Canary: "Para milhões de cidadãos em todo o mundo, isso (a posição antiguerra de Corbyn) é uma ótima notícia. Mas para os que tencionam manter a política de poder e para as indústrias lucrativas que os apoiam, a visão de Corbyn está condenada ao desastre".
O incansável grupo de pressão para a guerra classifica Corbyn como um 'perigoso extremista' porque, se outros políticos ocidentais o seguirem, e promoverem o desarmamento e o diálogo, em vez da confrontação e da guerra, os lucros da defesa sofrerão um rude golpe.
Foi um presidente norte-americano, Dwight D Eisenhower, o primeiro a alertar-nos contra o complexo militar-industrial, em 1961: "Temos que nos precaver contra a aquisição de uma influência indesejável, procurada ou não, do complexo militar-industrial" , disse.
Ninguém podia acusar, o Supremo Comandante da Forças Aliadas na Europa, na II Guerra Mundial, de ser 'comuna' ou 'marioneta do Kremlin'. Mas a situação é hoje muito pior do que era na época de Eisenhower.
Os neoconservadores imiscuíram-se nos corredores do poder. Apregoam estar interessados em espalhar a ' democracia', mas na realidade o movimento neoconservador só se preocupa com dinheiro e lucros. Henry 'Scoop' Jackson, o político norte-americano que se opôs violentamente à détente com a União Soviética nos anos 70, foi alcunhado, com toda a razão, de 'Senador para a Boeing'.
Trinta anos depois, a primeira reunião pós abertura da Sociedade Henry Jackson discutiu como difamar o académico antiguerra Noam Chomsky, por ele não aceitar a classificação de genocídio quanto ao massacre de Srebrenica.
Parece que, para certas pessoas, a velha Guerra-Fria nunca acabou.
Quanto tempo mais os cidadãos do mundo aguentarão uma situação em que os defensores da guerra, com ligações ao complexo militar-industrial, têm toda a liberdade de alimentar as tensões internacionais? Na próxima vez que lerem ou ouvirem alguém a falar da 'ameaça russa' – e porque é que a NATO precisa de reforçar os seus gastos para lhe fazer frente – simplesmente sigam a pista do dinheiro.
Provavelmente será uma revelação.
[*] Jornalista, escritor, homem da rádio e bloguista. Tem escrito para muitos jornais e revistas no Reino Unido e noutros países, incluindo The Guardian, Morning Star, Daily e Sunday Express, Mail on Sunday, Daily Mail, Daily Telegraph, New Statesman, The Spectator, The Week e The American Conservative. É colaborador regular da RT e também tem aparecido na TV BBC e na rádio, no Sky News, na Press TV e na Voz da Rússia. É cofundador da Campaign For Public Ownership @PublicOwnership. Vejam o seu blogue, distinguido com um prémio em www.neilclark66.blogspot.com . Tweeta sobre política e assuntos mundiais @NeilClark66