O “partido do poder” reclama a maior vitória de sempre, num momento de recessão econômica na Rússia, o que acontece pela segunda vez desde 2009. Reduziu-se o peso conjunto dos três restantes partidos do “arco parlamentar”, em que se inclui o PCFR (Partido Comunista da Federação Russa), apesar da subida dos liberais-democratas de Jirinovski, testa-de-ferro do nacional-populismo e anticomunismo.
É certo que o Rússia Unida passa de uma maioria absoluta para uma maioria qualificada superior a 2/3 da Duma. Nunca, de fato, conquistou tantos lugares. O regresso ao sistema eleitoral misto que vigorou até 2003, em que metade da Duma é eleita em listas partidárias através do método proporcional e a restante em 225 círculos maioritários uninominais, funcionou como elemento de distorção, beneficiando amplamente o partido presidido pelo primeiro-ministro, Medvedev. Na verdade, apesar do fator determinante da alta popularidade de Pútin, o Rússia Unida perde cerca de 15 milhões de votos face a 2007 e quase quatro em relação a 2011. O seu resultado absoluto, contabilizada a abstenção que subiu para 52%, cifra-se apenas em 26% dos votos.
Não há razões para embandeirar em arco e o Kremlin sabe-o. Recebendo os líderes dos quatro partidos parlamentares após as eleições, Pútin colocou a tônica na procura de consensos. É dada como certa a manutenção da linha de distribuição das comissões parlamentares entre o partido do governo e a oposição.
Na reunião conjunta, Ziuganov, primeiro secretário do CC do PCFR, apelou à “conservação da estabilidade e coesão da sociedade” e prometeu tudo fazer para apoiar a “linha patriótica de Estado” conduzida por Pútin, ao mesmo tempo que reafirmou a crítica à política liberal no plano econômico e financeiro. O PCFR tem reivindicado a demissão do governo de Medvedév mas nenhum dos quatro partidos acima da barreira de representação de 5% põe em causa o papel de Vladímir Pútin.
A Rússia enfrenta tempos complexos nos planos interno e externo. São visíveis os efeitos da degradação econômica e social (em 2015 o PIB contraiu perto de – 4%). As tendências desfavoráveis e constrangimentos estruturais revelados pela economia acentuam-se com a quebra dos preços do petróleo e o regime de sanções imposto pelas potências da Tríade, com os EUA à cabeça.
Num quadro de crise o governo tem promovido o retorno a medidas que se inscrevem no figurino das “terapias de choque” da década de 1990 – com desregulação econômica, privatizações e cortes sociais. Não é por estas razões, evidentemente, que o imperialismo lança grotescas campanhas de diabolização do “regime de Pútin”. Para os EUA e a UE o paradigma democrático da Rússia continua a ser Iéltsin e o bombardeio do Soviete Supremo de 1993. Apesar dos partidos liberais e apaniguados da escola de Gaidar permaneceram largamente impopulares, a quinta coluna “pró-ocidental” continua a dispor de recursos poderosos, e a sangria da fuga de capitais permanece.
Acima de tudo, a Rússia choca-se com a linha implacável de pressões e escalada militarista dos EUA e da Otan. A evolução do posicionamento russo na arena internacional atende a esta realidade. Altos funcionários em Moscou assumem que os EUA necessitam de enfraquecer ao máximo a Rússia e capturar as suas riquezas naturais, visando mesmo a desintegração do país.
Seria outra a correlação de forças mundial sem a existência da capacidade de dissuasão estratégica russa, visada pelo sistema antimíssil dos EUA, do papel de uma política externa soberana e da cooperação com a grande potência econômica em ascensão, a China. Na explosiva confrontação em curso, o capitalismo russo não pode prescindir do legado da época soviética. Mas as contradições entre a política interna e externa da Rússia, expressão da complexidade da luta de classes, continuam a pairar perigosamente sobre o futuro do país da Revolução de Outubro no século 21.
Luís Carapinha integra a Seção Internacional do Partido Comunista Português.