Para Spinoza, a tristeza seria um afeto inútil no enfrentamento do golpe tupiniquim porque ela outra coisa não é senão a passagem de um estado de potência maior para um menor. Ou seja, quanto mais tristes estamos, menos potentes somos. A tristeza, portanto, é o afeto que nos fragiliza ainda mais frente ao que já nos fragilizou. Os brazukas que desejam dar cabo dessa até aqui venturosa empreitada da oligarquia política tupiniquim devem cultivar outro afeto, pois, tristes, menos podem contra a besta “peemeessedebista”. Qual seria, entretanto, este outro afeto?
Desprezo? Spinoza diria que não, pois este afeto nos leva a imaginar mais o que a coisa desprezada não tem do que aquilo que ela tem. Quando desprezamos algo, portanto, lidamos mais com inimigos imaginários do que com o verdadeiro e real. Temer e sua tropa golpista agradeceriam que os desprezássemos apenas, pois assim permaneceríamos ocupados com a nossa ignorância, e quanto mais ignorantes, mais vulneráveis.
E o ódio aos golpistas, substituiria melhor a tristeza? Também não, uma vez que para o filósofo dos afetos o ódio outra coisa não é que uma tristeza que aponta uma causa externa. Ao odiar ainda permanecemos tristes, consequentemente menos potentes, e o que é pior, tornamos transcendente, isto é, absolutamente separado de nós a causa da nossa tristeza. E sem poder afetá-la, não temos como vencê-la. O ódio, viciosamente, só aumenta a nossa impotência.
Indignados seriamos mais potentes contra a elite golpista? Infelizmente não. Spinoza diz que a indignação é o ódio por alguém que fez mal a um outro. Aqui temos dois problemas. Primeiro, sendo ódio, a indignação ainda assim é uma tristeza, ou seja, uma forma de impotência. Segundo, em se tratando de um golpe de estado, isto é, de algo que afeta a todos simultaneamente, afetarmo-nos pela ideia de que esse mal foi causado a um outro é ignorar que esse mal nos afeta igualmente. E ignorância definitivamente não é a melhor arma.
Vergonha também não é um afeto que aumenta nossa potência contra os golpistas nem diminui a potência deles, uma vez que, para Spinoza, a vergonha ainda é uma tristeza, e além do mais, acompanhada da ideia de que alguma ação nossa foi desaprovada pelos outros. Ora, o afeto que devemos cultivar diante dos golpistas para que eles não sejam mais potentes que do nós é um que reforce que a ação imprópria, condenável, foi cometida por eles, e desaprovada por nós! Do contrário, culparíamos a nós mesmos, cidadãos golpeados, pelo ato dos golpistas.
A vingança, que por ódio nos leva a fazer mal a quem nos causou algum dano, e a ira, que nos leva a fazer mal a quem odiamos -ambos afetos que parecem cair muito melhor ao revolucionário do que a tristeza-, também não seriam indicados por Spinoza para nos tornarmos mais potentes do que a elite golpista que negativamente nos afeta. Sendo espécies distintas de ódio, vingança e ira ainda assim são formas de tristeza. No fim das contas, de impotência.
Podemos ainda ser afetados pelo temor, pavor, aversão, escárnio, decepção, sevícia etc., porém, são todos formas diversas de tristeza. Nada nos ajudam nesse momento no qual precisamos aumentar a nossa potência contra os golpistas oligarcas. Com efeito, nenhuma espécie de tristeza serve ao brasileiros golpeados
Em oposição à tristeza, Spinoza coloca a alegria: a passagem de um estado de potência menor a um maior. Alegres, portanto, nos fortalecemos. O problema é conseguir ser afetado de alegria diante de um golpe de estado... Dita simplesmente, alegria pode parecer abstrata demais para encontrar lugar na angusta realidade brasileira. Porém, assim como a tristeza é bem mais palpável para nós em forma de desprezo, ódio, indignação, vergonha, vingança, ira etc., a alegria outrossim tem suas expressões mais concretas, tais como: a admiração, a segurança, o reconhecimento, a satisfação etc.
No rol das alegrias spinozanas temos ainda a esperança. Para o filósofo, entretanto, trata-se de uma alegria instável, pois acerca de algo, passado ou futuro, de cuja realização não temos como ter certeza. Pseudo alegria, a esperança, como o desprezo, nos mantém atentos mais à nossa imaginação do que à realidade. Nutrir esperança de que venceremos os golpistas, portanto, é deixar o real para eles enquanto permanecemos no mundo dos nossos sonhos. Categoricamente, Spinoza diz que a esperança é o refúgio da ignorância. Por isso é uma péssima arma na guerra contra o golpe.
Agora, se quisermos ser efetivamente potentes contra os golpistas, devemos ter em mente que, para Spinoza, a mais virtuosa forma de alegria, portanto de potencialização, é o amor. Nas palavras do filósofo, “o amor é uma alegria acompanhada da ideia de uma causa exterior”. Dito de outro modo, o amor é a passagem de um estado de potência menor a um maior do qual, no entanto, pensamos não ser os responsáveis. Amando, o aumento de nossa potência parece vir de fora, como se fosse uma dádiva. E como não temos consciência de que somos nós que o produzimos, mas algo externo, tampouco sabemos como parar essa afetação. Eis a virtuose do amor.
De modo algum estamos falando aqui do amor cristão, aquele que se é obrigado a cultivar aqui na terra para que se tenha direito à eternidade celeste. Aos golpistas, obviamente, ninguém deve oferecer a outra face ao tapa. O amor spinozano não visa futuro transcendente algum, mas, ao contrário, recuperar, presentemente, a imanência perdida entre parte e todo. E no caso do golpe brasileiro, o amor deve recuperar a harmonia rompida entre o cidadão e o seu Estado.
Como, então, vencer a adversidade do golpe com o amor? De que causa externa devemos ter ideia para que seja aumentada a nossa própria potência no sentido de não sermos afetados negativamente pela potência dos golpistas? Mais ainda, que ideia deve nos acompanhar para que sejamos mais potentes que os golpistas; para que os vençamos definitivamente? Obviamente não é a ideia do golpe ela mesma, visto que apenas nos causa a pá de tristezas que vimos anteriormente, e que estas apenas nos tornam mais impotentes.
Portanto, se em Spinoza o amor recupera melhor do que qualquer outro afeto a perfeita ordem entre parte e todo, na luta contra o golpe, que é a recuperação da ordem entre o cidadão e o seu Estado, o nosso amor deve ter um objeto definido. Considerando que o Estado brasileiro é composto por 200 milhões de outros cidadãos, e que estes também são vítimas do mesmo golpe, tenham consciência disso ou não, é a eles que devemos amar, isto é, tê-los enquanto a ideia externa que acompanha uma alegria potencializadora em nós mesmos.
Assim, fazendo com que estes outros milhões de cidadãos golpeados sejam a causa, não de uma imensa tristeza, raiva, ódio ou indignação, mas de uma alegria suprema em nós mesmos –como nas vezes nas quais nos alegramos por haver “o povo brasileiro”-, enfim, quando conseguimos amar o todo-povo é que a parte-cidadão que cada um de nós é adquire potência e virtude suficientes para lutar contra o inimigo comum sem se entristecer, ou seja, sem se despotencializar inadvertidamente.
Em suma, não é porque os golpistas afetam negativamente a mim, particularmente, que devo lutar contra eles. Meu desagrado privado é assaz impotente contra inimigos públicos. Em troca, é porque o golpe de estado do “PMSDB” afeta negativamente todas as demais partes-cidadãs do meu país que eu, uma dentre elas, devo lutar contra os oligarcas golpistas. Afinal, só no dia em que todos os cidadãos brasileiros estiverem finalmente livres desse inimigo é que eu também estarei. Virtuose absoluta, obviamente, é quando todas as partes agem assim, e em função da alegria do todo, pois quando o todo está alegre, potente, cada parte não tem como não estar. Contra o golpe, portanto, amor ao povo golpeado.