E vão-se acumulando os indícios (e as provocações) de uma renovada agressividade em relação à China.
A nomeação, na semana passada, de Peter Navarro para a pasta do Comércio foi o último sinal de que a administração Trump poderá recrudescer a um novo e imprevisível patamar a política de provocações militares e guerra económica contra a China. Num momento em que ainda se especula se o presidente eleito será um irresponsável ou um pragmático, os nomes da equipa governativa vão traçando o perfil de um pragmatismo que radica na irresponsabilidade: o imperialismo.
Autor de livros como «Morte por China», «As próximas guerras na China: como serão travadas e como podem ser vencidas», «Confrontando o dragão, um apelo à acção» ou «O tigre agachado, o que o militarismo chinês representa para o mundo», Peter Navarro autodenomina-se um «apóstolo na cruzada contra a China». Poder-se-ia apontar que essa cruzada já vai no adro: da Austrália ao Japão e Coreia do Sul, ao Afeganistão passando pela Índia… O território da China já está cercado por cerca de 400 bases militares dos EUA com capacidade nuclear. No âmbito da estratégia «Pivot para a Ásia», Obama aumentou ainda mais a pressão militar e comercial sobre a China. Entre muitos exemplos, acelerou a agenda das provocações navais no mar da China meridional, aprovou a expansão da frota de guerra de 273 para 308 navios, mobilizando dois terços para a Ásia e o Pacífico. Por outro lado, aumentou os impostos sobre a importação de vários produtos chineses como o aço, cuja tarifa conheceu um aumento de 266 por cento. Contudo, para levar às últimas consequências a agenda imperialista e monopolista havia que rasgar definitivamente as regras da própria Organização Mundial do Comércio (OMC). Obama, embora empenhado em cercar a China, não estava disposto a dar já esse passo. É essa a essência da Parceria Transpacífica (TPP), um «tratado de livre comércio» feito à medida da guerra económica contra a China mas ainda dentro das cofragens da OMC.
Malaca Malaca, a guerra é a guerra
O próximo titular da pasta do comércio definiu a estratégia de Obama como «um caso imprudente de falar muito alto mas andar armado com um pauzinho [little stick], o que tem levado a mais, não a menos, agressões e instabilidade na região. Não precisamos de um pauzinho, precisamos de uma metralhadora». Neste sentido, Trump já prometeu deixar cair o TPP e retirar os EUA da OMC de forma a abrir caminho para uma política mais agressiva que, mesmo ainda sem ter tomado posse, já começou agitar a bandeira da terceira guerra mundial.
O irresponsável telefonema de Trump para a líder de Taiwan, Tsai Ing-wen, desrespeitando o reconhecimento da própria unidade da China, é apenas um exemplo de até onde as provocações poderão chegar. Em cima da secretária do próximo ocupante da Sala Oval está a declaração da China como Estado manipulador da moeda, e um aumento até 45 por cento nos impostos sobre todas as importações chinesas. No militar, Trump já prometeu ultrapassar o seu antecessor na corrida ao armamento, aumentando o número de navios de guerra para 355.
A confirmar-se a estratégia de Navarro, a mira do imperialismo estado-unidense poderá reorientar-se da Europa de Leste e do Médio Oriente para a Ásia e o mar do Sul da China, a que o próximo titular da pasta do Comércio chama «a prioridade estratégica». Com efeito, por estas águas territoriais chinesas passa metade de todos os navios de transporte de mercadorias do mundo. Controlar o mar do Sul da China é controlar a passagem entre o Índico e o Pacífico e o Estreito de Malaca, cujo tráfego é três vezes superior ao canal de Suez e cinco vezes maior do que o do Panamá. Por ali passam 60 por cento das exportações dos EUA e 80 por cento das importações dos EUA. Compreensivelmente por ali passa também a gula do imperialismo.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2248, 28.12.2016