Visto que me envolvi de várias maneiras nos acontecimentos, quero oferecer um testemunho sobre o que aconteceu e quais me parecem hoje as mais importantes lições a extrair.
Primeiro de maio é uma data famosa. Celebra a revolta de Haymarket em 1886 e abre o mês em que se comemoram os acontecimentos mundiais de 1968, que a maioria dos comentaristas argumenta terem começado na França. Na verdade, Columbia antecede Paris em uma semana, como costumo lembrar a meus amigos franceses, e é uma data melhor para marcar as celebrações.
Uma lição notável de Columbia é a espontaneidade do levante. Sabemos agora que pouco antes dele começar os líderes do grupo Estudantes por uma Sociedade Democrática (SDS, na sigla em inglês) consideravam virtualmente impossível conseguir e manter o apoio estudantil a seus objetivos.
O SDS havia pontuado seis demandas. Duas eram cruciais: a primeira, que Columbia devia se desfiliasse do Instituto para Análises de Defesa, um dos pilares do envolvimento dos EUA no Vietnã. A segunda, que Columbia interrompesse a construção de um novo ginásio no Parque Morningside, cujo terreno era considerado por direito da comunidade negra do Harlem, despejada pela Universidade Columbia.
O dia começou ao meio-dia num lugar tradicional de discursos públicos em Columbia. Houve discursos do SDS e da Sociedade de Estudantes Afro-Americanos (SAS, na sigla em inglês). Eles repetiram as seis demandas. A certa altura, o grupo decidiu marchar em direção ao prédio da Low Library, onde ficava a administração da universidade. Ao encontrá-lo fechado, algumas pessoas gritaram que todos deviam ir para o local do ginásio. Sequer sabemos quem gritou isso, mas todo mundo foi para o local do ginásio.
Ao encontrá-lo protegido pela polícia, o grupo decidiu ir para o Hamilton Hall, centro das atividades da Universidade Columbia. Tentaram entrar no escritório do reitor. Encontrando-o também fechado, o grupo simplesmente se sentou e pediu aos não-participantes para sair do edifício. Isso foi considerado pela administração como sequestro do reitor. Então começou o levante.
Seguiu-se uma reunião de professores da universidade. Eles discutiram o que fazer: chamar a polícia? Negociar? Os estudantes “soltaram” o reitor, mas mantiveram a ocupação. Havia indecisão em toda parte. À noite, os estudantes da SAS pediram aos estudantes do SDS para deixar o Hamilton Hall e “ocupar” seu próprio prédio, o que eles fizeram – quatro prédios, na verdade.
Alguém me ligou naquela noite e sugeriu que eu fosse imediatamente ao campus. Lá encontrei vários professores sem saber bem o que fazer. Decidimos por uma reunião no Philosophy Hall, que era espaçoso. O supervisor do Hall opôs-se, mas nada podia fazer. Na verdade, os professores haviam “tomado” o Philosophy Hall. Contudo, deixaram todo mundo entrar. Os professores constituiram-se então como o Grupo da Faculdade Ad Hoc (AHFG, na sigla em inglês) e começaram a reunir-se continuamente. Foi escolhido um comitê executivo de 17 pessoas, acho. Eu era um deles.
Isso me leva à segunda maior lição. A SAS expulsou o SDS do Hamilton Hall porque o SDS era indisciplinado. Rapaz, como estavam certos! A SAS, ao contrário, era incrivelmente disciplinada. Em retrospectiva, descobriu-se que foi muito mais importante na transformação da universidade e da situação dos EUA do que o SDS, embora ninguém parecesse ter essa compreensão na época.
Vários políticos do Harlem ofereceram-se como mediadores, mas a universidade ficou relutante. Ao mesmo tempo, o AHFG, dos professores, votou o envio de emissários para discutir as demandas com ambos, o SDS e a SAS. Fui convidado a ser um dos que discutiram com a SAS. Outros foram ver o SDS.
Fui ter com David Truman, o vice-presidente da universidade, e perguntei se ele aceitava esse meu papel. Ele ficou encantado, vendo isso como maneira de eliminar os políticos do Harlem. A SAS concordou que eu desempenhasse esse papel com a condição de que conversasse somente com um grupo de quatro pessoas constituído por eles.
Eu então entrei e sai várias vezes do Hamilton Hall, autorizado a falar apenas com o grupo de quatro pessoas. Falamos em linguagem indireta codificada. Não posso falar que tenha podido relatar ao AHFG qualquer mudança de posição significativa. A SAS parecia querer manter o contato, mas não passava disso. Ao menos me dei melhor do que os que foram ter com o SDS e reportaram um impasse total.
Depois de cerca de sete dias, a administração da Columbia decidiu chamar a polícia. David Truman veio à reunião do AHFG para nos dizer o que iam fazer. Ele simplesmente avisou, não discutiu a decisão. Professores assumiram diferentes posições pessoais. Muitos decidiram cercar a entrada dos edifícios ocupados. A maioria cercou o Fayerweather, prédio ocupado pelos estudantes de pós-graduação. Um grupo menor, do qual eu participava, decidiu cercar o Hamilton Hall.
E isso me leva à última surpresa. Quando a polícia chegou onde eu estava, os policiais passaram delicadamente por nós. Já o grupo que cercava Fayerweather foi tratado de modo bem diferente. Foram espancados, alguns fortemente, assim como os estudantes que ocupavam o prédio. O que descobrimos depois é que o SAS fez um acordo com a polícia. Sairiam silenciosamente pela porta dos fundos e não seriam presos. Por isso é que nós, que cercávamos o Hamilton, fomos bem tratados.
Minha conclusão é que o verdadeiro vencedor dos acontecimentos da Columbia foi a SAS. A administração da universidade foi arrasada e David Truman nunca se tornou presidente, como se esperava antes disso. O SDS ruiu e foi destruído. Os políticos do Harlem perderam autoridade. E a SAS mostrou o poder da disciplina. A SAS foi a vencedora, é claro, mas somente como parte da longa guerra contra o racismo em curso nos Estados Unidos.
Quanto a 1968 como um todo, escrevi sobre isso muitas vezes e não tenho aqui espaço para repetir a argumentação. Em uma frase, o que aconteceu foi o fim do domínio geopolítico-cultural do liberalismo de centro e a reabertura da luta ideológica de três vértices entre a Esquerda e a Direita Global, com o liberalismo de centro lutando para manter algum apoio como alternativa real.
Tradução: Inês Castilho