Dias antes de ser eleito, Bolsonaro afirmou que ele e sua equipe de governo, numa eventual vitória, seriam “escravos da Constituição” [1], isto é, cumpririam as diretrizes contidas na lei maior do país. Doce ilusão.
No dia seguinte ao resultado do pleito eleitoral, seu “posto ipiranga”, o garoto de Chicago Paulo Guedes já deixou claro que as coisas não serão bem assim. Em coletiva de imprensa [2], respondendo a uma jornalista do Clarín, jornal argentino, Guedes foi enfático:
“Não, a Argentina não é nossa prioridade. O Mercosul também não é prioridade. É isso que você queria ouvir? Conheço esse estilo. Argentina não é prioridade. Para nós, a prioridade é negociar com o mundo”.
Bastando-se a afirmar que o Mercosul é uma aliança ideológica, Paulo Guedes, um acadêmico com “Ph. D” que sequer conhecia os países integrantes do bloco econômico, lançou logo um “bolivariano” para se livrar da jornalista impertinente, mostrando como a direita pró-bolsonaro além de burra é intolerante:
Guedes: “de novo, pergunta malfeita. A pergunta é a seguinte: eu só vou comercializar com Venezuelana, Bolívia e Argentina? Não. Vamos negociar com o mundo”.
Clarín: “Mas Bolívia e Venezuela não estão no Mercosul...”.
Error!
Mas o que tem a ver a postura de Guedes com a violação da Constituição Federal? Tudo. As relações tipicamente capitalistas - e por que não sub-imperialistas? - que o Brasil, sob o “socialismo/comunismo” do PT, vinha concretizando com os países da região jamais tiveram por objetivo a formação de uma Ursal (quem dera, né não Daciolo? Glória!).
A formação de blocos regionais, inclua-se neles o Mercosul, fundamenta-se no art. 4º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988:
“A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.
“Quanto socialismo!” dirão Guedes e Bolsonaro, que ficou todo ouriçado com o twitter de Trump sobre estreitar as relações comerciais e militares (goodbye, Alcântara!) com o Brasil.
A verdade é que qualquer estudante de direito (imagine os de economia!), que tenha dado atenção às aulas de direito internacional público (obrigado, professora Clarisse), vai se lembrar das etapas didaticamente elencadas no processo de formação de um bloco regional no tema “Direito da Integração”:
“São fases da integração: zona de livre comércio; união aduaneira; mercado comum e união econômica e monetária. [...]. O MERCOSUL está na fase da União Aduaneira, enquanto a Europa já está entrando na fase da União Econômica e Monetária”. (HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000).
Veja que nosso autor acima, um juiz do trabalho insuspeito e que acredita no equilíbrio da relação “trabalho x capital” (!), menciona como paradigma comparativo do Mercosul a União Europeia, não o antigo bloco soviético.
O Mercosul jamais percorreu um caminho anticapitalista. Seu fortalecimento se deu no marco da Constituição de 1988, na busca pelo fortalecimento das economias locais e, sobretudo, da consolidação do Brasil como a mais importante potência econômica e política da Região.
As declarações de Guedes, no dia seguinte à eleição, mostram como é urgente mandar Bolsonaro, Guedes, Mourão e toda sua turma para o caralho, acompanhados da Constituição Federal. Assim, poderão passar um tempo isolados, dedicando-se ao estudo do que diz a lei maior do país, como sua diretriz a respeito das relações internacionais contida no art. 4º.
Há quem afirme que há muito tempo, a palavra caralho era utilizada para designar aquelas pequenas cestas localizadas no alto dos mastros das caravelas. Diz-se que aquele espaço (do caralho) servia inclusive para castigar marinheiros indisciplinados.
Bom, Bolsonaro e Guedes, vulgo “Elesnão”, devido à indisciplina de vocês, sugiro que peguem a Constituição e vão, imediatamente, para o caralho!
João é bacharel pela PUC-SP, advogado e coordenador do Grupo de Pesquisa Marxismo e Direito (GPMD).
Referências:
[1] Cheio de contradições, Bolsonaro diz no Jornal Nacional que será escravo da Constituição - https://www.revistaforum.com.br/cheio-de-contradicoes-bolsonaro-diz-no-jornal-nacional-que-sera-escravo-da-constituicao/
[2] Para el futuro jefe de Hacienda de Brasil, el Mercosur y Argentina “no son prioridad” - https://www.clarin.com/mundo/futuro-jefe-hacienda-brasil-mercosur-argentina-prioridad_0_x2oQw-tbO.html