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Diário Liberdade
Sexta, 08 Julho 2016 15:49 Última modificação em Terça, 12 Julho 2016 16:05

Sobre o feitiço do fetichismo (II)

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Mauricio Castro

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Esperamos que, apesar da brevidade, os apontamentos da primeira parte deste texto tenham ajudado a esclarecer minimamente o mecanismo social do 'fetichismo', um fenómeno tam antigo que mesmo lingüisticamente foi rebatizado no século XVIII em francês a partir de um vocábulo galego ('feitiço' < lat. 'facticius' - 'falso'), com registo no século XV, e cujo referente social na verdade recua muito mais ainda na história das sociedades humanas.


É precisamente na modernidade capitalista que o fenómeno se estende e ganha novos contornos a partir da essência histórica desse sistema, desentranhada polo mais sério estudioso do assunto, Karl Marx, ao longo da sua obra, mas sobretodo no já referido capítulo dedicado ao “fetichismo da mercadoria e o seu segredo”, no Capital.

Estamos diante de umha ilusom social generalizada, que se expressa em todas as esferas da vida coletiva e privada, afetando todas as classes sociais e contribuindo decisivamente para a formaçom da ideologia como falsa consciência e da conceçom de vida burguesa como dominante. O resultado é, em lugar do manejo do fetiche polas pessoas, a “inversom” que conduz para um crescente submetimendo das pessoas ao fetiche. Daí que o importante passe a ser, por exemplo, a marcha da economia como ente autónomo e nom o bem-estar concreto do conjunto da sociedade ao qual aquela deveria estar supeditada.

A 'inversom fetichista' inicia-se na funçom social do trabalho, atividade que nos constitui e liberta como seres humanos, e que no capitalismo passa a ser a fonte da escravizaçom salarial que nos submete. É assim que o patrom, que se enriquece graças à compra da força do trabalho por um salário sempre inferior ao valor que ela produz, é considerado pola ideologia dominante como um empreendedor que “cria emprego” e “dá trabalho”.

Da mesma forma, o fracasso ou êxito de umha sociedade é avaliado por índices macroeconómicos e contas matemáticas, em lugar de polo bem-estar real do conjunto da populaçom. Nessa perspetiva, os direitos e serviços sociais básicos, em lugar de constituírem utilidades incondicionais, incorporam-se progressivamente à enorme coleçom de mercadorias em que se apresenta a riqueza social no modo de produçom capitalista. Tanto tés, tanto vales.

E assim por diante.

O capitalismo, como antes os diferentes modos de produçom que o precedêrom, consegue ser considerado por todas e todos como a única forma de sociabilidade possível e a democracia formal burguesa ocidental o seu molde ideal de funcionamento político.

No caso galego, o espaço de acumulaçom de capital constituído em torno do projeto nacional espanhol identifica-se com a racionalidade objetiva e eterna, frente a qualquer pretensom emancipatória das comunidades nacionais a ele submetidas, riscada sempre de “irracional”, “perigosa”, “ilegítima” e “ilegal”. A soberania residente na classe dominante espanhola é atribuída a um idealizado “povo espanhol” cuja existência efetiva ainda está em disputa, mas que, na medida que a hegemonia burguesa e espanhola consegue impor-se, domina o discurso em todo o espetro político.

A Constituiçom correspondente (atualmente a de 1978) apresenta-se como a única forma possível de institucionalidade racional e a participaçom eleitoral nela consagrada como a única via para a reforma “ordenada” da sociedade, que de resto nom passa de umha coleçom de indivíduos teoricamente iguais.

A repressom de atividades antissociais mediante penas de privaçom de liberdade estabelecidas apresenta-se em termos assimiláveis à forma de valor de troca mercantil, convertendo-se na via de falsa soluçom de todo o tipo de disfunçons do sistema. A análise dessas disfunçons realiza-se em termos individuais, porque a sociedade é considerada um conjunto de individualidades que obtenhem aquilo que individualmente merecem, influídas pola sorte ou azar que as acompanha ao longo da vida.

O Estado, fetichizado como “representante de todos”, limita-se a compensar os excessos para assim garantir umha certa estabilidade, evitando explosons sociais e possibilitando a reproduçom do sistema em favor da classe dominante.

Cada umha dessas formas de fetichismo (e outras muitas) fai parte de um sistema de crenças caraterizador da conceçom de vida hegemónica, a burguesa, que domina por completo o mundo capitalista em que vivemos.

Essa hegemonia burguesa tem sido historicamente construída a partir das necessidades do metabolismo social próprias do modo de produçom capitalista. Como sabemos, o principal mecanismo regulador nesse processo histórico tem sido a Lei do valor, recorrendo-se para a sua salvaguarda, em partes iguais, à violência e ao consenso.

Como avançarmos em direçom à definitiva superaçom histórica dos fetichismos e, principalmente, do fetichismo da mercadoria, caraterístico do modo de produçom capitalista?

Sobre isso vamos falar, brevemente, na última parte desta pequena reflexom em três partes.

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