Não demorou muito para eu perceber o orgulho dos moradores de Madureira que, após os primeiros cumprimentos, não se continham em expressar imenso contentamento com o belíssimo parque de lazer, cultura e esporte que ganharam da prefeitura, falando de como o equipamento urbano havia melhorado as suas vidas e a relação que cada um tinha com o bairro, bem como a do bairro com a cidade. Honneth repetia no meu ouvido: estes cidadãos de Madureira estão se sentindo reconhecidos na e pela cidade em que vivem. E como reconhecimento é empodeamento, não tive dúvida de que, com o parque, havia-se produzido ali cidadãos mais realizados, e, portanto, mais potentes.
E essa potencialização cidadã dos até então preteridos suburbanos cariocas se dá porque eles percebem que, como belo parque que o seu bairro recebeu, a Cidade Maravilhosa finalmente socializa com eles um pouco de sua –todavia questionável- “maravilha”. E isso porque, segundo Honneth, o processo de reconhecimento “se realiza na confirmação de si pelo outro”. No caso dos madureirenses, no reconhecimento de suas necessidade de cultura, esporte, lazer e beleza pelo “outro” do Rio, isto é, pela cidade que há juito é cultural, esportiva e bela. Inevitável não lembrar da música “Comida”, da banda brasileira Titãs: “A gente não quer só comida; A gente quer comida, diversão e arte; A gente não quer só comida; a gente quer saída para qualquer parte...”
E falando de “saída para qualquer parte”, quando eu deixava o Aeroporto Internacional de Florianópolis, um dia depois de ter estado em Madureira, e impressionado com o fato daquele aeroporto ser demasiado pequeno –parecia ser o de uma cidade do interior, não o de uma capital-, perguntei ao motorista do táxi que me conduziu ao centro da cidade porque o Hercílio Luz não havia sido expandido como ocorreu com quase todos os aeroportos brasileiros nos últimos dois anos. Então ele me disse que a Fifa, na escolhas das cidades que sediariam os jogos da Copa do Mundo, estabeleceu que Florianópolis não tinha estrutura para receber as partidas nem tampouco os muitos turistas que as seguiriam.
Ora, se Florianópolis não tinha um aeroporto grande o suficiente, nem mobilidade urbana –outra desculpa da Fifa, uma vez que a cidade não possui metrô-, não seria o big evento futebolístico justamente a oportunidade para finalmente se investir na cidade? Mas o que ressente os florianopolitanos é que, precisamente porque não tinham um bom aeroporto nem metrô é que não mereciam tê-los. Embora seja ingenuidade esperar que o objetivo das “comerciálias” quadrienais da Fifa seja reconhecer as demandas das pessoas que as sediam, a intervenção que a Copa do Mundo fez no Brasil criou, por assim dizer, o Brasil das capitais que foram devida e superfaturadamente “aeroportizadas” e “urbano-mobilizadas”, e o Brasil das que não. E Florianópolis foi uma dessas cidades que não fez gol algum.
Se, por um lado, empoderamento e socialização é o que surge do processo de reconhecimento, por outro lado, ressentimento e desidentificação é o que decorre da falta de reconhecimento. E se, como coloca Honneth, o reconhecimento é o operador central para a compreensão da racionalidade das demandas políticas, o ressentimento dos florianopolitanos, advindo da experiência de não reconhecimento que atravessam, outra coisa não é que a redução da capacidade deles no sentido de reconhecerem racionalmente as suas próprias demandas políticas. Podemos ver aqui um círculo vicioso no qual a falta de reconhecimento gera as condições para menos reconhecimento ainda.
E uma vez que, diz Honneth, os processos de reconhecimento fundam os processos tanto de socialização como de individuação, não deve ser difícil concluir que o reconhecimento negado aos florianopolitanos mina tanto a possibilidade de eles socializarem verdadeiramente com o restante do país a que pertencem, quanto principalmente a capacidade deles de se identificarem como florianopolitanos. Desinvestir o cidadão, ressenti-lo, tem um preço alto e duplo. Só mesmo no extremo, ou seja, no desinvestimento social total, na completa falta de reconhecimento é que o custo é um só, e que se paga somente com a unilateral moeda da barbárie.
Já o tanto de reconhecimento que foi dado aos moradores do bairro carioca de Madureira não só os qualifica para socializarem de forma mais genuína com o restante da Cidade Maravilhosa, como especialmente os fazem mais “madureirenses” do que nunca. O problema do reconhecimento, no entanto, é que, como dito antes, ele empodera politicamente os reconhecidos. E estes, mais politizados, têm suas condições de demandar aumentadas. Depois de reconhecer as necessidades de lazer, esporte, cultura e beleza dos madureirenses , certamente o governo do Rio de Janeiro terá mais dificuldade em seguir negando a eles outros bastiões do reconhecimento social, tais como saúde, mobilidade e segurança urbana, etc. Na capital/ilha de Florianópolis, em contrapartida, agora é mais fácil desinvesti-los de reconhecimento –e de saúde, educação, mobilidade, e por aí vai.