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Diário Liberdade
Quarta, 20 Abril 2016 21:37 Última modificação em Domingo, 24 Abril 2016 22:25

Crescimento e progresso

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Marcus Eduardo de Oliveira

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Obcecada pela lógica capitalista dominante, a sociedade moderna parece ter sérias dificuldades em diferenciar, na prática e não no conceito, “crescimento” de “progresso”, e, de modo análogo, insiste em confundir o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), não somente como sendo a maneira mais eficiente de mensurar, mas também de aprimorar os níveis de bem-estar e de felicidade, como se esses princípios basilares da vida, rasteiramente, dependessem de conquista material.


Ora, já é quase consenso entre os estudiosos da área econômica, que o PIB, do jeito que comumente é medido, não obstante esforços patrocinados em prol de uma completa revisão da metodologia de cálculo, apresenta consideráveis falhas, principalmente ao não contabilizar as perdas e/ou custos para a sociedade da redução do capital da Natureza.

Lamentavelmente, as discrepâncias quanto a isso não param por aí. Por isso continua sendo precisa e atual a argumentação feita pelo senador por Nova Iorque, Robert Kennedy, em meados dos anos 1960: “O PIB mede tudo, exceto aquilo que faz a vida valer a pena”.

De tal modo, o fito principal deste artigo não é o de apronfundar críticas em torno da mensuração equivocada do PIB, assunto vastamente debatido na literatura econômica. O que pretendemos aqui é comentar a visão comum que se têm em torno dos significados de “crescimento” e “progresso”.

Fora isso, desejamos argumentar ainda a imprescindível necessidade de irmos ao encontro de um novo pensamento econômico que promova a qualidade de vida, mensurada pela busca do desenvolvimento, em lugar de apenas “valorizar” e “quantificar” os níveis de consumo, objetivo tão caro ao crescimento físico das economias.

Por isso o “crescimento” é frequentemente confundido e entendido como o caminho mais fácil para a obtenção de progresso, uma vez que a defesa sistemática da mão invísvel propugnada por Smith têm como argumento central a defesa de que ao buscar a melhoria pessoal há, implicitamente, uma “contribuição” correlata para o bem-estar coletivo.

Retomando o ponto principal, é oportuno destacar que faz-se necessário desmistificar a noção em voga, que na verdade se tornou uma espécie de obsessão generalizada de nossa cultura, de que a expansão do PIB, per si, gera somente benefícios, sem custos (ambientais) extras à sociedade.

Contudo, não se nega que o crescimento das economias proporciona benefícios, mas, à luz de sensata reflexão, não se pode obscurecer a visão de que, na esteira desse acontecimento, vêem junto alguns problemas, incluindo passivos ambientais, cujo esgotamento ecossistêmico talvez seja um dos mais visíveis e perniciosos à humanidade.

Portanto, está longe de ser uma verdade inconteste o fato de que a expansão do crescimento econômico (mais produção de bens e serviços, logo, mais expansão da atividade produtiva) somente acarreta melhorias à sociedade.

Em nome da verdade, não se pode esquecer que o mundo está abarrotado de produtos dos quais muitos deles são completamente desnecessários para a continuidade da vida em sociedade.

É importante então ter a clara noção de que o crescimento físico das economias, feito à custa da diminuição do capital natural, sendo o responsável direto por propiciar esse abarrotamento produtivo, cria mais problemas ambientais, uma vez que esbarra nos limites da natureza.

Concernente a isso, nem mesmo o sofisma tão amplamente divulgado a favor do “crescimento sustentável” – que na verdade não existe, uma vez que não se pode “sustentar” algo que continua a crescer indefinidamente – encontra amparo nessa questão, exceto pelo lado dos assíduos defensores da oferta ilimitada de bens e serviços, que agem como se a natureza fosse um imenso baú dotado de recursos infindáveis.

A verdade nua e crua é que, todo e qualquer crescimento econômico-produtivo, ocorre sob a diminuição acentuada de algum importante serviço ecossistêmico e, principalmente, se dá à custa do uso sistemático de capital natural, visto que muitos recursos providos pela natureza, que servem pois de suporte à atividade industrial, são finitos, limitados.

Se nos baseamos então nesse atual e devastador modelo de economia global que organiza o aumento da produção e do consumo com vistas a alcançar a estabilidade e a prosperidade de um país, inexoravelmente vamos nos afastando da recuperação ecológica da terra, à medida que degradamos, pari passu, a qualidade de vida dos povos, especialmente dos mais necessitados.

O crasso erro envolto nessa questão, a meu ver, se localiza na equivocada ideia que a sociedade tem de “progresso”. Para começo de conversa, progresso não é riqueza.

No entanto, pela ordem do mercado, como se fosse lei divina, somos facilmente condicionados a aceitar que o acesso ao dinheiro e, especificamente, a posse material por ele permitida, nos ofertam muita felicidade e satisfação plena, nos deixando um pouco mais “ricos”, como se fosse possível regozijar a essência da vida a partir do “ter mais”.

Não é então por mero acaso que a confusão existente entre dinheiro, riqueza e progresso, como se fossem perfeitos sinônimos entre si, se sobressai. Alguém sabiamente proferiu um axioma que se encaixa perfeitamente nesse argumento: “Ele era tão pobre, mas tão pobre, que a única coisa que tinha na vida era dinheiro”.

Vale reafirmar: “dinheiro não é riqueza, mas apenas uma medida de riqueza, um meio de troca”, pondera com assertividade, ao longo de seus 80 anos de idade, o filósofo indiano Satish Kumar.

Aprofundando essa questão, Kumar diz que “a riqueza verdadeira é terra fértil, florestas intocadas, rios limpos, animais saudáveis, comunidades vibrantes, alimentação saudável e criatividade humana. Porém, os gerentes do dinheiro transformaram a terra, as florestas, os rios, os animais e a criatividade humana em commodities a serem compradas e vendidas”.

Até mesmo o próprio dinheiro se converteu em mercadoria. O que Kumar aponta como sendo a “verdadeira riqueza”, lamentavelmente, não interessa aos fundamentos da economia, muito menos entram no cômputo do PIB, ou seja, não tem “valor” algum para a economia de mercado.

O que interessa para a medida do sucesso econômico é expandir o estilo e o comportamento de vida relacionados à economia monetária, ao modo mercadológico, baseado no sistema de preços, na prática da produção-consumo, do compra-vende, do consome-descarta, do usa e joga fora.

Por isso se estimula tanto a política do crescimento econômico, convertendo isso em sinônimo de riqueza, progresso e bem-estar. Desse modo, é a quantidade (crescimento) que se sobrepuja à qualidade (desenvolvimento).

Esse é o tipo de economia linear que tem promovido, em dois séculos e meio de industrialização, a mais completa financeirização da natureza, desfigurando-a em prol dos ditames do mercado de consumo.

Exatamente por isso – cabe reafirmar - a política de crescimento é incentivada em detrimento da conservação/preservação dos recursos naturais que dão suporte ao sistema vida. A mercantilização de tudo o que é mercadoria condiciona, sobremaneira, que se coloque a economia (atividade de produção-transformação) num patamar acima da natureza, do meio ambiente e dos ecossistemas.

Para deleite dos gestores do mercado de consumo, vale mais o “ter” do que o “ser”. Para finalizar, cabe uma vez mais referenciar o filósofo Kumar quando apropriadamente diz que (...) “Devemos viver como peregrinos, não como turistas. O turista é egocêntrico, quer algo para ele próprio, bons hotéis, restaurantes e lojas. A sua atitude é a exigência, quer sempre mais e melhor. O hotel, o táxi ou o serviço não era bom o suficiente. O peregrino é humilde, deixa uma pegada leve na Terra, respeita a árvore e agradece-lhe pela sombra e frutos. A mente egocêntrica tem de mudar para respeitarmos a natureza”.

Adaptando essas sensatas palavras ao objetivo aqui proposto, seria como afirmar que o turista quer e deseja, o tempo todo, o “crescimento”, enquanto o peregrino anseia alcançar o “progresso”.

O “crescimento”, uma vez alcançado, é algo insustentável na linha do tempo, passa logo, é efêmero e, com direito a um leve trocadilho, é “passageiro”, ao passo que o “progresso” é sustentável, eterno, duradouro, para sempre.

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