Como a proposta aqui é analisar o que simbolizam os logotipos de apresentação dos governos Dilma e Temer, estaremos no terreno da semiótica, ciência dupla que estuda os símbolos relacionando a “forma” com o “conteúdo”. Em outras palavras, a relação do “o que se mostra” com o “o que se quer mostrar”. Para tanto, vale dedicar um instante estético à imagem que ilustra esse texto, que traz os dois logotipos em questão. Na parte superior da imagem, o logo-lema com o qual o governo Dilma se apresentou à sociedade. Na inferior, o do governo Temer. Para simplificar a leitura, doravante serão usadas as expressões “logo Dilma” e “logo Temer” para falar dos logotipos-lemas inaugurais dos dois governos.
Em primeiro lugar, chama a atenção a oposição entre a policromia do logo Dilma e a proposta monocrômica do logo Temer. Ora, do Brasil é dito que é uma país de muitas raças, crenças, credos. Simbolicamente, de muitas cores. Já aqui podemos ver que o logo Dilma se preocupou em contemplar essa diversidade. O logo Temer, por sua vez, elegendo o branco e o azul, não tem intenção alguma de ressaltar a pluralidade que vive na nossa terra. Como não lembrar aqui do velho mito desigualitário do sangue azul dos brancos ricos aristocratas? A palheta de cores através a qual um governo se apresenta, portanto, já é um filtro, crômico, que informa semioticamente com quem e para quem está falando. Dos dois logos, o de Dilma, obviamente, é bem mais democrático que o de Temer.
Em segundo lugar, temos a distância entre a proposta naif do logo Dilma e o tecnicismo “corelDRAW” do logo Temer. Naif, que em francês significa ingênuo, no mundo da arte fala de uma produção alheia ao academicismo tradicional e se caracteriza, digamos assim, pela simplicidade popular. O logo Dilma traz a ideia de que, senão é feito à mão, ao menos poderia sê-lo, e por qualquer um. A irregularidade do desenho da bandeira brasileira no centro do logo Dilma diz que o Brasil também é o que até mesmo uma criança pode desenhar. Em contraste, o design assaz digitalizado do logo Temer, com sua esfera e estrelas perfeitas e dispostas em função de uma rígida simetria, é coisa que somente um já iniciado e equipado teria condições de produzir. Agora, infelizmente, o “logotipus brasilis” fala mais de meritocracia do que de democracia.
Em terceiro lugar, se pensarmos em que nível os dois logotipos pressupõem os seus observadores, temos que o logo Dilma, por ser deliberadamente chapado no plano de apresentação, não se coloca nem acima nem abaixo de quem o vê. Tampouco propõe distorção de perspectiva, uma vez que para o “Brasil” ser efetivamente um “País de Todos” o lema não deve parecer outro em função da posição do observador. O logo Temer, em troca, coloca o “Brasil” e o “Governo Federal” vistos de baixo para cima e em dramática perspectiva, fazendo com que o observador nunca esteja no mesmo nível dele e, pior ainda, que para estar em pé de igualdade a escalada é árdua.
Em quarto lugar, vemos que em oposição à garatuja de bandeira brasileira que “ingenuamente” compõe a letra “A” da palavra Brasil, o logo Temer mutila a bandeira Brasileira e traz somente o seu centro, a bola azul e as estrelas brancas, deixando claro que a bandeira brasileira, com a riqueza e diversidade que ela representa, não tem mais lugar junto do “BRASIL” e do “GOVERNO FEDERAL” golpista. Mais ainda, que esse centro azul estrelado alienado de sua periferia verde e amarela se coloca na frente do Brasil, gerando inclusive uma sombra sobre o nome do nosso país. Vale ressaltar também que o logo Dilma dispensa a frase positivista “Ordem e Progresso”, enquanto que o logo Temer, com seus jogo de profundidades, coloca esse questionável positivismo em primeiríssimo plano.
Em quinto e último lugar, todavia deixando o plano semiótico e caindo no linguístico, não poderiam ficar de fora da presente análise os textos dos dois logotipos. Afora a presença de “Brasil” e de “Governo Federal”, comum aos dois, temos no logo Dilma a ideia de “um país de todos”, e no logo Temer, a de “ordem e progresso”. Um país historicamente estruturado na desigualdade -social, econômica, racial, de gênero- é revolucionado ao ser pressuposto “de todos”, ao passo que, ressuscitando-se os velhos ordem e progresso apenas se dá, de modo reacionário, continuidade à produção da desigualdade estrutural da qual o logo Dilma queria se ver livre. Que ordem e que progresso são esses do logo Temer? Melhor dizendo, quem dita essa “ordem” e esse “progresso” que se coloca de modo vertical na “cara” com que esse governo golpista se apresenta?
Em suma, o logo Dilma tem a virtude de contemplar a diversidade étnica brasileira com suas muitas cores; o espírito popular livre de qualquer “academicismocentrismo” com a proposta naif; um país de todos com a horizontalidade com que esse lema é apresentado; e a liberdade em relação aos velhos dogmas com a eliminação dos positivistas ordem e progresso. Em contraste, o logo Temer é assaz vicioso ao contemplar os brancos de sangue azul com a eleição quase exclusiva dessas duas cores; o espirito meritocrático-tecnicista que melhor atende os Senhores do Liberalismo; o desnível social com a perspectivação do Brasil e do Governo Federal a ponto de todos estarem bem abaixo deles; e, por fim, a revivificação de velhos dogmas com a, digamos assim, “primeiro-planização” do “Ordem e Progresso”.
Mais triste do que ver o elitista logo Temer substituir o democrático Logo Dilma, no entanto, é saber que, em se tratando de propostas para o Brasil, a de Temer afastou a de Dilma. E com esse afastamento, a alienação, para fora da arena social, assim como para fora do logotipo golpista, da diversidade étnica, do espírito popular, da horizontalidade social, e da possibilidade de seguirmos adiante livres de um lema importado do velho mundo por uma elite que outra coisa não quer senão que o passado progrida futuro adentro, segundo as suas ordens, sem pedágios sociais, e carregando consigo velhas desigualdades e privilégios. Mesmo substituído, que a ideia por trás do primeiro logotipo do governo Dilma ao menos permaneça viva como a memória de uma proposta de um novo Brasil, que, em 2016, entretanto, ainda pode ser afastada pelo velho Brasil.