Nascido na RDC, cresceu no Uíge, “imigrando” para Luanda em 2002. Eletricista-auto, trabalhava na zona do Kifica. Em Janeiro de 2012, depois do trabalho, pelas 19h00, dirigiu-se sozinho para uma maratona a decorrer no Palanca (“Maratona do Zabá”), algo que sucede diariamente naquele bairro.
Seriam quase 20h00 quando 4 agentes fardados e 2 a civil entraram no local efetuando disparos, dispersando a centena de cidadãos ali presentes. Correram cada um para o seu lado para se abrigarem. Sisco também correu, mas não foi muito longe pois esbarrou com um dos agentes que lhe impediu a passagem e o levou compulsivamente para a carrinha da polícia nacional estacionada à porta.
Aí encontrou 15 outras pessoas, 2 das quais conhecia de vista, sendo o restante completos estranhos, todos apanhados na mesma maratona. Enquanto empurravam as pessoas para empilhá-las dentro da carrinha iam perguntando se tinham documentos e na confusão 5 conseguiram por-se em fuga. Já dentro da carrinha, 3 agentes se juntaram aos 11 restantes.
A caminho de não sabiam muito bem aonde, Sisco tira o seu BI e exibe-o aos agentes. Aquele que identifica como “Chefe Luís” e diz ser chefe da missão replica-lhe friamente: “isso não é dinheiro”. Ato contínuo recebe-lhe o bilhete da mão e coloca-o no seu próprio bolso.
Anunciou em alto e bom tom que quem quisesse evitar a detenção teria de desembolsar 15 mil kwanzas antes de chegarem à esquadra. Um dos presentes tinha 20 mil no bolso, entregou-o, o carro parou, o homem desceu. Outros 5 ligaram para familiares usando o telefone do “chefe Luís” (os seus tinham sido confiscados). Desses, três tinham o dinheiro à mão de semear, tendo o carro-patrulha passado de casa em casa para o recolher, os outros dois foram soltos já na esquadra quando os familiares portadores dos valores se fizeram presentes.
Tal como prometido, os que não produziram o valor exigido foram alvo de uma acusação de serem cúmplices de um tal de Guélor que teria roubado 600 USD a alguém. Todos negaram. A pancadaria, que começou ainda no carro com coronhadas de AK-47 para reforçar a seriedade da exigência, foi retomada pelas 2h00 da madrugada, quando alguns agentes vieram recolher os recém detidos à cela onde repousavam, amarraram-nos estilo helicóptero/mochila (cotovelos tocando-se por trás das costas, por vezes os tornozelos amarrados aos cotovelos fazendo um arco com o corpo), começaram a espancá-los com tacos de basebol nos joelhos, costas e resto do corpo de forma indiscriminada. Cisco ficou com duas coloides bem visíveis para secundar o seu testemunho. Depois de aproximadamente uma hora de tortura cagou-se e aí foram devolvidos à cela dessa esquadra do Palanca 2.
Pela manhã foram encaminhados para o Comando de Divisão do Kilamba Kiaxi, no Nova Vida, onde aguardou 2 dias para ser ouvido pelo investigador René. Cisco diz que este mostrou-se perplexo pela narração aqui reproduzida insistindo na pergunta se não era de facto conhecido do tal de Guélor. Nunca viu o queixoso que deu pela falta dos 600 USD.
Assinou o auto de interrogatório depois de um intérprete confirmar o seu testemunho e voltou para a cela. Daí foi embarcado para a CCL. Sete meses depois, duas das pessoas que tinham sido rusgadas consigo naquela maratona foram soltas. Para sua estupefação, soube que subitamente o nº do seu processo passou a estar associado a outra pessoa com um crime completamente distinto daquele que é acusado. Ficou então, hoje, 4 anos depois, sem saber o que fazer e sem esperança à qual se agarrar pois passou a ser um fantasma para o sistema de justiça.
Na CCL foi torturado por efetivos dos Serviços Prisionais por duas vezes. Dois agentes que identifica como “chefe Gui” e “chefe Kalunguissa”. Focando-se particularmente num dos episódios, conta que ocorreu de madrugada ao ser conduzido para a cela disciplinar à pontapés e bastonadas com um artefacto metálico até que lhe saísse sangue pelos ouvidos e narinas. Só pararam de bater-lhe quando os outros reclusos se meteram a gritar dizendo que iam matá-lo.
Na manhã seguinte um agente de patente superior chamou os agressores e exigiu-lhes que se explicassem. Os agentes tiveram o descaramento de imputar as agressões a outros reclusos que não conseguiam identificar. Cisco foi encaminhado ao posto médico mas aos agentes não foi sequer aplicado um processo disciplinar, tendo continuado a trabalhar normalmente.
Cisco alega ter testemunhas que um dos dois homens solto depois de 7 meses de detenção abusiva por não ter 15 mil kwanzas de gasosa foi assassinado pelo “chefe Luís”, o mesmo que os deteve em 2012.