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Diário Liberdade
Sexta, 20 Janeiro 2017 09:23 Última modificação em Segunda, 23 Janeiro 2017 13:47

Verdade ou mentira? Intelectual francês analisa os clichês sobre Fidel Castro

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País: Cuba / Resenhas / Fonte: Solidários

Muitas pessoas no mundo, começando por milhões de cubanos, prestaram tributo em memória a Fidel Castro. Mas o falecimento do revolucionário também foi a ocasião para espalhar mais uma vez alguns clichês de propaganda anticastrista que se pensava que estavam sepultados com a Guerra Fria. Outra vez surgem nos meios de comunicação. Castro condenou os cubanos à miséria enquanto tinha milhões escondidos em uma conta secreta; Castro fez de Cuba uma prisão ao ar livre; Castro era homofóbico... E, obviamente, o inevitável: “Era um ditador”. Submetemos esse discurso à avaliação de um dos melhores especialistas em Cuba, Salim Lamrani, para um questionário de “verdadeiro ou falso”.

Fidel Castro condenou os cubanos à miséria

Salim Lamrani: Os indicadores das instituições das Nações Unidas sobre Cuba desmentem essa afirmação. Uma das grandes conquistas de Fidel Castro e da Revolução é ter criado um sistema de proteção social considerado por unanimidade como o exemplo a ser seguido pelas nações do Terceiro Mundo, universalizando o acesso à saúde, à educação, à cultura, à moradia, à segurança, ao esporte e à recreação.

 

Alguns dados ilustram essa realidade. A taxa de alfabetização é de mais de 99% e a UNESCO destaca que os alunos cubanos têm os melhores resultados escolares de toda a América Latina em todas as disciplinas. Cuba dedica cerca de 14% de seu orçamento à educação. Nenhum país no mundo investe tanto nesse setor. A título de comparação, a França dedica ao redor de 7% de seu orçamento em educação. Logo, todas as carreiras são universais e gratuitas para todos os cubanos.
 
Enquanto à saúde, a expectativa de vida é de cerca de 80 anos e a taxa de mortalidade infantil é de 4,6 a cada mil. Nenhum país do continente americano, inclusive Canadá e Estados Unidos, tem uma taxa de mortalidade infantil tão baixa. Segundo a UNICEF, Cuba é o único país da América Latina e do Terceiro Mundo que erradicou a desnutrição infantil. Cuba é o primeiro país do mundo que eliminou a transmissão do HIV de mãe para filho. Obviamente, é impossível alcançar semelhantes indicadores sem o acesso a uma boa alimentação, a condições de vida decentes, a un sistema de educação eficiente e a atendimento médico de primeira qualidade.
 
Poderíamos dissertar também sobre a importância da cultura em Cuba, que pode ser ilustrada pelas numerosas manifestações a cada ano. Poderíamos evocar o espaço central que ocupa o esporte, que contribui para o bem estar físico e moral dos cidadãos e que lhes transmite valores de partilha, de generosidade, de altruísmo e de solidariedade, fundamentais para o equilíbrio da sociedade.
 
Convém recordar que essas extraordinárias conquistas, únicas para um país do Terceiro Mundo com recursos limitados, foram alcançadas em um contexto de extrema hostilidade. Cuba sofre sanções econômicas excessivamente severas que afetam todas as categorias da sociedade e todos os setores da economia. Têm custado mais de 120 bilhões de dólares para a ilha em mais de meio século.
 
Fidel Castro tinha uma fortuna pessoal estimada em 900 milhões de dólares
 
Salim Lamrani: A revista Forbes fez a estimativa e confessou ter creditado de modo arbitrário uma parte do PIB cubano a Fidel Castro. Por consequência, a cifra não tem credibilidade. Por outro lado, todos os observadores e todas as personalidades estrangeiras que tiveram o privilégio de conhecer Fidel Castro expressaram sua surpresa pelas condições de vida austeras do líder da Revolução Cubana. O mesmo acontece com todos os quadros que têm um cargo oficial.
 
Fidel Castro fez de Cuba uma prisão ao ar livre e não vacilou em massacrar quem tentasse fugir
 
Salim Lamrani: Nenhuma organização internacional nunca apontou algum caso de assassinato político, de execução extrajudicial, de desaparecimento ou de tortura em Cuba desde 1959. Nenhum jornalista foi assassinado em Cuba desde o triunfo da Revolução. Poucos países no mundo, inclusive os mais desenvolvidos, podem apresentar semelhante balanço nos últimos sessenta anos.
 
Mais de quatro milhões de turistas viajam a Cuba a cada ano. Se Cuba fosse uma prisão ao ar livre, onde se reprime a população, se apressariam a contar essa suposta realidade em seu regresso da ilha e obviamente escolheriam outro destino para suas próximas férias. Agora, vejamos, a imensa maioria dos turistas voltam felizes de sua estadia em Cuba da qual apreciam a hospitalidade, o calor humano, a fraternidade, a história, a cultura, a segurança, a ausência de miséria (embora haja pobreza) e não veem a hora de regressar à ilha.
 
Se Cuba fosse uma prisão ao ar livre não haveria meio milhão de cubano-americanos que visitam a ilha a cada ano. Convém recordar que, por ano, mais de mil cubanos que emigram para o exterior decidem regressar definitivamente a seu país de origem. Esses fatos são eloquentes.
 
Fidel Castro era homofóbico
 
Salim Lamrani: Esse tema foi instrumentalizado muitas vezes por razões políticas. Nos anos sessenta os preconceitos e as discriminações com os homossexuais eram gigantescos em todo o mundo. Nenhum país escapou disso, inclusive as democracias ocidentais.
 
Quando a Revolução Cubana triunfou, em 1959, a sociedade cubana era de tradição católica e patriarcal e havia, como em todas as nações que tinham essas características, preconceitos com certas categorias da população.
 
A grande crítica que se faz contra Cuba é sobre as Unidades Militares de Ajuda à Produção (UMAP) que duraram dois anos, na década de 1960. É preciso lembrar os fatos. Em Cuba o serviço militar é uma obrigação. Nos anos de 1960 as pessoas que não desejavam prestar o serviço por razões éticas, filosóficas, religiosas ou pessoais deviam fazer um serviço cívico realizando trabalhos agrícolas em unidades no campo. Nessas UMAP os homossexuais foram vítimas de discriminações, vexames e humilhações e foram alojados em casas separadas.
 
Essas violações dos direitos humanos chegaram ao conhecimento de Vilma Espín, esposa de Raúl Castro e sobretudo presidenta -fundadora da poderosa Federação de Mulheres Cubanas. Então ela informou Fidel Castro. Este, que sempre se apoiou na juventude e nos estudantes, decidiu enviar clandestinamente um grupo de militantes da União de Jovens Comunistas nas UMAP para averiguar os fatos. Após várias semanas de investigação, emitiram um relatório esmagador que confirmava os atentados contra os direitos dessas pessoas e as UMAP foram fechadas em 1968, ou seja, pouco menos de dois anos após sua criação. Lembremos que o único papel de Fidel Castro nas UMAP foi proceder com seu fechamento definitivo.
 
Recordemos também que intelectuais como Virgílio Peña e Lezama Lima foram marginalizados e condenados ao ostracismo. Quando se dá certo poder a burocratas marcados pela ignorância e os preconceitos, esse tipo de abuso é lamentavelmente inevitável. A homossexualidade foi tipificada como delito penal até 1979 em Cuba.
 
Qual é a situação hoje? As autoridades têm tomado medidas para lutar contra os preconceitos. 
 
Assim, em 1993, o Estado cubano financiou o filme Fresa y chocolate (Morango e chocolate), que denuncia as discriminações e os preconceitos contra os homossexuais. Desde 1995 os homossexuais participam como grupo no desfile de 1º de maio. O Centro Nacional de Educação Sexual, presidido por Mariela Castro, realiza um trabalho pedagógico e cultural notável com o apoio do Estado cubano para lutar contra os preconceitos. O Estado financia integralmente as operações de mudança de sexo. Desde 2007 o Ministério de Saúde Pública também financia um festival de cinema gay, todos os anos. Adela Hernández, uma pessoa transgênero nascida com o nome de José Agustín Hernández, foi eleita para a Assembleia Municipal da cidade de Caibarién em 2012, o que ilustra a evolução das mentalidades em Cuba. Pelo que eu sei, não há nenhum caso similar na França ou nos Estados Unidos. Esses fatos demonstram que a situação das pessoas com uma orientação sexual diferente em Cuba não corresponde à imagem veiculada pela mídia nas nações ocidentais.
 
Dito isso, é imprescindível agora lembrar qual era a situação dos homossexuais no mundo, inclusive nas grandes democracias ocidentais. Em uma palavra, era semelhante à de Cuba na mesma época. Havia muitos preconceitos. Na França, em 1960, o governo do presidente Charles De Gaulle classificou a homossexualidade de “praga social” (Lei nº 60-773 de 30 de julho de 1960). Convém lembrar também que após a Segunda Guerra Mundial os deportados homossexuais não podiam pretender nenhum reconhecimento de seu status de vítimas de guerra nem indenização alguma. Em 1968 a França adotou o ponto de vista da Organização Mundial da Saúde e classificou a homossexualidade como uma doença mental. A OMS só derrogaria essa classificação em 1991. A França considerou a homossexualidade como delito penal até 1981. Hoje em dia, na França, as comunidades homossexuais ainda são vítimas de algumas discriminações. Por exemplo, não pode doar sangue nas mesmas condições que as categorias heterossexuais.
 
Nos Estados Unidos a homossexualidade era considerada um transtorno psiquiátrico e inclusive era “tratada” por meio da lobotomia até 1951. Sob o macartismo, os homossexuais perdiam seu emprego e às vezes terminavam na prisão. Nos anos 1970, a polícia intervinha regularmente nos bares de homossexuais. Em março de 1970, 167 pessoas foram presas em um bar de Greenwich Village, em Nova Iorque. Até 1990, os serviços de imigração podiam negar a entrada nos Estados Unidos para estrangeiros homossexuais. Nos anos de 1980, a homossexualidade era um delito penal na metade dos 50 estados dos EUA. Mesmo hoje em dia, em pleno século XXI, nos Estados Unidos a homossexualidade é um delito penal em 13 estados.
 
Fidel Castro era um ditador
 
Salim Lamrani: Nenhum dirigente no mundo pode ficar 30 anos à frente de um país – pois é bom lembrar que Fidel Castro foi presidente de 1976 a 2006 – em um contexto de guerra latente com os Estados Unidos sem um apoio majoritário do povo.
 
Os diplomatas estadunidenses que operam em Cuba são muito lúcidos a esse respeito. Em um memorando de 2009, Jonathan Farrar, então chefe da Seção de Interesses Norte-americanos em Havana – nessa época ainda não havia embaixada – ressaltou que “seria um erro subestimar o apoio do qual dispõe o governo, particularmente entre as comunidades populares e estudantis”.
 
Todos os observadores sérios são unânimes em reconhecer que Fidel Castro era amado pelos cubanos, ainda que, como em todas as sociedades, sempre houve setores insatisfeitos.
 
Por outro lado, é bom lembrar que Fidel Castro foi eleito a cada cinco anos desde a adoção da nova Constituição em 1976. Antes, na Cuba revolucionária, houve outros dois presidentes: Manuel Urrutia de janeiro a julho de 1959 e Osvaldo Dorticós de julho de 1959 a dezembro de 1976.
 
Também é bom que se saiba que há eleições diretas em Cuba a nível municipal, provincial e legislativo. Todas são realizadas a partir de sufrágio universal e secreto a cada dois anos e meio para as eleições municipais e a cada cinco anos para as provinciais e as legislativas. O Partido Comunista cubano, que é o único partido político da ilha, não desempenha absolutamente nenhum papel eleitoral. A legislação cubana proíbe o PCC (Partido Comunista de Cuba) designar os candidatos. São os eleitores, em suas circunscrições, que designam os candidatos. Para cada eleição, deve haver ao menos dois candidatos e no máximo oito. Uma vez designados os candidatos, seu currículo é exposto em praça pública. São proibidas as campanhas eleitorais. Além disso, em Cuba os eleitos podem ser revogados durante seu mandato se os eleitores decidirem. Por exemplo, um deputado eleito com 57% dos votos poderá ser revogado pelos eleitores se 57% + 1 expressar sua vontade nesse sentido.
 
Para as eleições presidenciais, o processo é indireto. É o Parlamento que elege entre seus deputados os membros do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros, assim como seu presidente. Assim, para chegar à presidência de Cuba, Fidel Castro primeiro teve que ser designado candidato ao Parlamento, depois eleito deputado por sufrágio universal e secreto e então eleito pelo Parlamento como presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros. Em Cuba o presidente é ao mesmo tempo chefe de Estado e chefe de Governo.
 
Salim Lamrani é doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos pela Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, professor titular da Universidade de La Réunion e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama Cuba, palabra a la defensa!, Hondarribia, Editorial Hiru, 2016.
 
Fonte: Cubainformación. Tradução de Eduardo Vasco/Solidários a Cuba. O original encontra-se em Investig'Action.
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