Desde 2015, o país vive uma recessão econômica agravada pela política de ajuste fiscal e corte de investimentos do governo de Salvador Sánchez. Hoje, segundo dados da ONU, quase metade dos habitantes vive abaixo da linha da pobreza e se estima que 10% dos salvadorenhos estão desnutridos. Os jovens são as principais vítimas dessa situação, tendo que enfrentar o desemprego e a crescente violência urbana. Para entender melhor a situação em El Salvador, A Verdade conversou com lideranças da Coordinadora Estudiantil (Coordenação Estudantil), uma organização de jovens revolucionários do país.
Lene Correa e Redação
A Verdade – Os jovens e as mulheres são os mais prejudicados pela crise no mercado de trabalho da América Latina. Segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT), quase 20% dos jovens de 15 a 24 anos estão desempregados. Como o desemprego atinge a juventude em El Salvador?
Nosso território se encontra debaixo do jugo do imperialismo norte-americano, seguido pelo imperialismo russo e chinês. Isso nos obriga a focar nossa produção num rumo específico, já que só possuímos 21 mil km2 de extensão. Neste sentido, o território foi destinado para a oferta de serviços e para a exploração turística. Somos aproximadamente seis milhões de habitantes, mais dois milhões de compatriotas que se encontram nos EUA e um milhão espalhados ao redor do mundo.
É Graças a esses três milhões de irmãos distantes que a economia no país se mantém. É assim que a remessa de dinheiro se converteu em nossa principal fonte de renda nacional, com o turismo logo em seguida. Há ainda um grande contingente de pessoas desempregadas, dispostas a duas opções: sair do país para converte-se em mão de obra barata nas superpotências, ingressando nessas caravanas migratórias que sempre existiram, mas hoje são mais divulgadas. A segunda opção é competir por um posto de trabalho com um salário mínimo de 300 dólares (cerca de 1.200 reais), fora os descontos de impostos e outros, seja nas zonas francas, comércio local e, se tiver sorte, um curso técnico e falar inglês, pode trabalhar num call center, onde se recebe de 450 a 600 dólares por mês (1.800 a 2.400 reais), entretanto, o custo da cesta básica hoje é de 700 dólares (2.100 reais).
Como último ponto, a produção agrícola se reduziu apenas a um pequeno grupo de produtores de grãos básicos, já que, ao receber remessas apenas se tornam consumidores e deixam de produzir.
Por conta dessa situação, milhares de famílias deixam o país para tentar sobreviver no México e nos EUA. Como o movimento estudantil combate a violência dos EUA contra os salvadorenhos?
A coordenação estudantil trabalha para dar visibilidade às guerras de intervenção dos EUA, entretanto, uma linha de luta em favor do migrante é algo que não pode dimensionar de forma plena o movimento estudantil. Isto também tem sua origem nos acordos de paz de 1992, uma vez iniciados os acordos de paz, também se inicia um processo sistemático para corromper e destruir o movimento estudantil. Entre os anos 2005 e 2006, começou-se a gestar um processo de destruição do movimento. Primeiro foi o grande golpe ideológico da paz, ao encontrar-se nesta condição, perde-se a clareza de contra quem lutar. O FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional), que era um partido de esquerda, passou a cooptar as organizações sociais. É assim que o primeiro que se fez foi desvincular as lutas dos estudantes universitários e dos secundaristas, uma vez feito isso, em cumplicidade com a direita obstinada do país, ante a luta estudantil secundarista, que se encontrava no auge e sem direção das forças políticas oficiais, a partir do assassinato de dois policiais num protesto, aprovam a lei antiterrorismo, e inicia uma caça às bruxas, o FMLN se desliga do vínculo que tinha com essas lutas e os protestos passam a ser criminalizados. Enquanto isso, o setor universitário é cooptado e seus líderes são comprados a tal ponto que, hoje em dia, existem cerca de mais de 30 organizações estudantis na única universidade nacional do país, a Universidade El Salvador.
Nos bairros mais pobres de San Salvador há muitas denúncias de violência da polícia e das gangues de traficantes contra a população. Como é a vida dos jovens nestes bairros?
Ser jovem em El Salvador é um perigo. Isso se deve às gangues, que são estruturas criminosas em favor do grande capital e como medida anti-insurgente no nosso território. O jovem, por ser jovem, já é suspeito, especialmente se mora em territórios chamados “de risco”, lugares onde há uma suposta maior concentração de membros de gangues. Estas começaram como grupos de migrantes em busca de uma identidade, uma forma de agrupamento contra a discriminação que viviam. Esses grupos estavam sendo integrados à luta social pelo movimento estudantil, mas ao dividi-lo, foram cooptados pelo tráfico de drogas. É assim que agora se converteram em mão de obra barata para o tráfico de drogas, vendendo-se pelo menor lance, com mortes, principalmente de homens jovens, atingindo números de 12 a 24 por dia. Ocorre também uma “sexualização” e um entorpecimento da nossa juventude, que se soma a essas estruturas por não encontrar emprego, procurando o que comer, vestir ou pela dependência de alguma substância que só pode obter na gangue.
Agora, quando o jovem decide se tornar um ativista social, líder estudantil, dirigente sindical ou outra forma de expressão organizativa, passa a ser perseguido ou executado por estas estruturas.
Quanto à repressão do governo, já que temos a lei antiterrorismo que criminalizou os protestos, proibindo passeatas, eles podem levar um jovem preso por tempo indefinido pela simples suspeita de ser terrorista. Os processos judiciais se tornaram pesados e o abuso que contra os jovens é para “dar o exemplo” do que acontece se você desobedecer ao governo. Lembro-me que para o 1º de Maio de 2016, após a marcha realizada pela Coordenação Sindical, para dispersar os grupos de jovens que permaneceram no local foram provocados pelas FIRS (Forças Integrais de Recuperação de Territórios) e pela UMO (Unidade de Manutenção da Ordem) por ordens da Presidência, porque é a única autoridade que pode dar a ordem de reprimir. Eles fecharam um perímetro para manter as pessoas com mais de 50 soldados e grupo, fora este, esperando para sair, em seguida, provocaram os jovens e aqueles que caíram na provocação começaram a ser golpeados e não deixaram que os demais se aproximassem para ajudar, apontando armas carregadas com munição de verdade e arrastando quem conseguisse sair do perímetro, parados por policiais à paisana e interrogados. Gás pimenta foi pulverizado e câmeras e celulares foram confiscados para que não existisse registros audiovisuais.
Como está organizado hoje o movimento estudantil salvadorenho e quais são suas principais lutas?
Realmente, neste momento, é arriscado dar detalhes, mas podemos falar, em termos gerais, que existem no setor universitário três ou quatro linhas de organização, as históricas, que se tornaram organizações pró-FMLN, linha puramente academicista, que não se importa com nada além das questões acadêmicas, a linha parasitária, que são organizações que se fecharam para si e se venderam pelo melhor lance, podem estar com um ou com outro partido de acordo com o que recebam de esmola. E finalmente existem organizações como grupos ambientais, pró-feministas, anarquistas, e mesmo a nossa organização, a Coordenação Estudantil, que nasceu da luta contra a privatização da Universidade de El Salvador, são organizações que nasceram deste processo de dispersão e estamos à procura de novas formas de luta, democráticas, artísticas e de protesto franco e aberto, incluindo contra o fascismo instaurado em nosso país, já que o fascismo não é apenas o contingente militar, como normalmente se pensa. É também o controle das massas, algo contra o qual também estamos lutando hoje.
A Coordenação Estudantil participou do 26º Eijaa (Encontro Internacional Antifascista e Anti-Imperialista da Juventude) realizado no México, no ano passado. Qual a importância deste evento para os jovens revolucionários?
Foi importante nossa participação no Acampamento Internacional. Vimos que sofremos problemas iguais, que nossas vidas são muito semelhantes, que nossos povos estão vivendo e sofrendo muito. Mas, ao mesmo tempo, afirmamos que estamos sempre na luta, sempre na luta para transformar a sociedade, que temos a certeza que teremos uma revolução pois não suportamos mais viver em um mundo de escravidão, em detrimento desse sistema que oprime a classe operária e por isso, foi muito importante nossa participação. Compreendemos que a maior parte dos países que estiveram no acampamento tinham historias parecidas e que a luta continua pela soberania de nossos países. Foi uma experiência edificante poder aprender com todos, através das suas intervenções, esta foi a primeira vez que El Salvador participou do Encontro Internacional da Juventude Antifascista anti-imperialista e foi uma grande experiência para todos nós.