Os governos da Colômbia e da Venezuela tensionaram as relações nos últimos dias, com troca de acusações e escalada da retórica militar. Após o governo venezuelano denunciar, na semana passada, a existência de um grupo terrorista organizado na Colômbia que estaria planejando atacar Caracas, o presidente colombiano, Iván Duque, acusou o país vizinho de acobertar ações de ex-comandantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que anunciaram a saída do acordo de paz, assinado em 2016. Autoridades venezuelanas alegam que a Colômbia utiliza o ressurgimento da guerrilha em seu próprio país como pretexto para justificar eventual ação militar para derrubar o presidente Nicolás Maduro, com apoio dos Estados Unidos.
Na última quinta-feira (5), Duque descartou uma ação armada, alegando que a Colômbia “sempre respeita a territorialidade de outras nações”. A Venezuela havia decretado um “alerta laranja” e reforçado a segurança na fronteira com o país vizinho, anunciando a instalação de um sistema de mísseis. Eles também preparam manobras militares que terão início na próxima terça-feira (10), em em comemoração do 14º aniversário da criação do Comando Estratégico Operacional das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (CEOFANB).
Segundo o consultor e analista internacional Amauri Chamorro, uma guerra entre os dois países seria um “erro estratégico” do governo colombiano. “Duque vê caindo cada vez mais a sua aprovação e acaba utilizando constantemente a tensão com a Venezuela como uma forma de tentar reagrupar setores da direita, além de tentar distrair a atenção da mídia para o que está acontecendo no país. A verdade é que não há a menor possibilidade de invasão com a Venezuela. Seria um erro estratégico tremendo”, afirmou em entrevista ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, na última sexta-feira (6).
Ele diz que, apesar da crise econômica, a Venezuela tem expressiva estrutura militar, e conta com armamentos e suporte técnico da Rússia e da China. Além disso, o governo venezuelano diz contar com o apoio das milícias bolivarianas, que somariam cerca de 3 milhões de cidadãos comuns que receberam treinamento militar para agirem em caso de invasão estrangeira.
Violência institucional
Sobre a Colômbia, Chamorro que o governo de Duque não vem cumprindo com as obrigações firmadas no acordo de paz, que prevê o desarmamento dos grupos guerrilheiros em troca da sua devida integração à vida política do país. Dois ex-comandantes que anunciaram a retomada das ações armadas foram eleitos como senadores, mas não puderam assumir os cargos, vítimas de perseguição jurídica, que o analista classifica como “lawfare“.
Ele lembrou que, ao longo da história colombiana, sete candidatos presidenciais de grupos de esquerda foram assassinados. Também não foi a primeira vez que as Farc tentam abandonar a luta armada. Em 1985, os combatentes, junto a outros setores organizados, criaram a União Patriótica (UP), com vistas a disputar as eleições. Dois dos candidatos foram assassinados por forças paramilitares ligadas ao governo, que também massacraram mais de 3 mil militantes da UP e seus familiares.
Drogas
Segundo ele, a Colômbia ainda sofre com o tráfico internacional de drogas para atender o mercado consumidor norte-americano, mesmo depois da implementação do Plano Colômbia (1999), em parceria com os Estados Unidos, que tinha por objetivo deter o tráfico e erradicar as áreas de plantio de coca.
“A Colômbia tem um papel importante para os Estados Unidos, não só geopolítico, como polo de influência na região, mas também de fornecimento de drogas. Os Estados Unidos consomem 70% de toda droga produzida no planeta, e a Colômbia segue sendo o principal fornecedor de cocaína. O país tem saídas tanto para o Atlântico quanto para o Pacífico, com uma grande capacidade geográfica para fornecer esse tipo de droga. Máfias nos Estados Unidos se beneficiam desse comércio.”
Chamorro afirma ainda que Duque é um “peão” do ex-presidente Álvaro Uribe, que se opõe ao acordo de paz com as Farc, e mantém relações com os grupos paramilitares. “Duque não cumpriu com absolutamente nada na implementação do acordo de paz, como a desmobilização dos combatentes dos guerrilheiros que optaram pela vida civil. O estado colombiano deveria ter criado as condições para que esses ex-militares fossem reintegrados à vida civil. Isso não aconteceu. Duque sempre questionou o acordo de paz. Ele é um peão do ex-presidente Álvaro Uribe, o grande articulador dos grupos paramilitares colombianos.”