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Diário Liberdade
Quinta, 20 Outubro 2016 18:49 Última modificação em Segunda, 24 Outubro 2016 19:55

Todos contra a violência machista

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País: Argentina / Mulher e LGBT / Fonte: Esquerda Diário

[Andrea D’Atri] Apesar da profunda dor de haver perdido sua irmã Lucía, brutalmente torturada e assassinada, vítima da violência machista, Matías Perez não se resigna.

Escreveu uma carta pública na qual expressa: “Temos de nos mobilizar e sair às ruas, para gritarmos todos juntos, agora mais que nunca: ‘Ni una a menos’ (Nem uma a menos). Somente assim evitaremos que matem outras milhares de Lucías. ” Seu comovente pedido de justiça para sua irmã, se converte em um chamado a luta para que não tenhamos de chorar por outras mais.

Uma paralisação contra os feminicídios

Não há dúvida de que nós mulheres estamos no centro dessa dor. Das vítimas de “violência de gênero” 80% são mulheres. Dos agressores, 80% homens. Essa simples estatística é suficiente para entender – como se fosse necessário – que a violência patriarcal se descarrega, avassaladoramente, sobre nós. E há outro dado mais: os agressores, além de tudo, costumam ser companheiros ou ex companheiros das vítimas, como vimos ontem em dois novos feminicídios seguidos do suicídio de seus perpetradores.

Mas nós mulheres não somos somente vítimas dessa violência. Também somos motor e protagonistas da luta para que não haja #NiUnaMenos. Como o mostra uma longa tradição de combates deflagrados pelas mulheres contra a carestia, contra o terrorismo de Estado e a impunidade dos genocidas, pelo direito ao trabalho digno e contra a fome, pelos jovens assassinados pelo gatilho fácil ou pelas vítimas das catástrofes sociais, as mulheres retornam a sair às ruas massivamente, desde o último ano, para parar a mão da violência machista.

Isto também se expressou na grande convocatória que teve o último Encontro Nacional de Mulheres, em Rosário, o mais concorrido em trinta e um anos de existência. O duro ataque contra os Encontros provenientes de setores fundamentalistas, governos e grandes meios de comunicação, assim como também as concessões que fazem a esses setores algumas agrupações que integram as Comissões Organizadoras (evitando a confrontação com a Igreja, impedindo que as mulheres decidam democraticamente ou impedindo que se acrescente muito mais participação), são suas “medidas de prevenção” contra a possível emergência de um movimento de mulheres independente e de luta que pode desenvolver-se amplamente e cumprir um importante papel diante das próximas crises.

Esta vez, frente a saturação e a comoção que produziu o feminicidio de Lucía Perez, algumas companheiras do movimento de mulheres propuseram fazer uma “paralisação de mulheres”, enquanto outras propusemos fazer uma exigência às centrais sindicais como a CGT (que acordou uma trégua escandalosa com o governo ajustador de Mauricio Macri) ou como as do CTA (que limitam a força da classe trabalhadora a medidas isoladas e impotentes), para que essa greve seja efetiva e se somem também os trabalhadores homens. Pela primeira vez na história do movimento operário da Argentina, exigimos uma paralisação contra os feminicídios, porque #VivasNosQueremos (#NosQueremosVivas). As centrais sindicais só deram respostas formais: miseráveis declarações de apoio, mas nenhuma medida efetiva que expresse contundentemente a força da classe trabalhadora em seu conjunto.

Mas esse não foi um obstáculo para que ali onde disputamos a condução das agremiações com a burocracia sindical, companheiras e companheiros combativos, classistas de esquerda, defendêssemos na base a importância de tomar o assunto de frente e consigamos arrancar distintas medidas de luta para acompanhar a paralisação e a mobilização contra os feminicidios. Estamos orgulhosos da decisão votada em assembleia (convocada pela comissão interna opositora à direção do sindicato) de operárias e operários da Pepsico que votaram paralisar uma hora por turno e exigir do sindicato que coloque transporte para ir à marcha e convoque assembleias em toda a indústria alimentícia.

Sempre, as greves protagonizadas pelas mulheres tiveram que enfrentar não apenas as forças da ordem e as patronais, mas também as conduções sindicais tradicionais: assim o fizeram as mulheres dos inquilinatos aonde viviam empilhadas as famílias operárias imigrantes em Buenos Aires de 1907, que protagonizaram a Greve das Vassouras, contra os locatários usurários; assim também as operárias têxteis, de Massachussets (EUA), na greve "Pan e Rosas" de 1912; ou as de São Petersburgo (Russia), que em 1917, saíram a reclamar “Pão, Paz e abaixo o governo do Czar”. Quando os dirigentes as aconselharam não sair em greve no Dia Internacional das Mulheres, elas apoiaram os operários metalúrgicos, que sucumbiam rapidamente, e a paralisação se propagou como um rastilho de pólvora por distintos sindicatos, alcançando o movimento estudantil e os pequenos comércios que baixaram suas portas, dando início à revolução proletária que oito meses depois despojaria o poder burguês. Longe de temer perder o protagonismo, as trabalhadoras sempre souberam que para enfrentar grandes inimigos é necessário ganhar a solidariedade de seus companheiros de classe.

No nosso caso, a rapidez com que transbordou as bases a reivindicação pela paralisação contra os feminicidios, dá conta da revolta que causaram os 19 feminicídios ocorridos nos últimos 17 dias, diante dos quais permanece exposto a negligência, o cinismo, a política impotente e miserável do Estado e suas instituições, para os quais nossas vidas não valem nada. Os políticos que representam e defendem os interesses empresariais, assim como os dirigentes sindicais, verdadeiros experts em discriminar os setores mais explorados da classe trabalhadora – como as mulheres e a juventude – já estão se preparando, aconselhados pelo Papa Francisco, para tentar conter nossa revolta por meio de um “diálogo” com o governo ajustador e repressivo de Macri.

Unidade na luta contra o patriarcado

E ainda que nós mulheres sejamos um pouco mais da metade da população e a grande maioria dos homens rechaçam a violência contra as mulheres, os feminicídios continuam ocorrendo diante do olhar passivo da imensa maioria. Porque o patriarcado é algo mais do que um, vários ou muitos indivíduos violentos: é um modo social de reprodução entre as relações de gênero, baseado na subordinação e opressão das mulheres. Poder, hierarquia e desigualdade estão amarrados nesse sistema que persiste através da história, entrelaçado com o modo de exploração escravista, a servidão feudal e a exploração capitalista, porque o patriarcado serviu a todas as classes dominantes para perpetuar seu domínio.

E assim, os homens explorados, heterossexuais, brancos, nativos gozam de certos privilégios – irrisórios se se comparado com a vida privilegiada dos exploradores- enquanto se discrimina e violentam as mulheres, lésbicas, gays, transexuais, imigrantes. Essas divisões entre os explorados que impõem a classe dominante (fomentadas por religiões, ideologias reacionárias, a burocracia sindical e outras instituições do regime social e político) somente tem o objetivo de perpetuar no poder aqueles que nos exploram e oprimem. Por isso, na luta pela emancipação feminina e de todos os setores socialmente oprimidos não enfrentamos apenas o Estado capitalista e todas as instituições do regime de dominação que reproduzem e legitimam o patriarcado, bem como os preconceitos e a ideologia patriarcal entre os explorados. Sem ganhar as grandes maiorias, as mulheres e homens da classe trabalhadora, para esta causa, é impossível sequer imaginar que se possa avançar um passo na emancipação da mulher.

As trabalhadoras são muito mais conscientes dessa necessidade que algumas feministas radicais que, na luta por enfrentar e repudiar a violência machista, rechaçam a solidariedade dos homens antipatriarcais. Quando na fábrica alimentícia Kraft uma operária denunciou o assédio do supervisor e a empresa decidiu suspendê-la, foi a unidade de todas trabalhadoras e trabalhadores de seu turno a que conseguiu impor uma paralisação das atividades com a qual ela foi reincorporada imediatamente e o assediador, desligado da empresa. Para nenhuma operária lhes ocorreu dizer a seus companheiros de trabalho que também não paralisassem, ou que a luta era apenas das mulheres contra o assediador protegido pela patronal. Porque para ninguém que leva a vida no enfrentamento contra a opressão (patriarcal, colonial, racial, sexual ou de qualquer outro tipo) e a exploração lhe ocorreria que é melhor estar sozinho que ganhar aliados para sua causa. Imaginemos por um instante ao povo vietnamita pedindo que a juventude e os povos do mundo não se mobilizassem contra a guerra imperialista, porque não queriam perder o protagonismo em seu combate contra o exército norteamericano. Ridículo e suicida.

Por um amplo movimento de luta, independente dos partidos burgueses e da Igreja

Entretanto, se algumas mulheres têm o temor de que os homens ocupem o protagonismo na luta que nós mulheres estamos encabeçando, o certo é que os discursos mais sectários contra os homens solidários não são ingênuas nem estão desprovidas de interesse político. Muitas das que lançaram uma campanha nas redes sociais contra os “chongos” (da esquerda antipatriarcal), mostram a preocupação por sua suposta intromissão em nossos espaços de mulheres, são as mesmas que – alinhadas com os setores políticos que estão acordando com o Vaticano a política de contenção da pobreza e do conflito social, se preparando como oposição para o 2017, como o kirchnerismo e outros setores do peronismo – se negam a mencionar com nome e sobrenome os governos que não tomaram nenhuma medida para sequer paliar a violência machista. Aparentemente se incomodam com a presença dos homens de esquerda nas mobilizações contra a violência machista, pretendem nos impor uma mordaça para que não denunciemos o papel da Igreja na sustentação dessa cultura patriarcal que nos mata, porque privilegiam suas alianças políticas com Bergoglio. Não tiveram a mesma veemência para denunciar, durante uma década, a política criminal do kirchnerismo que condenou à morte milhares de mulheres jovens e pobres, vítimas das consequências do aborto clandestino.

As mulheres do Pão e Rosas e do PTS na Frente de Izquierda (FIT) consideramos que é necessário por em pé um movimento de centenas de milhares de mulheres em luta por nossos direitos, independente de todos os partidos do regime político que sustentam nossa opressão e a exploração de milhões de trabalhadores. Ainda que as mobilizações contra a violência machista são verdadeiramente multitudinárias, são episódicas e apenas algumas dezenas de milhares dessas mulheres que gritamos #NiUnaMenos, nos organizamos ou participamos do Encontro Nacional de Mulheres. Por isso, as mulheres do Pão e Rosas e do PTS na Frente de Izquierda impulsionamos comissões de mulheres em todos os locais de trabalho e estudo, na luta por todos os nossos direitos e colocamos a imperiosa necessidade de que os Encontros Nacionais de Mulheres se ampliem e facilitem a participação de centenas de milhares de companheiras trabalhadoras, desocupadas, precarizadas que ainda não podem fazê-lo. Por isso enfrentamos as manobras de um setor da Comissão Organizadora do último encontro, que se negou a reconhecer o mandato de milhares de mulheres que ali participaram, debateram e votaram que o próximo ano se organize em Buenos Aires.

Um massivo e democrático movimento de luta das mulheres que não se subordinam aos interesses dos partidos que sustentam projetos políticos pró-patronais defendendo a um ou outro setor empresarial, nem tampouco as ordens que provêm da hierarquia eclesiástica, pode se converter em uma força imparável, capaz de combater sem impedimentos por todos nossos direitos e nossas liberdades, chamando aos homens, com que compartilhamos os postos de exploração, a depor seus privilégios e lutar a nosso lado. Essa força das mulheres em luta estará presente no Ato que a Frente de Izquierda realizará dia 19 de novembro no estádio de Atlanta. A Frente de Izquierda é a única força política consequente com a luta pelos direitos das mulheres, sem compromisso com nenhuma das variantes políticas patronais que se propõem ser uma alternativa política independente da classe trabalhadora.

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