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Sábado, 14 Mai 2016 09:25 Última modificação em Segunda, 16 Mai 2016 19:53

José Serra: o patinho no MRE e suas consequências para a inserção internacional brasileira Destaque

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País: Brasil / Reportagens, Institucional / Fonte: Diário Liberdade
[Jefferson Pecori Viana*] A nomeação de José Serra para a condução do Ministério de Relações Exteriores (MRE) representa uma ruptura com a tradição diplomática brasileira de ter à frente de suas relações internacionais profissionais com histórico de carreira e competência na área internacional, tradição esta ampliada na gestão de Lula e Dilma, nas quais não apenas o cargo de Chanceler de Relações Exteriores fora concedido a partir de características técnicas-políticas, mas também a mesma regra para a enorme maioria de nossas Embaixadas. Portanto, José Serra como Chanceler brasileiro representa, mais além da ruptura mencionada – que caracteriza uma verdadeira “deformação técnica” para o Itamaraty – uma ação estratégica do Presidente Interino, Michel Temer, para conciliar em torno de si parte da oposição que tornou possível o impedimento da presidenta Dilma e, ao mesmo tempo, um passo estratégico do projeto eleitoral do PSDB-paulista para as próximas eleições presidenciais.

A ascensão ilegítima e ilegal de Michel Temer como presidente representa, na prática política, a constituição de uma democracia exclusiva e exclusivista, que bem poderia ser chamada de “austeridade democrática” daqueles que se autointitulam e são assim rotulados pela mídia de (des) informação massiva como esclarecidos (talvez daí a razão pela qual chamá-los de déspotas não seria um desvio), que trará consequências profundas para a Política Externa Brasileira, agora sob condução de José Serra. Esta deverá ser marcada pela reaproximação ideológica e prática com os Estados Unidos (não nos esqueçamos que José Serra, em entrevista com Boris Casoy, em 2012, chamou o Brasil de “Estados Unidos do Brasil”, um excelente indicativo de seu colonialismo intelectual) e o aproveitamento do que for possível das instituições herdadas de Dilma/Lula em favor da abertura comercial e financeira (da agenda neoliberal ortodoxa).

José Serra é uma das peças mais antiquarias do PSDB, tendo participado, inclusive, de sua criação, na ruptura com o PMDB de 1988. Desde então, Serra se tornou um símbolo do partido e da política brasileira tanto por suas derrotas eleitorais estonteantes quanto pelos abandonos dos cargos públicos para os quais fora eleitos. É ainda conhecido – e talvez fora o que lhe permitiu sonhar em ascender à Presidência da República – pelo enfrentamento às patentes farmacêuticas, que possibilitou a ampliação dos remédios genéricos, muito embora pouco se diga que a consequência disso foi a desnacionalização da indústria farmacêutica brasileira, que em 2012, já tem 68%[1] de seu componente representando pelas multinacionais, de modo que se observa que a defesa dos genéricos e a desnacionalização nacional são compatíveis e explica a bandeira de José Serra.

Desde o ponto de vista das Relações Internacionais, se pode dizer que a apresentação do projeto de Lei 131/2015, que afeta diretamente o petróleo do pré-sal, seja o indicativo de como José Serra conceba a soberania e o interesse nacional, qual seja: desde um ponto de vista entreguista e submisso, representando o retorno ao Itamaraty do “complexo de vira-latas”. O projeto prevê que 100% da administração do pré-sal poderá ser realizada por qualquer empresa, o que altera a permissão de 30% da gestão do pré-sal a cargo da Petrobrás.

Obviamente, pelo debate em torno da educação que a alteração do projeto terá, podemos adiantar que José Serra começará o caminho da desnacionalização do Pré-Sal e da entrega da Petrobrás pelo signo do fim do conteúdo local na produção petrolífera brasileira, condição que tem permitido a geração de uma enorme quantidade de empregos no setor naval-petrolífero e o estímulo da indústria nacional[2], que fornece muitos dos componentes necessários, numa tentativa de enfrentar a chamada “doença holandesa”.

Do mesmo modo, o desmonte do Pré-Sal passará pela entrega – ainda maior do que já realizada até o momento – da Petrobrás aos destinos do mercado financeiro global, ação que é e será amparada e subsidiada pela participação dos meios de (des) informação massiva, ampliando a imagem de corrupção e incompetência gerencial em torno da Petrobrás (não que não haja corrupção e incompetência, mas sua existência não justifica a entrega de uma das maiores riquezas de nosso país). Em prosseguimento, a terceirização da Petrobrás deverá ganhar contornos ainda mais dramáticos do que já tem hoje[3].

José Serra poderá, a partir dos interesses que representa e do prestígio mediático que tem a pasta do MRE, realizar o que não fora conseguido na gestão de FHC: a completa desnacionalização da Petrobrás e a ampliação de sua terceirização, caracterizando a entrega de patrimônio nacional e a (super)exploração do trabalho no Brasil, que convém mencionar, são dinâmicas que a própria Gestão Lula/Dilma foram incapazes de enfrentar, conseguindo, apenas por vezes, atenuá-las (mais por causalidade do ciclo econômico do que por intencionalidade), mas nunca enfrentá-las.

As perspectivas de Serra conduzindo a Política Externa Brasileira (PEB) caminham no sentido de um realinhamento com a Política Externa Estadunidense, a fim de garantir condições para aumentar a credibilidade de investimentos estrangeiros no Brasil. Claro, isso não será garantido sem um aumento das garantias entreguistas para os investidores internacionais, de modo que, se o signo da privatização não fora afastado nos últimos 13 anos (apenas remodelado em torno do que se convencionou chamar de “concessões”), agora retornará às bases características do período FHC, quais sejam: aceitar a tese de que o Estado é incapaz de atuar na economia e entregar, inclusive os recursos mais essenciais, como os minérios, ao domínio estrangeiro à perpetuidade.

A PEB dos últimos 13 anos consagrou uma inserção internacional baseada não apenas nas possibilidades de mercado, mas em estratégicas do que se chamou “Política Sul-Sul”, representando uma crescente importância dos países africanos, sul-americanos e asiáticos em nossa atuação internacional. No entanto, embora a retórica advogasse pelo estabelecimento de laços mais políticos do que econômico-comerciais, a realidade fora outra: pouco de institucionalidade política construída fora solidificado (embora muito tenha sido construído), para garantir a continuação estratégica de projetos políticos, independente do estabelecimento de governos de outras tendências ideológicas.

Dilma/Lula não aprofundaram na prática – embora na retórica o tenham feito – as relações em torno do internacionalismo pautado pelo signo de “Alianças” (aliados), mas tão somente em torno de “sócios”. Ao não fazê-lo, permite que a condução de José Serra continue lidando com os sócios e os sócios continuem lidando com o MRE sem grandes alterações, talvez num ritmo menor, mas sem rupturas. Aliás, a prova maior de que Lula e Dilma ampliaram apenas os “sócios” foi, tanto a falta de iniciativa do governo brasileiro em angariar apoios – não apenas retóricos – mas tácitos dos membros dos BRICS, quanto a falta de iniciativa dos próprios sócios em defender a legalidade de gestão de Dilma[4], talvez, porque como sócios, sabem que tanto Lula/Dilma, quando Temer/Serra representam interesses que não são contrários aos seus.

A “Política Sul-Sul”, que se materializou na institucionalização dos BRICS, na criação da UNASUL, no aprofundamento não apenas econômico do MERCOSUL, na constituição da CELAC, nos fóruns de diálogo político e econômico com a África será tratada como elemento existente, mas não prioritário da Política Externa Brasileira, o que significa que, muito provavelmente, que essas instituições continuarão existindo, mas com pouco ou quase nenhuma ênfase do MRE. As instituições que servirem para os objetivos do Chanceler José Serra – associação com o capital estrangeiro e sua atração – não serão menosprezadas, no entanto, o alinhamento (automático?) aos Estados Unidos poderá fazer com que iniciativas como a do Banco dos BRICS ou fiquem relegadas a pura burocracia (como a gestão Lula/Dilma fez com o Banco do Sul) ou desapareçam.

O componente ideacional de José Serra traz uma nova perspectiva para a inserção internacional brasileira: a possibilidade de iniciar diálogo para inclusão na “Parceria Trans-Pacífica” (TPP). Embora o andamento dessa possibilidade dependa mais da maneira como a FIESP e a oligarquia agrária avaliem a participação brasileira do que da interpretação de Serra sobre o tema – e convém lembrar que, com José Serra a FIESP conseguiu colocar seu “patinho” na pasta mais prestigiosa dos Ministérios brasileiros.

Por último, vale a pena mencionar que a pasta de Relações Exteriores é, talvez, a que garanta mais prestígio interno a seu condutor (embora isso possa ser contrariado se a Diplomacia Presidencial for um elemento marcante na gestão, o que não parece o caso de Michel Temer[5]). O prestígio advém não apenas do sucesso do pensamento e prática da inserção internacional brasileira, mas da medida em que esse pensamento e prática são bem acolhidos pela opinião pública (e no geral, o prestígio é manufaturado pela opinião pública, principalmente quando ela apoia determinada tendência política, como é o caso brasileiro atual).

O aprofundamento do envolvimento com os Estados Unidos, o início de discussão sobre o TPP, a atração de capital estrangeiro, a reinserção da retórica do neoliberalismo (porque na prática continuou existindo no governo Lula/Dilma, atenuando pelas políticas sociais) são elementos que nos permitem, de antemão, apontar a opinião pública vai manufaturar a imagem de “empreendedor” e gestor técnico exitoso de José Serra, angariando louros ao PSDB paulista que, com isso, parece pavimentar o caminho para a indicação de Geraldo Alckmin como candidato presidencial de 2018 – e, nesse cenário, José Serra seguiria como eventual Ministro das MRE ou numa possibilidade remota do que virá no plano político-institucional nesses próximos dois anos, talvez como possível primeiro-ministro (?). Aliás, o próprio “afastamento”/não indicação de Armínio Fraga para pastas econômicas do governo Temer e a nomeação de Serra, indica algo sobre a disputa interna do PSDB mineiro (núcleo ideológico fluminense) e o PSDB paulista.

Portanto, a ascensão de José Serra à Chancelaria brasileira representa para os Estados Unidos, a possibilidade de minar a influência chinesa em várias regiões do mundo e, em especial, na América Latina, cuja presença do Brasil é considerada importante e cujo domínio estadunidense sempre fora tido como “natural”. As regiões globais, em tempos de disputa hegemônica, voltam a fazer parte da agenda prática do hegemon e dos candidatos à hegemonia, de modo que, a própria ação em torno do TPP e os integrantes revelam a preocupação pelo domínio geográfico ampliado e, nesse âmago, o “arremate” do Brasil, a partir de seu “golpe à galope”, é mais do conveniente para a Política Externa Estadunidense.

Obviamente não podemos deixar de mencionar que, para além de um acerto da Política Externa dos Estados Unidos e/ou de um cálculo bem realizado das elites política e econômica brasileiras, o atual cenário é resultado, também, da incapacidade das gestões Dilma/Lula de realizar e aprofundar uma opção político-estratégico e econômica diferenciadas, que pudessem enfrentar o subdesenvolvimento, a dependência e o colonialismo intelectual. Pois bem, se eles não desapareceram nas gestões “críticas” do MRE, agora voltando com toda a força, solidificando a submissão internacional e a afirmação do neoliberamos como agenda estratégica do entreguismo.

*Doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS.


[1] Segundo a revista Exame, Maiores e Melhores de 2012.

[2] Segundo dados Sinaval ( Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore) em 2005 os empregos nos estaleiros estavam na casa de 14.442, e evoluíram para a marca de 68.000 em 2015, com o pico de 78.136 em 2013.

[3] No governo FHC utilizava 120 mil funcionários terceirizados. Nos dois governos Lula, esse número subiu para 300 mil e chegou a 360 mil na gestão Dilma. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1933;

[4] Embora seja necessário reconhecer a importância da não ingerência dos países nos assuntos internos de outros países, sabemos que essa é a normalidade quando os interesses dos países não são colocados em cheque, de modo contrário, quando interesses são contrariados, a “não ingerência em assuntos internos” é apenas adicionado aos demais preceitos que são desrespeitados pelas grandes potências, em função de seus interesses, comprovando que não há “anarquia internacional”, mas sim “hierarquia internacional”.

[5] A própria divulgação de um documento (cabo diplomático) da Embaixada Estadunidense no Brasil, pelo wikileaks, revela a contribuição de Michel Temer, em 2006, com informações específicas e confidenciais sobre o processo político brasileiro. Disponível em: <https://twitter.com/wikileaks/status/730909086775152641>.

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