Alguns exemplos podem vir de países como a Argentina, Chile e Paraguai que têm experimentado a alternância do poder de forma duríssima, sem qualquer garantia de avanço, enquanto Bolívia, Equador e Venezuela têm construções que dão sinais de cansaço. Para não falar da Colômbia que não consegue resolver problemas de guerrilhas anos a fio.
O Brasil merece um olhar particular. Seja pela proporção geográfica, seja pelo bairrismo deste ensaísta, mas principalmente pela importância diplomática que exerce no continente. Em 1964, o poder de uma elite brasileira empunhava o jargão “Brasil, Ame-o ou Deixe-o” favorecendo a ditadura ao estabelecer o medo como modus operandi capaz acrisolar. Em 1984, a sociedade se reorganizou em torno das DIRETAS JÁ! O movimento envolveu gente simples, artistas, intelectuais e parte da igreja católica. Lula e FHC dividiam o mesmo palanque, e mais de 100 mil ocuparam a Praça da Sé. Entretanto, a lei Dante de Oliveira não passou, mas foi suficiente para minguar o governo militar forçando a transição. Na década de 90, o primeiro presidente eleito após a ditadura sofreu impedimento por comprovados atos de corrupção, com isso a democracia na versão mais básica ganhava consistência.
A polarização que vivemos atualmente é um pouco mais rude, não está preocupada entre comunismo ou capitalismo, mas apenas encontrar gerente capaz de garantir seus interesses. Ocorre que o país se constitui com a homogeneização do poder disfarçada na preocupação de eliminar a corrupção, ou pior ainda, com a personalização da culpa seguida da individualização acusatória de laivos aristocráticos. As manipulações alcançam extratos sociais, que se deixam levar às ruas vestidas com as cores da bandeira travestidas da incólume sonorização do hino nacional conferindo certo puritanismo. O poder midiático das interpretações grosseiras, tisnadas de jurisdiquês calvinista, não é suficiente para encobrir às contradições, de quem as praticam. O cinismo ariano não tem limite, saindo de políticos corruptos exigindo justiça, passando por pessoas inocentes cobrando seriedade, mas enfeitadas com camisa de instituições comprovadamente corruptas, até encontrar grupos que no seu dia-a-dia se utilizam de tenebrosas transações. Tudo isso, somado e medido se constitui numa verdadeira e nefasta orgia de associação do público pelo privado que se arrasta desde as caravelas.
Estamos novamente numa polarização de atirar a primeira pedra, ou arriscar o pouco da democracia alcançada. Para superar esse dilema, não podemos recorrer à vala dos comuns, mas uma saída à altura da nossa complexidade. Se um dia usaram símbolos como as vassouras de Jânio, evocaram ídolos como Evita ou Alliende, agora é preciso identificar se nosso nome não está escrito na areia.
Rafael dos Santos da Silva
Rafael dos Santos da Silva é professor da Universidade Federal do Ceará