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Segunda, 23 Mai 2016 00:44 Última modificação em Domingo, 22 Mai 2016 12:01

Derrubar governos pela ação militar não interessa mais aos EUA, diz Moniz Bandeira

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País: Brasil / Reportagens, Institucional / Fonte: Página13

Aos 80 anos, há algum tempo estabelecido na Alemanha, o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira acompanha à distância, embora avidamente, o complô para retirar Dilma Rousseff do poder. Aquele de 1964, o acadêmico nascido em Salvador sentiu na pele e na alma, como preso político e exilado. A maneira de derrubar um mandatário eleito mudou desde então, aponta, mas os interesses envolvidos continuam os mesmos. Prestes a lançar um novo livro, A Desordem Mundial, pela Civilização Brasileira, Moniz Bandeira enxerga interesses internacionais no impeachment de Dilma Rousseff. “O golpe é orientado de fora”, afirma na entrevista a seguir.

CartaCapital: Os países da América Latina substituíram os golpes militares por deposições através da Justiça, no caso de Honduras, ou Parlamento, exemplos do Paraguai e agora do Brasil. Como se deu essa inflexão?

Luiz Alberto Moniz Bandeira: Ela ocorreu em Washington. De 1900 a 2003, quando da invasão do Iraque, os Estados Unidos haviam realizado mais de 200 intervenções militares, operações de regime change, e derrubado inúmeros governos. Falharam, porém, no projeto de nation building, construção de nações. As ditaduras surgidas dos golpes militares produziram, no mais das vezes, resultados contrários aos seus desígnios, com péssima repercussão para a sua imagem, tanto internamente quanto no exterior, um forte desgaste para a ideologia do American exceptionalism, anchor of global security, o mito do papel em favor da humanidade. No Chile, na Argentina e na Indonésia, entre outros, ocorreram brutais violações dos direitos humanos. No Brasil também. No caso brasileiro, o marechal Humberto Castello Branco não conseguiu privatizar tudo conforme desejava e o regime evoluiu para um nacionalismo de direita, manifestado de forma contundente durante o período de Ernesto Geisel, que rompeu, na segunda metade dos anos 1970, o acordo militar com os Estados Unidos e firmou um outro, nuclear, com a Alemanha. Nessa época, como forma de recuperar a imagem dos Estados Unidos, inteiramente desgastada no contexto do conflito com a União Soviética, o presidente Jimmy Carter empreendeu a defesa dos direitos humanos, até então “categoria residual” na política de Washington em relação à América Latina. E a potência que mais promoveu operações de regime change no mundo tratou de mudar os métodos de intervenção em outros países.

Como se daria essa intervenção atualmente?

Os alemães, ressaltou Max Weber, consideravam a Heuchelei (hipocrisia) a essência das virtudes americanas. Com efeito, a plausible deniability, realizar um malfeito depois negado de forma plausível, tornou-se característica essencial da política exterior dos Estados Unidos, com o fito de eludir acusações de intromissão nos assuntos internos de outros países. A mídia, nos Estados Unidos, manifestou-se duramente contra o impeachment de Dilma Rousseff. Criticou-o como golpe de Estado. Mas o capital financeiro nacional e internacional, certamente a CIA e a National Endowment for Democracy (NED), estiveram por trás da crise política e institucional, a aguçar no Brasil uma feroz luta de classes. O que ocorreu no caso de Dilma Rousseff foi similar ao que o presidente Getúlio Vargas denunciou na carta-testamento, antes de suicidar-se, em 24 de agosto de 1954: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de liberdade e garantia do trabalho”.  A Agência Nacional de Segurança dos EUA, tudo indica, monitorou as comunicações da Petrobras e descobriu os indícios de irregularidades e corrupção de militantes do PT. Possivelmente, forneceu informações sobre o doleiro Alberto Youssef à Polícia Federal e ao juiz Sergio Moro. Este conduziu a Operação Lava Jato como um reality show. Deixou vazar seletivamente informações facciosas, de caráter político-partidário, com base em delações obtidas possivelmente sob coerção e ameaças, para envolver o ex-presidente Lula. Muito dinheiro correu, vastos recursos estrangeiros e nacionais foram a seiva da campanha em favor do impeachment, na mídia corporativa, no Congresso e em outras instituições.

Quais os custos do impeachment para o Brasil?

É difícil calcular. Os investimentos estrangeiros não correm para um país em recessão. E vai ser difícil recuperar a economia brasileira em dois anos. O programa anunciado pelo vice Michel Temer consiste, ao que parece, em vender ao estrangeiro tudo o que for possível, a começar pela Petrobras, e adequar a legislação e os programa sociais aos interesses e conveniências do grande capital. Contudo, não será fácil.

O processo contra Dilma Rousseff foi muito mal avaliado fora do Brasil. Como isso afeta a nossa credibilidade e a margem de manobra do futuro governo de Michel Temer?

Os jornais dos Estados Unidos e da Alemanha que li falaram em golpe. O processo de impeachment, anotou reportagem do New York Times publicada em 14 de abril, foi conduzido por parlamentares corruptos, acusados de abusos aos direitos humanos, contra uma presidenta que não era alvo de investigação. O artigo, assinado por Simon Romero e Vinod Sreeharsha, apontava o próprio vice-presidente Michel Temer como um dos acusados de corrupção. Der Spiegel, a mais importante revista da Alemanha, e outros importantes jornais publicaram artigos no mesmo tom. O Judiciário e o Congresso jogaram na lama a imagem do Brasil e será muito difícil resgatá-la, um país sem lei e no qual até a Justiça é politicamente partidária. Não só a imagem do Congresso, mas também a do Supremo Tribunal Federal está abalada.

Como Dilma Rousseff poderia reagir a esse processo? O senhor vê possibilidades de uma denúncia mais contundente no exterior gerar algum tipo de efeito internamente?

Não creio. O golpe é orientado de fora. Aproveita-se, claro, das circunstâncias domésticas, a oposição das classes médias e altas, que jamais digeriram os rumos sociais a partir do governo Lula. E o Brasil entrou em recessão, agravada pela queda das commodities e pelos erros econômicos da administração de Dilma Rousseff, que contingenciou os recursos e não investiu na infraestrutura, ao mesmo tempo que sofreu dura oposição no Congresso desde o início do segundo mandato e não contou com apoio para fazer o ajuste fiscal e a reforma política.

O governo Temer tende a resultar em uma inversão de rumos em vários pontos, inclusive na política exterior. É provável um afastamento dos chamados BRICS e uma busca por aproximação com os EUA e a inclusão do País nos mega-acordos internacionais em negociação. Como o senhor avalia essa possibilidade?

O Brasil está em meio a uma guerra geoeconômica, uma segunda Guerra Fria, travada por diferentes meios e na qual os Estados Unidos tratam de preservar a qualquer custo a sua hegemonia, sustentada pelo dólar como única moeda de reserva internacional. O Trans-Pacific Partnership (TPP) é uma das armas de Washington. Sua aprovação por todos os países ainda é, porém, incerta. Por outro lado, o Banco de Desenvolvimento da China e o BNDES possuem portfólios de empréstimos que ultrapassam o do Banco Mundial, controlado pelos Estados Unidos. E o Banco dos BRICS, inaugurado em Xangai com um capital de 100 bilhões de dólares, não apenas constitui uma alternativa para o Banco Mundial. Houve uma sinalização de que a assistência a outros países não mais seria concedida nos termos ditados pelos Estados Unidos e pela União Europeia. São armas potencialmente importantes e, ademais, afigurou a Washington que a prioridade do Banco dos BRICS, como outro instrumento de expansão geoeconômica da China, com dimensão geopolítica e estratégica, seriam as empresas estatais. O Brasil é o maior parceiro comercial da China e, como certa vez disse o ex-presidente Richard Nixon, para onde fosse o Brasil iria toda a América Latina. Por isso era preciso mudar sua direção.

Depois do Brasil, a Venezuela deve realizar um referendo revogatório do mandato de Nicolás Maduro. O que provocou essa ressaca dos projetos progressistas na América do Sul?

O problema da Venezuela, país fundamentalmente petroleiro, é muito diferente do que acontece no Brasil e aqui não há espaço para avaliar, dada a sua complexidade.

Como o impedimento de Dilma Rousseff vai afetar as esquerdas no Brasil? Ou suas chances de reaver o poder?

A esquerda no Brasil esteve no governo, mas não teve o poder. Como disse antes, o País é alvo de uma guerra geoeconômica, na qual os Estados Unidos mais uma vez lutam pela influência global, não apenas contra a China e a Rússia. Também contra potências regionais emergentes. O fato de os Estados Unidos e a União Europeia formarem um cartel ultraimperialista não exclui contradições intestinas, como estão a emergir, no caso das sanções contra a Rússia, dados os prejuízos causados ao comércio e aos investimentos da Alemanha. É difícil prever as consequências. A economia capitalista é essencialmente instável. E a “teologia” do livre-mercado global, desregulado, levou uma vez a Argentina, Brasil e outros países a profundas crises econômicas e sociais. De qualquer forma, Eric Hobsbawm observou certa vez:  já não existe esquerda tal como era, socialdemocrata ou comunista. Ou está fragmentada ou desapareceu.

Fonte: CartaCapital, n. 901, 18 mai. 2016.

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