É importante lembrar que Colatto é o autor de emenda contida na Lei 13.301/2016 que permite a pulverização aérea de inseticidas em áreas urbanas.
No texto da lei da caça, Valdir Colatto propõe a criação de reservas de caça dentro de propriedades privadas. Em sua opinião, isso ampliará a fonte de receitas dos proprietários e não prejudicará a fauna porque as espécies ameaçadas de extinção serão excluídas da licença de caça. As demais, até conseguirem acesso à categoria de “quase extintas”, passarão a ser “manejadas” para o exercício do esporte.
O deputado usa o exemplo do javali, do morcego, do pombo, cuja matança entende necessária para o bem do agronegócio, que estaria sendo por eles ameaçado. Omite os demais componentes da megafauna brasileira e ignora o fato de que os animais silvestres recebem este nome apenas porque são livres, e que devem ser protegidos exatamente porque cumprem funções ecológicas relevantes e ameaçadas. Merecem estes cuidados porque suas populações estão se reduzindo em função do avanço das monoculturas, do uso de venenos, das queimadas, do estreitamento das áreas de reserva, enfim, dos abusos do agronegócio. Aliás, a caça do javali já é autorizada pelo IBAMA onde se faz necessária, de modo que, neste caso, nem poderia ser aceita como argumento honesto.
Então, o que devemos pensar a respeito do PL 6.268/2016?
De um lado se faz evidente que aquele deputado percebe os animais silvestres como coisas sem dono, que não geram renda e que devem ser inseridas na economia de mercado. Baseado nisso, apresenta sua solução radical: por que não damos a estas coisas sem dono o produtivo papel das vítimas?
Ele está propondo uma espécie de acesso à economia pela porta da morte, similar ao que nosso país já garantiu a todas as minorias que não contaram com a proteção e a solidariedade de valores humanos efetivos, por parte da sociedade. Sabemos que estes sentimentos de respeito à vida, embora dominantes entre nosso povo, são escassos nas elites e se fazem adormecidos em momentos tristes de nossa história. Pela audácia desta proposta e pela sua coerência com tantas outras alterações em nossa base legal, já efetuadas ou em andamento na Câmara Federal, parece que o deputado está contando como certa a omissão da sociedade ou mesmo o avultamento das ondas de apatia.
Esperamos que ele se perceba equivocado.
Do ponto de vista da fauna, se este PL vier a ser aprovado, as perspectivas de sobrevivência passarão a depender do preço das balas e da pontaria dos “esportistas”. Na contramão dos avanços civilizatórios, os filhos dos proprietários das “reservas de caça”, assim como seus empregados, clientes e amigos serão treinados para matar, usando alvos vivos.
As propriedades rurais também poderão amontoar depósitos com “armas de caça”, e os grupos armados, hoje eventualmente confundidos com milícias, passarão a ser considerados caçadores inocentes, respaldados pela nova lei.
Como requinte, o deputado prevê que possíveis irregularidades, uma vez constatadas, não mais implicarão em prisões. Serão resolvidas com penas alternativas que envolverão tão somente o pagamento em dinheiro, facilitando problemas de julgamento social e ocultando dramas de consciência. No argumento do autor, “evitando agravar o problema das prisões superlotadas”.
Quem ganha e quem perde com este tipo de lei, que tende a nos encaminhar de forma abrupta em direção à barbárie? Parece óbvio que o Brasil perde, e que as fábricas de munições ganham. Mas será apenas isso?
As alterações da base legal, em detrimento dos direitos da população, em desrespeito a questões ambientais, em ameaça à vida para benefício de empresas, já deixaram de ser novidade. Elas estão presentes no esvaziamento de instituições públicas, na facilitação ao uso dos agrotóxicos, na tentativa de ocultar dos rótulos dos alimentos industrializados o símbolo da presença de transgênicos, e em outros PLs propostos pelos deputados da Bancada Ruralista, colegas de Valdir Colatto.
Diante da facilidade com que este grupo vem conseguindo fazer valer os interesses por eles defendidos, e supondo que aprovem também esta lei, o que deveremos esperar a seguir? A revogação da proibição do DDT? Ou quem sabe algo mais radical, talvez associado à Lei Áurea?
*Leonardo Melgarejo é da Associação Brasileira de Agroecologia e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.